Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
1. — Respeito
Numa sociedade tudo vai bem ou mal
conforme o poder é ou não respeitado.
Quando o poder não é respeitado, a
Pátria cai na anarquia, isto é, na insolência contra a autoridade decaída e sem
prestígio, em desordens e vinganças de uns contra os outros.
Quando, ao contrário, o poder é
respeitado, tudo vai bem.
O respeito pelo poder é, pois, uma
das condições essenciais da paz e prosperidade da Pátria.
Os cidadãos devem respeitar o poder porque
todo o poder vem de Deus.
Deus é o supremo Senhor de todas as
coisas e por isso é quem tem direito a mandar em nós. Ora Deus exerce o seu
domínio sobre nós por meio dos Seus representantes.
Com que direito um homem pode mandar
noutro homem senão como representante de Deus? O barro, diz Bossuet, não tem
direito a mandar no barro. Todos os homens são iguais por natureza. Fora das
relações de autoridade e subordinação, resultantes da fraternidade e filiação, nenhum
homem possui, em virtude da sua natureza, o direito de mandar nos outros, ainda
que fosse o mais sábio, o mais hábil e virtuoso dos homens.
Os cidadãos devem respeitar o poder
porque todo o poder vem de Deus. Se,
na sociedade, os cidadãos escolhessem um homem a quem confiassem, com uma parte
da sua autoridade os seus interesses, o poder exercido por esse homem seria a
soma total das concessões, seria uma delegação da multidão e, por isso, Deus
não teria nada com isto. Então eu, por exemplo, veria à minha frente, um
encarregado de negócios e não um chefe, um superior com direito a mandar em
mim.
Se os nossos chefes fossem apenas
nossos empregados, com muita dificuldade conquistariam o nosso respeito.
O poder separado de Deus, laicizado não
infunde respeito. Avilta-se e degrada-se então a autoridade.
Todo o poder vem de Deus e reside em
Deus.
Os cidadãos devem respeitar o poder,
quaisquer que sejam os seus representantes. Qualquer que seja o homem, novo ou
velho, sábio ou ignorante, virtuoso ou mau, ou que empunhe o cetro por
hereditariedade, eleição ou conquista, pouco importa. É meu superior legítimo?
Deus entregou-lhe o direito de mandar em mim? Se ele tem este direito, eu
inclino-me, com toda a submissão e reverência, diante desta criação divina, que
se chama o poder, como se fosse diante de Deus.
Os cidadãos devem respeitar o poder,
quaisquer que sejam as suas faltas. A indignidade do superior não suprime a
santidade do poder e o direito que ele tem ao respeito. Há o dever de respeitar
a autoridade legitimamente constituída.
Respeitando o poder podemos discutir
as suas ordens e os seus atos. O poder não está isento de erros e de faltas; e
os cidadãos, que lhe devem respeito, têm o direito de adverti-lo, ajudá-lo na
prosperidade crescente da Pátria. Os cidadãos, de concerto com o poder, são a
salvação nacional.
Lembrem-se, porém, os católicos de
que se a lei é opressiva dos seus direitos e da sua pessoa, espoliadora dos
seus bens, podem tolerá-la, sem esquecer que têm duas coisas a fazer:
Combatê-la tanto quanto possível até ser revogada, ou protestar contra ela, se
não se puder fazer mais nada. E se a lei não é somente injusta e opressiva, mas
imoral e irreligiosa, se manda o que é mal ou impede um bem a que a consciência
obriga, então a resistência não é somente um direito, mas um dever, visto que a
lei humana é contrária à lei divina; «está primeiro obedecer a Deus do que aos
homens».
Os cidadãos devem respeitar o poder,
qualquer que seja a sua forma. Todo o homem designado ou pelo direito de
herança, ou pelo direito de eleição, ou pelo direito de conquista, possui, em
virtude desta designação a investidura divina que lhe dá o direito de governar,
dirigir e conduzir o barco da governação pública. Nada importa a forma regular
do poder, porque a sua forma, que é humana, não altera a sua essência que é
divina.
2. — Serviço
Há quatro espécies de serviços que
devemos à nossa Pátria: o serviço tributário, o serviço militar, o serviço
cívico e o serviço cristão.
