Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
Formação cristã no amor do próximo
1 — Educação
É preciso ensinar a amar para se
ser bom desde a infância. Assim como na obra da educação se insiste sobre a
obediência e a pureza, também se deve insistir sobre a caridade. Há muitas
pessoas que têm espírito de humildade e de pureza mas pouco espírito de
caridade. O educador, diante do egoísmo que leva a criança a reservar para si a
parte maior de uma maçã, e a parte mais pequena de um trabalho, diante do espírito
vingativo que leva a criança a acusar os seus adversários, diante da
brutalidade com que maltrata os seus companheiros no jogo, o educador deve
mostrar tanta indignação como perante uma mentira ou uma grave insubordinação.
O educador deve combater o egoísmo, deve também mostrar a excelência das
virtudes da bondade e caridade e exortar à sua prática. Se compreendêssemos o
valor e a excelência do amor do próximo, diz santa Teresa de Jesus, não nos
aplicaríamos a outra coisa.
2— Oração
Na recitação do Pai-nosso,
devemos dizer com muita devoção: Venha a nós o vosso reino, o reino do amor
divino; livrai-nos do mal, do mal que é a falta de caridade, da dureza do coração;
livrai-nos do maior dos males: do ódio e do reino eterno do ódio.
3— Comunhão
1.º A Eucaristia cria o espírito de
amor. —Jesus Cristo, depois de estar em contato com o coração humano, promulgou
esta lei de amor: «Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei». Porque é
que promulgou esta lei só depois de instituir a Eucaristia? Porque entendia que
o amor do homem para com o homem só podia ser dedicado, desinteressado e
generoso, rendo as suas raízes no amor de Deus.
Assim
como o espírito, para se desenvolver precisa de estar em contato com outro espírito,
que, primitivamente, não era senão o Espírito de Deus, assim também o coração
humano, para amar divinamente, deve estar em contato com o coração de Deus,
foco de todo o Amor. A Eucaristia, cria, pois, este espírito de amor naqueles
que a recebem.
2.º A Eucaristia ensina-nos a
aplicar este espírito de amor. — A Eucaristia ensina-nos que devemos fazer, em
proveito do nosso próximo, o sacrifício dos bens de fortuna, do amor próprio e
da vida.
Sacrifício
dos bens de fortuna. — Jesus, depois de nos ter dado a Sua doutrina, os Seus exemplos e méritos da Sua vida, deu-nos a Sua substância: a divina e a
humana; a que recebeu de Seu
Pai, na Sua geração
eterna, e a que recebeu de Maria, na Sua
Encarnação, e,
por isso, deu-nos o Seu
Corpo, Sangue, Alma e Divindade sob as espécies do pão e do vinho consagrados.
Dando-se na Eucaristia, não pôde
dar mais.
Qual
será aquele que, sentando-se, de manhã, à Mesa da Comunhão, poderá depois, ao
sentar-se à mesa em sua casa, recusar aí um lugar ao pobre? Qual será aquele
que recebendo o pão espiritual recusará a esmola do pão material? Certamente
ninguém que comungue.
Sacrifício
do amor próprio. — A paixão dominante é o amor próprio; pretendemos
elevar-nos acima dos outros.
Ora a Eucaristia estabelece uma
verdadeira igualdade entre os homens perante Deus. Nunca o sacerdote pergunta àqueles
que se aproximam da sagrada Comunhão: Quem sois vós? Sois ricos e poderosos?
Vinde tomar o primeiro lugar. Sois um mendigo? Ide lá para o fundo do templo, é
lá que deveis esperar as migalhas do banquete preparado para os grandes. Não; não
procede assim. Aproximam se confundidos uns com os outros e todos com a mais
profunda humildade. O criado do Visconde de Turena, no momento em que ia
comungar, vendo ao seu lado o seu senhor, diz:
Passe para diante, senhor. Aqui não sou senhor, observou-lhe o Visconde, aqui não
há senão um Senhor, deixa-te estar no teu lugar.
Quando nós vemos os ricos e os
poderosos confundidos com os pobres, igualmente participantes deste banquete
celestial, é uma prova evidente de que, no convívio social, também se aproximam
uns dos outros com os sentimentos da mais profunda estima e veneração.
3.º Sacrifício da vida. — São João
dizia a propósito: «Nós conhecemos o amor de Deus por este grande sinal: Ele
deu a vida por nós, para também nós darmos a vida uns pelos outros. Ora a
Eucaristia repete-nos o mesmo, pois que é a comemoração e a continuação do
maior de todos os sacrifícios — do Sacrifício da Cruz.
Quanto mais os homens se
aproximarem de Deus pela Comunhão, diz são Tomás, tanto mais se aproximarão uns
dos outros pela caridade.
Por isso, os primeiros cristãos,
que comungavam todos os dias, tinham tanta caridade e amor ao próximo, que
arrancavam aos pagãos esta exclamação: Vede como eles se amam! E a sua caridade
vai tão longe que até socorrem os seus próprios inimigos e perseguidores.
Nos tempos de hoje o que se
observa entre os cristãos? O pobre não é socorrido, o enfermo não é visitado, o
moribundo não é assistido, o pecador não é salvo; só há indiferença,
sentimentos de aversão de ódio e de vingança.
São Paulo, notando que os Coríntios
comungavam e, não obstante, havia entre eles desunião e discórdias, posto que não
tão graves como há entre nós, chamava a essa desunião — heresia. Um grande
orador sagrado faz este comentário: — «Não é heresia contra o Sacramento
enquanto é mistério de Fé, é heresia contra o Sacramento enquanto é mistério de
Caridade». É que os que comungam e não vivem em união, desmentem, negam a
verdade da Comunhão, fazem com que a Comunhão não seja Comunhão.
A nossa heresia é mais
prejudicial do que a dos hereges.
Os hereges negam o Sacramento, mas não fazem com que o Sacramento não seja
Sacramento; nós fazemos com que a Comunhão não seja Comunhão.— Os hereges são
blasfemadores deste Mistério, e nós, destruidores dele. — Os hereges negam a
essência e nós desmentimos a virtude deste Sacramento. Razão teria São Paulo para lamentar também o
nosso procedimento. Por um lado, amigos da Comunhão e por outro, inimigos da
mesma Comunhão; por uma parte, com o Sacramento do Amor no peito e, por outra,
com a aversão e o ódio no coração. Acabamos de comungar o Corpo de Jesus Cristo
no Sacramento e partimos logo para nos comermos uns aos outros. Acabamos de
beber o Sangue de Jesus Cristo e, ali mesmo, desejamos, talvez, beber o sangue
dos que comungam conosco.
Jesus dando-se a nós na sagrada
Comunhão, continuamente nos está repetindo: «Amai-vos uns aos outros assim como
Eu vos amei».