I. — Filho, se Me amas, como não
amarás teus irmãos? Como poderás esquecer-te do testamento e última vontade de
teu Pai
celeste? Amai-vos, disse Eu, amai-vos, Meus filhinhos, uns aos outros, e
querei-vos todo aquele bem que Eu mesmo quis a vós todos: quero que este
sincero e recíproco afeto seja o distintivo, que vos faça conhecer por Meus
discípulos [1].
Sabes que te tenho amado como amigo,
e que te abri todo o Meu coração; que fui Eu primeiro que te chamei, e te
escolhi para medianeiro e intercessor de todo o bem a favor de teus irmãos.
Permanece pois unido com eles naquela santa paz, que eu vos deixei por herança,
e conforme o modelo daquele amor que vos tenho mostrado; amai-vos de todo o
coração, novamente t’o recomendo, porque é empenho Meu.
Meu eterno Pai não te faltará com o
seu auxílio; Ele te ama, e Eu Lhe supliquei que vos conservasse mutuamente unidos
de tal sorte, que sejais uma só coisa, como Eu o sou com Ele [2].
E depois de tantas diligências
ver-te-ei ainda dominado do espírito de partido e de discórdia, ou unido com um
amor só aparente e de cortesia?
II. — Sabes, filho, quanto tenho
feito por teu amor. Na Eucaristia dei-te o Meu corpo e sangue; para te remir,
sacrifiquei a Minha vida, e a Mim todo, aos tormentos e à morte de cruz; e não
te moverão tais exemplos a imitares-Me na caridade?
Dei-te a graça da vocação religiosa;
ungi-te para Meu Sacerdote com o óleo sacro, símbolo de misericórdia, para que
esta fosse em ti superabundante, em socorreres com esmolas os pobrezinhos, e
para que tu fosses todo coração, todo zelo em procurar a teus irmãos todo e bem
[3].
Fica certo, filho, que te hei de ser
agradecido; pois reconhecerei, como feito a Mim mesmo tudo o que fizeres a cada
um de Meus pobrezinhos.
III. — Que te importa, filho, que os
homens te sejam ingratos e, demais a mais, te persigam? Também Me perseguiram a Mim.
Que importa que te roubem a fazenda
e a honra? Eu te aconselhei que cedesses também a capa a quem te disputava a
túnica, e que oferecesses a face esquerda a quem te feria na direita. Quem te
persegue e te cobre de calúnias, dizendo todo o mal contra ti, prepara-te, sem
o querer, uma cora preciosa no Céu.
Tu que, junto do Altar sagrado, dás
a paz a teus irmãos, e comemoras a Paixão e Morte que sofri por beneficiar Meus
inimigos; tu, que Me distribuis ao povo e te sustentas de Mim, que Sou o
Cordeiro de paz, que, sendo amaldiçoado, não amaldiçoei; sendo atormentado, não
ameacei; sendo inocente, me deixei sentenciar injustamente; que até abracei um
Judas, e, pregado sobre a cruz, pedi pelos mesmos que Me crucificavam, tu ainda
terás repugnância em amar, em tratar, em conversar e em saudar com urbanidade a
quem te ofendeu?
Tu, que és mestre da caridade e a
ensinas ao povo, deverás assim praticá-la?
Lembra-te que tens necessidade que Eu te perdoe e te ame; e Eu te prometo fazê-lo, mas com a condição de tu
perdoares e amares ainda aqueles que te ofenderam. Hás de ser medido pela mesma
medida, com que medires os outros.
Fruto. — Examina se entre ti e
alguém de teu próximo, ou dentro ou fora de casa, há algum ressentimento; e não
se ponha o sol sem que tu sejas o primeiro a reconciliar-te com ele e dar-lhe
provas de sincera caridade: prostrado aos pés de Jesus Cristo,
faze disto um firme propósito, e não digas posteriormente Missa sem que,
primeiro o executes.
S. João, o Esmoler, Patriarca de Alexandria,
estando a celebrar, lembrou-se que um clérigo, a quem tinha repreendido
justamente, o olhava com certa aversão, e, lembrando-se ao mesmo tempo daquelas
palavras de Jesus Cristo: Deixa tua oferta sobre o altar, e vai reconciliar-te
com teu irmão; ele, com pretexto de necessidade, interrompeu a Missa, chamou o
clérigo contumaz, prostrou-se a seus pés com profunda humildade; e assim o
ganhou para Jesus Cristo, voltando depois a concluir a Sacrifício que tinha
interrompido.
Ama em ti a paz, e busca-a para o
próximo com todo o empenho possível.
Faze hoje alguma esmola,
especialmente para impedir pecados. Se há de ser condenado no juízo de Deus
aquele que não tiver feito obras de caridade, quanto maior será a tua culpa, e
por conseguinte a tua pena, pois que pela profissão de Sacerdote te obrigaste
particularmente ao exercício da caridade? [4]
Notas
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[1] In hoc cognoscent omnes, quia discipuli mei estis, si dilectionem habueritis ad
invicem. (Joan., XIII, 35.) Si diligatis invicem, Deus in nobis manet, et
caritas ejus in nobis perfecta est. In hoc cognoscimus quoniam
in eo manemus, et ipse in nobis. (Idem,
1.ª Ep. 1V, 12-13.)
[2] Ipse Pater amat vos... (Joan., XVI,
27.) Pater sancte, serva eos in nomine tuo, quos dedisti mihi, ut sint unum,
sicut et nos. (Idem., XVII, 11.) Rogo,... ut omnes unum sint, sicut tu, Pater,
in me, et ego in te, et ipsi in nobis unum sint... Ego in
eis, et tu in me, ut sint consummati in unum... (Ibidem, 21-22.)
[3] In hoc cognoscimus caritatem Dei quoniam ille pro nobis animam suam posuit: et nos debemus pro fratribus animas ponere. Qui habuerit substantiam hujus mundi, et viderit fratrem suum necessitatem habere, et clauserit viscera sua ab eo, quomodo caritas Dei manet in eo?... Non diligamus verbo, neque lingua, sed opere et veritate. (l.ª Joan., III, 16-18.)
[4] Grandis culpa, si, te sciente, fidelis egeat, si scias, eum sine sumptu esse, fame laborare, aerumnatn perpeti, qui presertim egere erubescat, et non adjuves; si tempore afflictionis suæ nihil a te impetret. Omnibus enim debemus nos misericordiam... (Ambro., Offic., I.)