1.— O serviço tributário
O serviço da Pátria exige em
primeiro lugar o tributo ou imposto do dinheiro. — Bossuet define admiravelmente
este imposto dizendo que «não é outra coisa senão uma pequena parcela dos seus
bens que se paga ao chefe do Estado para lhe dar meios de salvar o resto».
Necessidade deste imposto. — Um povo
tem necessidades públicas que se devem remediar sob pena de arruinar e perder
os particulares. Uma Pátria precisa que a segurança nacional seja protegida
pelas armas, que a justiça seja administrada por funcionários e magistrados,
que a agricultura, o comércio e a indústria sejam desenvolvidos, que as letras,
ciências, artes, moral e religião sejam favorecidas. Para isto é preciso
dinheiro. Precisa que a ordem reine no interior, que a bandeira flutue
respeitada, na fronteira, que a prosperidade do país irradie no estrangeiro.
Ora isto não se pode fazer sem dinheiro.
Sem dinheiro não se podem manter o
exército e a armada, exigir tribunais, construir templos, escolas e
universidades, civilizar as colônias para engrandecerem e enriquecerem a
metrópole. Onde é que a Pátria pode ir buscar o dinheiro senão à bolsa daqueles
que compõem a coletividade social? A Pátria tem direito a exigir o imposto de
dinheiro e os cidadãos o dever de o pagar.
Jesus Cristo, pela Sua palavra e
pelo Seu exemplo, ensina-nos que devemos cumprir esse dever.
Os fariseus estavam convencidos de
que não devia pagar o tributo a César, sob pretexto de que o povo de Deus não
devia pagar o tributo a um príncipe infiel. Consultam Jesus Cristo. E este
disse-lhes: Deixai-me cá ver essa moeda de quem é a imagem e a inscrição
gravada nela? De César, responderam eles. «Pois bem dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus». Não vos deveis servir do pretexto da religião
para não pagar o tributo. Deus tem Seus direitos separados dos do príncipe.
Obedecei a César. A moeda de que vos servis comércio é de César, e ele é
soberano; deve reconhecer a sua soberania pagando o tributo que ele impõe.
Jesus dá o exemplo no cumprimento deste dever.
Todo o Judeu, rico ou pobre, devia
pagar o imposto dois dracmas. Um dia um dos coletores de impostos perguntou a São Pedro «O vosso Mestre não paga o nosso imposto?» paga, respondeu friamente São
Pedro. Jesus tinha ouvido tudo. Então se aproximando de São Pedro pergunta-lhe:
— Que te parece Simão; de quem é que os reis da terra recebem o tributo ou o
censo? Dos filhos ou dos estranhos? Dos
estranhos, respondeu Pedro. Assim, observa Jesus, os filhos estão isentos
disso. Todavia, para não escandalizar esta gente que dirá que eu quero pôr-me
acima das leis ou ter privilégios, e, também, para que o meu exemplo não seja
invocado pelos meus para se desembaraçarem das obrigações religiosas ou
sociais, desce para o lago e lança o anzol, e ao primeiro peixe, que tu tirares,
abre-lhe a boca e encontrarás lá uma moeda, toma-a e dá a por mim e por ti. (Mat.
XV11, 24, 27). São Paulo fala como o seu Mestre. «Dai aos príncipes o que deveis;
o imposto a quem é devido o imposto».
2. — Serviço militar
O serviço da Pátria exige um segundo
imposto, o imposto do sangue ou da dedicação.
1.º Imposto do sangue. — «Quando uma
nação é lesada nos seus direitos, diz Mgr. Gibier, e não pode obter por meios
pacíficos as reparações que lhe são devidas, é obrigada a recorrer à força. Sim,
quando vê ultrajar o seu representante, insultar a sua bandeira, violar as suas
fronteiras, ela obriga a pegar em armas para sua defesa e a ir para os campos
de batalha, e aí derramar o sangue até à última gota, se necessário for.
Aprendamos a lição de heroísmo dada pelo divino Mestre: «Não temais aqueles que
podem tirar a vida do corpo, temei antes aqueles que podem matar a alma e
lançá-la no inferno».
