I. — Imensa glória te espera no Céu,
ó filho. Ah! se bem a considerasses, que não farias tu por consegui-la!
Sou Eu mesmo que te preparei essa
glória. Se onde Eu estou, quero que esteja o Meu servo, quanto mais o Meu fiel
Sacerdote? Será tua a Minha mesma glória, e Eu mesmo serei teu abundante
prêmio.
Que júbilo será o teu, vendo o pouco
que me ofereceste, premiado com medida tão grande, tão cumulada, tão superabundante; tanto mais próximo a Meu trono, e tanto mais honorificado no
Céu, quanto mais o foste na terra pelo teu ministério!
Oh como bendirás então o ter
suportado com decoro e fortaleza o peso da estola sacerdotal, vendo-a agora
trocada em estola de eterna glória! Tuas insígnias sacerdotais resplandecerão
mais no Céu, que luzidios diamantes; e sentar-te-ás em trono mais elevado, por Me
ter seguido com especial desapego do mundo[1].
Ditoso de ti, que, tendo trabalhado
na própria santificação, e tendo-a ensinado aos outros, te acharás com coroa
duplicada e superior aos outros no Céu.
II. — Filho, não seria já bastante,
para tua maior consolação, o ver-te livre de todas as misérias desta vida,
acabados os trabalhos, as lágrimas, as cruzes, as perseguições, não ter já que
temer nem que pelejar com pecados e pecadores?
Que será pois o ver-te enriquecido de
todos os bens, já na posse do mesmo gozo, do teu amado Deus?
Oh! filho, facilmente se fala deste gozo,
mas compreendê-lo!... conhecê-lo-ás quando lá estiveres, e então dirás quanta
seja a glória do Meu reino, e quão grande é Deus no premiar! [2]
Considera um pouco e vê quanto pôde
em Pedro um pequeno reflexo da Minha glória, quanto um só vislumbre em Paulo, e
uma sombra da cidade santa vista por João!
Ah! se uma só penumbra foi tão doce
a estes amantes do seu Deus, ainda neste vale de lágrimas; que será quando,
esclarecido pela Luz soberana, Me vires, já não em enigma, mas face a face, e
eu entornar sobre ti a torrente de Minhas delícias, e tiveres de as gozar todas
e por toda a eternidade? Cara penitência, dirás então, cara penitência que me
ganhaste tanta glória!
III.— Suaste, sim, no ensino da Minha lei; fatigaste-te nos estudos, no confessionário; sofreste perseguições
por Meu amor; mas oh! qual será o teu contentamento, vendo-te coroado de
duplicada glória, por ter sofrido perseguições[3], e por ter procurado o bem de Minhas almas![4]
Todas, todas te rodearão no Céu, oh
que inefável alegria! quando à porfia se reunirem todas a dar-te graças: os
pobres pelas esmolas recebidas, com que evitaram tantos pecados; os penitentes pelas admoestações e conselhos que lhes deste, e pela
absolvição que lhes diferiste com caridade; os paroquianos pelo zelo com que os
dirigiste e defendeste do abismo; a juventude pelo amor da pureza que lhe
inspiraste; os domésticos pela paz e mansidão com que os edificaste; e tu
também, transportado de alegria, lhes renderás graças pela obediência e
docilidade com que te corresponderam.
Com que amor e benevolência olharão
para ti os Meus santos, protetores destas almas, os seus anjos da guarda, Minha mesma Mãe e Mãe sua, Maria Santíssima? quão gratos se mostrarão para
contigo? E qual será a tua ternura para com eles, que tanto pediram por ti, e
te sustentaram em teu zelo? Todos te esperam, filho, e anelam pela hora de te
ver em sua companhia e eu mesmo o desejo mais que todos eles [5].
Que não farei para te exaltar?
Far-te-ei mais semelhante a Mim na glória, já que tanta consolação me deste,
assemelhando-te a Mim em ser também salvador de Minhas almas.
Eia, amado filho, a Mim muitas
almas; e
imagina, se poderes, qual será o Meu júbilo quando te vir, entre tantos e com
tantos eleitos, estreitamente unido ao Meu coração. Oh que alegria! que
desabafos de amor sem fim! que doçura!
Fruto.—És peregrino na terra:
despreza pois o grande nada do mundo que passa: tua pátria é o Paraíso[6].
Manda diante de ti esmolas e boas
obras. Aos mártires, às virgens e aos mestres na obra da salvação das almas hão
de tocar no Céu três coroas especiais. Deseja a primeira e busca as duas últimas com a pureza e com o zelo.
Grande é a obrigação que tens de
guardar castidade e promover a salvação das almas; custar-te-á trabalho e suor;
mas lembra-te do que dizia S. Filipe Neri:
O Céu não foi feito para os poltrões.
S. Francisco de Assis, exortando os seus Religiosos, dizia: Meus irmãos,
grandes coisas prometemos; porém muito maiores foram prometidas a nós:
observemos aquelas, suspiremos por estas: o prazer é breve, o padecer é pouco,
a glória é infinita, muitos são os chamados, e poucos os escolhidos; e todos
hão de ser retribuídos segundo seus merecimentos.
Notas:
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[1] Ubi ego sum, illic et minister meus erit. (Joan.,XII, 26.) Pater, quos dedisti mihi, volo, ut ubi ego sum, et illi sint mecum, ut videant claritatem quam dedisti mihi. (Idem, XVII, 24.) Ad haec audita inardescit animus, jamque illic cupit assistere ubi se sperat sine fine gaudere. Sed ad magna praemia perveniri non potest, nisi per magnos labores, ...(Greg., Hom. Un. Mart. Breviar.)
[2] Quae autem lingua dicere, vel quis intellectus capere sufficit, ilia supernæ civitatis quanta sint gaudia: Angelorum choris interesse, præsentem Dei vultum cernere, ... (Greq., Hom. Un. Mart.)
[3] Vos estis, qui permansistis mecum in tentationibus meis: et ego dispono vobis, sicut disposuit mihi Pater meus, regnum, ut edatis et bibatis super mensam meam in regno meo, et sedeatis super thronos, judicantes duodecim tribus Israel. (Luc., XXII, 28.)
[4] Bene agente populo, unusquisque quidem pro suo bono remuneratur; sacerdos autem pro bonis omnium, quos ad bene agendum excitavit. (Chrysost., Op. imp. Hom. 51.)
[5] Magnus illic nos carorum numerus expectat, parentum, fratrum, filiorum frequens nos, et copiosa turba desiderat. Ad horum conspectum et complexum venire, quanta et illis, et nobis in commune laetitiae est? ... (Cyprian., De mortat. in Breviar. 8 novembr.)
[6] Considerandum, et identidem cogitandum, renuntiasse nos mundo, et tanquam hospites, et peregrinos hic interim degere. Patriam nostram Paradisum computamus; parentes patriarchas habere jam coepimus. Quid non properamus, et currimus, ut parentes salutare possitnus? (Cyprian., loc. cit.)
Unde angitur christianus? Quia nondum cum Christo vivit: quia peregrinatur et desiderat patriam. (August., Psal. 122, 2.) Qui non gemit ut peregrinus, non gaudebit ut civis. (Ibid., 148, 4.)