I. — Sabe, filho, que todo o Meu
empenho foi sempre glorificar unicamente Meu eterno Pai e conduzir-lhe as
almas.
Viste-Me, em Samaria, enfraquecido e
fatigado, sem alívio nem sustento, só por uma pobre e vil pecadora. Quanto não
exultei de alegria vendo em Meus braços a ovelhinha desgarrada! o prodígio
arrependido! Não recusei suores, lágrimas, sangue nem a mesma vida pela
salvação de todos.
Ah! querido Sacerdote, se Me amas,
já te não digo: jejua, flagela-te; mas sim: salva-Me as almas; sem isto nada farás,
nenhuma prova Me dás de teu amor. Fica certo de que nenhuma obra podes fazer,
que seja mais meritória nem mais do Meu agrado[1].
Que ânsias, que trabalhos, que
perseguições não sofreram um Pedro, um Paulo, um João e tantos outros santos
Sacerdotes, para Me consolar? Ainda antes do Meu Evangelho, quanto não arderam
em zelo e quanto não trabalharam pela Minha glória um Moisés, um Phinees, um
Elias e todos os Meus profetas? e tu, vendo Meus exemplos, solicitude e amor,
não despertarás?
II. — Fiz-te Sacerdote, não para buscares
tuas comodidades, mas sim o bem das almas: foi só este o fim por que te elevei
a tão alto ministério[2].
Tu, esposo e defensor da Minha
Igreja, tu, constituído anjo custódio e pai das almas, poderás ver, imóvel,
precipitarem-se tantas no Inferno?! Porque não estudas, não oras, não
confessas, não falas, já em público, já em particular, para arrancar ao menos
alguma das garras do inimigo? Como podes viver ocioso à vista de tamanha perda
de Meus e teus filhinhos?
Dei-te poder e talentos; elevei-te
até à dignidade de Meu cooperador e coadjutor na salvação das almas; e todavia
serão Meus inimigos mais solícitos em perdê-las que tu em salvá-las?
E quanto maior seria o teu crime, se
tu mesmo ocasionasses a sua perdição; e ainda fosses a pedra de escândalo de
tua comunidade, obstando a toda a reforma, mantendo os antigos abusos, e
introduzindo outros novos?
Lembra-te que elas Me custaram todo
o Meu sangue, e que te hei de pedir estreitíssima conta. Porque quererás aumentar
ainda a amargura do teu Deus na perda de tantas almas com a perda da tua?
III. — Quem Me converter algum pecador,
além de o salvar a ele, salvar-se-á também a si, e resplandecerá como estrela
eternamente. Queres que te multiplique as coroas? multiplica também tu, filho,
as vitórias.
Se tão grande festa fazem no Céu os
Anjos e os Santos pela conversão de um pecador, quanto não aplaudirão quem o converte?
Ah! filho, de todas as Minhas obras
nenhuma Me é tão cara como as almas, e deixarei Eu de cumular com todos os Meus
bens quem mas salvar? [3]
Oh que doces frutos? que consolação
na morte! que júbilo no Céu! e não procurarás tu consegui-los?
Fruto. — Examina se o teu zelo é
abrasado pela caridade, dirigido pela ciência, e sustentado pela constância. A
caridade é paciente, é benigna; não inveja o bem alheio, não é ambiciosa, não
busca o próprio interesse, a vaidade, o gênio; busca o bem espiritual para si,
e logo para o próximo.
Quem não tem cuidado da própria casa,
como o terá da Igreja? quem é mau para si, como será bom para os outros? Sem
estudo, sem conselho e sem oração jamais chegarás a possuir a ciência dos
Santos, que te torne prudente e eficaz.
Mostra-te em tudo um digno ministro de
Jesus Cristo, armando-te de muita paciência para sofrer os muitos trabalhos, o
pouco fruto deles, as contínuas ingratidões, as resistências e perseguições que
tens de encontrar, seguro de que serás premiado, não segundo o fruto, mas
segundo tuas fadigas e penas.
S. Esturmio, apóstolo da Saxônia
depois de tantos trabalhos e perseguições, sofridas em seu apostolado, pôde
dizer na hora da morte: Em tudo quanto fiz, nunca tive outro fim, senão a
salvação das almas e a vontade de Deus.
Notas:
__________
[1]
Non dixit Christus: se amas me, abjice pecunias, jejunium exerce, macera te
laboribus, mortuos excita, daemones abige: nihil vel horum, vel aliorum
miraculorum, recteque factorum in medium adduxit; sed, omnibus illis
prætermissis, dixit illi: Si diligis me, pasce oves meas. (Chrysost.,De S.
Philogonio, Hom. 31.) Si
diligis me, pasce oves meas. (Joan., XXI, 15.) ... Ex hoc loco agnoscunt fidei
magistri, non aliter se pastori Christo gratos fore, quam si omni studio
caveant, ut rationales oves recte curentur, et bene habeant. (Cyril. Alex., hoc.
loco.)
[2]
Sumus mercenarii conducti. Sicut enim nemo conducit mercenarium, ut solum
manducet; sic et nos non ideo vocati sumus a Christo, ut sola operemur, quæ ad
nostrum pertinent usum, sed quæ ad gloriam Dei. Et sicut mercenarius prius
respicit opus suum, deinde diaria sua; sic et nos, si Christi sumus mercenarii,
primum debemus aspicere quae ad gloriam Dei pertinent, proximique profectum,
deinde quae ad nostram utilitatem. Et sicut mercenarius totam diem circa domini
opus impendit, unam autem horam circa suum cibum; sic et nos omne tempus vitae
nostrae debemus impendere circa opus Dei gloriae, modicam autem partem circa usus
nostros terrenos,... (Chrysost., Op. imp., Hom. 34.)
[3] Ideo
Deus ordinat sacerdotes, ut populum evigilare faciant in operibus bonis: ideoque, bene agente populo, sacerdos pro bonis omnium remuneratur. (Chrysost., Hom. 51.) Super omnia bona sua constituit eum. (Math., 24.) Non in
omnibus, sed super omnia constituitur; quasi dicat: etsi magnus est labor praedicationis, tanto
devotius ferri debet, quanto majora lucra mercedis habet. (Greg., 1.º Reg., IX, 20.)