Para nosso brio nacional convém
notar que não há nunca necessidade de exortar o soldado português a dar a vida
pela sua Pátria. Ele não é avarento da sua vida, dá-a generosa e heroicamente e
daria mesmo mil vidas pela sua Pátria. E esta, reconhecida, eterniza a sua gratidão para com
Aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da morte
libertando.
A avareza que é preciso combater, é
a avareza daqueles que recusam dar o mais precioso dos bens: a vida. Muitos não
querem filho: ou não querem senão um pequeno número de filhos. Esses têm a
maldição de Deus e da Pátria; são os seus coveiros. As sepultura; da Pátria não
estão nos campos de batalha nem nos cemitérios, estão nos berços. Uma nação
arruína-se e perde-se não por aqueles que morrem, mas por aqueles que não
nascem.
Uma nação só pode viver e
desenvolver-se desde que as famílias se proponham a dar-lhe cidadãos. Cada uma
das famílias assim constituída é um baluarte da Pátria. Eis
o cântico do lar verdadeiramente cristão e patriótico:
— Filhinhos?... É Deus que faz
A conta de cada lar...
Criá-los?... Quem faz a conta
Também nos há-de ajudar.
A
Pátria não tem recompensa condigna para os pais e mães que não contam os
filhos, só Deus os pode recompensar devidamente.
2.º Imposto de dedicação. — O
imposto do sangue pode ser substituído por sacrifícios equivalentes, por
serviços permanentes prestados à nação em certas profissões e carreiras
importantes e necessárias.
Atrás do soldado que faz face ao
inimigo, diz ainda Mgr. Gibier, é útil e necessário que haja o operário que lhe
assegure munições; o agricultor nos campos que lhe prepare o pão; o professor e
o sacerdote que velem pelos seus filhos, instruindo-os e educando-os.
Aqui convém notar que o imposto do
sangue o clero o paga, à sua maneira, mais largamente que qualquer outra
corporação social.
Quando os flagelos devastam as
cidades e as aldeias de Portugal, os sacerdotes não são os primeiros a
comparecer para prestar socorros espirituais e corporais? No tempo de guerra, o
sacerdote não aparece nos campos de batalha, como capelão, servita, enfermeiro,
curando chagas, enxugando lágrimas, ajudando na grande batalha da conquista da
pátria do Céu e recebendo a última vontade daqueles que expiram? De que valeria
pôr-lhe uma arma na mão? Como o médico e farmacêutico, tem outras coisas a
fazer.
De que valeria arrancar o seu sangue
de um só golpe se ele mesmo o derrama gota a gota, quer pelas necessidades do
exército no horror do combate, quer pelas necessidades das almas, no trabalho
constante da paróquia, no interior do país, ou das missões nas colônias — dilatando
a Fé e o Império.
A fé serve de alavanca a todas as
conquistas, a todas as descobertas e a todas as glórias portuguesas.
A sua vida é urdida de sacrifícios.
E se, vendo-o extenuado, lhe dissermos com ar de compaixão: Ai! o senhor padre
esgota-se; ele responde destemidamente: O padre que não se esgota para que
serve?!
Bendita organização! «Por toda a
parte se rasteia o talento dos seus doutores, o esforço dos seus apóstolos, o
fervor dos seus heróis, o zelo dos seus santos e o sangue dos seus mártires».
3. — Serviço cívico
Depois do serviço militar todo o
cidadão deve à sua Pátria o serviço cívico. Este é o concurso ativo que o
cidadão é obrigado a prestar ao governo do seu país para a manutenção da paz,
para a expansão da influência nacional, para a salvaguarda das liberdades. Não
é um dever facultativo que se pode omitir sem grande dano; é uma obrigação
rigorosa cujo abandono conduz, mais cedo ou mais tarde, a agitações profundas.
O eleitor. — O cidadão tem o dever
de sufrágio ou do voto. É uma obrigação moral votar e votar bem.
