Todo o cristão, em virtude do próprio ato de sua regeneração espiritual, adquire um senso novo. É o senso da verdade, de que fala o Apostolo São João: “dedit nobis sensum ut cognoscamus verum Deum” (São João V, 20). Este dom sobrenatural nos é concedido para conhecer o verdadeiro Deus: conhecimento que é o principio de todas as outras ciências.
Deus é luz; Deus é verdade. Ora, não é pelos nossos órgãos externos que nos podemos pôr em contato com o Ser imortal, que está acima de todas as formas deste mundo. A nossa razão tem limites muito estreitos para concebê-lo e o nosso pensamento, um alcance muito fraco para se elevar até ao trono da Majestade sublime. Também, para se fazer amar e conhecer, o próprio Deus abriu no fundo de nossa alma uma capacidade nova, faculdade sobrenatural que comunica com a luz suprema e percebe os aspectos da verdade revelada.
É como um novo sentido de que não é fácil definir as operações. Tão difícil é fazer que o compreendam os homens que deles são privados, como fazer compreender aos cegos o uso da vista e aos surdos o uso do ouvido. Basta saber que este eminente sentido em seu misterioso exercício encerra as aptidões de todos os outros sentidos; isto é, participa de algum modo, mas em grau superior, das qualidades do ouvido, da vista, do gosto, do tato e do olfato.
Com efeito, a fé do cristão, nutrida pela divina palavra e desenvolvida pelas obras, não é uma fé superficial e vaga, mas implica uma inabalável certeza e esta certeza provém menos das demonstrações exteriores do que do acordo dos ensinamentos sagrados com o senso intimo da verdade. “Aquele que crê no Filho de Deus possui em si mesmo o testemunho de Deus” (I. João. V. 10.)
Sim, há na alma regenerada um ouvido que escuta e instintivamente absorve a verdade, um olho que vê e reflete simpaticamente a luz, um gosto que saboreia com delicia as divinas virtudes, um tato que se dirige espontaneamente para o bem e que repele o mal e um olfato espiritual que aspira o perfume da piedade e o bom odor do Evangelho. Todos estes modos de percepção residem em um só órgão, que é o órgão do sentido cristão.
Ainda mais: a estas diferentes aptidões acresce um critério pronto e seguro que domina as sensações do verdadeiro, do justo e do belo; de sorte que, por um movimento espontâneo, a alma discerne os espíritos, e admite o que é conforme a verdade e rejeita o que é falso, distingue a luz das trevas, separa o trigo do joio e submetida sempre à autoridade da Igreja, se conserva integra e incólume na fé.
A primeira condição do desenvolvimento de uma tão admirável faculdade é um coração puro e limpo: “Bem aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus!” A pureza de coração reside principalmente na boa vontade, que se aplica a Deus sem vacilações e que não sofre a ação dos prismas deste mundo. Por isso é que se encontra este sentido bem mais afinado em certas almas humildes que vivem na simplicidade da fé, do que entre os doutores e os sábios. “A alma de um homem santo – diz o Eclesiástico – descobre melhor a verdade, do que sete sentinelas do alto de uma torre que observam o que se passa” (Eccli. XXVII, 18).
Quantas vezes, realmente, se nota entre os espíritos menos cultos uma admirável intuição das coisas divinas e humanas e esse critério seguro que na linguagem vulgar se chama bom senso! E o que é mais raro hoje em dia é precisamente o bom senso. Procuram-se, em geral, por meio de longos e complicados rodeios, soluções que saltariam aos olhos com evidencia, se com mais simplicidade e justeza fossem procuradas.
O obscurecimento do coração nos faz muitas vezes perder a justeza do ponto de vista. Outras coisas contribuem para enfraquecer o senso cristão, que é como um olho delicado que se fecha subitamente ao menor átomo de poeira e que não se alia com as impressões dos sentidos corporais. Este senso adquire uma perfeição tanto mais alta, quanto mais puro e extremo é ele e quanto mais se eleva acima do que é sensível e material.
Tão exato é isto que, para melhor escutar a voz divina que fala à nossa consciência, se cerra o ouvido exterior e para melhor contemplar as coisas do espírito, se cerram os olhos da carne.
É o rumo do mundo, é o atrativo das opiniões vulgares, é o habito de admitir sem exame e de repetir sem reflexão os pensamentos dos outros; é sobretudo a influência dos interesses, dos preconceitos, das paixões e das considerações humanas que ocasionam de ordinário a alteração do senso cristão.
O que é preciso fazer para corrigi-lo quando ele se embota e para esclarecê-lo quando ele se turva? Pouca coisa. Trata-se menos de fazer do que de desfazer. Não é nunca o sol que se escurece, são os nevoeiros da terra que o ocultam a nossos olhos. Voltar à simplicidade da fé e receber a palavra da Igreja em um coração humilde, sem deixar ai se embeberem as tintas cambiantes da imaginação; aceitar a doutrina da salvação com as suas conseqüências práticas sem se curvar às interpretações de uma razão presunçosa: eis ai o que torna o cristão capaz de atrair a luz do céu. E, sob a ação desta luz, o senso íntimo se abre, se apura, se retifica e percebe claramente as coisas da ordem divina.
Será preciso dizer o quanto este senso é necessário às mães cristãs? Onde pois se deveria ir buscar um bom conselho, senão no coração de uma mãe? As mulheres insignes, de que a história guardou os nomes abençoados, eram verdadeiros oráculos em suas famílias, na sociedade e até às vezes na Igreja. Mesmo a vários reis e pontífices aprouve consultá-las. Que distinguia estas grandes almas? Não era a ciência, nem os talentos, nem a experiência dos negócios públicos; elas viviam ao contrário, humildes e obscuras. O traço saliente que as recomendava ao respeito e à confiança de todos era o seu senso cristão. Transformadas pela contemplação divina, elas brilhavam como focos luminosos, como espelhos puros da verdade, como vivas imagens do Deus de que refletiam as virtudes e os esplendores. Feliz o jovem, feliz o filho que encontra esta inapreciável vantagem no seio da sua própria família! Felizes os que em seu lar materno acham sempre uma luz a arder na lâmpada sagrada.