O cidadão, como eleitor, deve
conhecer os seus deveres. Vejamos algumas regras gerais a seguir:
1. ° Pôr o bem comum acima do
interesse próprio ou de um partido;
2. ° Pôr o interesse moral acima do
interesse material;
3. ° Pôr a lei de Deus acima da lei
dos homens.
Enfim, acima de tudo está a
recomendação do Divino Mestre: «Procurai primeiro o reino de Deus e a sua
justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo». A abstenção do cumprimento
deste dever, por indiferença, negligência, pusilanimidade, é uma falta grave
diante de Deus e diante dos homens. Muitos raciocinam deste modo: Eu não sou
senão uma pequena gota de água; em que é que o Oceano tem necessidade de mim? O
Oceano responder-vos-á que não é composto senão de gotas. É necessário o
sufrágio individual de cada um para formar o sufrágio coletivo.
Assim a nossa palavra tem peso nos
negócios públicos, a nossa influência é real e benéfica.
Convém notar que tanto o bem como o
mal não se faz senão pela associação de forças.
O eleitor. — O dever que obriga a dar
o voto como eleitor, obriga a não recusar o mandato, qualquer que ele seja, que
é oferecido como elegível e conferido como eleito. Aceitá-lo, é contribuir para
o triunfo da verdade e da justiça, e recusá-lo é dar livre curso à mentira e iniquidade.
O eleito deve cumprir as funções inerentes ao seu cargo, com «dedicação, zelo e
acendrado patriotismo».
4. — Serviço cristão
Devemos servir a Pátria pela prática
pessoal do dever cristão.
1.º Bom exemplo. — Um dos melhores
meios de servir a Pátria e de fazer com que os outros a sirvam, é servir a Deus
cumprindo a sua Lei.
Mercê de uma revolução estamos num
Estado Novo. O Estado é Novo mas os homens, em grande maioria, continuam a ser
velhos. Merecem a exortação do Apóstolo das gentes: «despojai-vos do homem velho
e revesti-vos do homem novo». Há ainda uma revolução a fazer: a conversão e
perfeição de cada um de nós.
É um absurdo que o todo seja bom,
sendo más as suas partes componentes. E um erro fundamental do espírito
moderno, dizia um ilustre professor, fundar a cidade de Deus sobre os sete pecados
capitais. Tenhamos uma vida honesta, virtuosa, como convém a homens e a cristãos,
a bem da nação.
2.º Oração. — Não basta dar à Pátria
o nosso dinheiro, o nosso sangue, a nossa dedicação e bom exemplo; é preciso oferecer-lhe
as nossas orações para lhe assegurar a assistência divina. Deus é o Autor,
Senhor e Conservador das Nações. É Ele, diz Mgr. Gibier, que fere e que cura,
que perde e ressuscita, que conduz as nações às portas da morte ou às alturas
da vida e da prosperidade. Sem Deus não construímos senão sobre ruínas; os
direitos não têm base, os deveres não têm sansão, os sacrifícios não têm
proveito, as revoluções não têm freio e as catástrofes não têm remédio. Só Deus
é que pode fazer com que um povo subsista, de pé, no meio das causas de destruição
que o ameaçam de dentro e de fora.
Como no mar de Tiberíades, Jesus
está no meio de nós, como amigo e protetor.
Ao grito da nossa fé, Ele despertará
e haverá sempre grande calma: «Calma da verdade reconquistada, da virtude
restaurada, da ordem pública assegurada, do reino de Deus estabelecido nas
almas, da vitória, enfim, sobre os inimigos de Deus e da Pátria».
Portugal, como nação, tem orado
sempre a pedir todas as bênçãos de ordem temporal e espiritual.
E Portugal tem sido bafejado,
acalentado e abençoado por Deus, como canta o poeta:
Esta grande nação que n'Ele cria
Em todos os perigos protegia
Cultivemos a virtude do patriotismo.
Não do patriotismo pagão que tem ensanguentado o mundo, mas do patriotismo
cristão, que enche de bênçãos a vida e a história dos povos, amando-nos uns aos
outros.
— Jesus, Rei Divino, reinai em
Portugal que em Vós confia.
— Jesus, Rei do Amor, por Maria
Imaculada, salvai Portugal que em Vós confia.