A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
QUINTO MANDAMENTO DA IGREJA
de Dezembro de 1940
Vamos
examinar hoje o 5.° Mandamento da Igreja, que assim vem enunciado em nossos catecismos:
“Pagar dízimos segundo o costume”. Outros compêndios acrescentam — pagar
dízimos e primícias. Trata-se, como é claro, do auxílio ao culto divino,
incluídos os sacerdotes que o exercem em benefício dos fiéis.
Vejamos
os fundamentos deste preceito. Somos criaturas de Deus, de quem recebemos tudo
quanto somos ou possuímos. É justo, portanto, que demos a Deus uma parcela do
que temos. Provamos assim que reconhecemos o domínio do Senhor, aderindo à
eloquente expressão do Profeta Rei David quando cantou: “De Deus é a terra e
quanto nela se contém; o orbe da terra e todos os que nele habitam” (SI 23, 1).
Deve
o homem contribuir à medida de suas forças, para que o Senhor seja
condignamente louvado, glorificado por um culto a que não falte o esplendor
devido à majestade do supremo Rei Universo.
Naquele
memorável banquete em que Simão reuniu em torno à sua mesa os seus amigos, e
para o qual convidou também Jesus, quando Maria Madalena, entrando de
improviso, curvou-se aos pés do Mestre, ungindo-os com precioso bálsamo, Judas
Iscariotes logo protestou. — “Para que este desperdício?... Seria melhor ter
vendido o bálsamo, dando-se o dinheiro aos pobres”. — Ao que imediatamente
respondeu Jesus, aprovando o gesto da pecadora arrependida, louvando a
homenagem que havia escandalizado o traidor (Mt 26, 6-13).
Através
dos tempos ouve-se a voz dos que protestam contra o esplendor dos templos e o
brilho do culto externo; e aos verdadeiros crentes soa também com a mesma
autoridade e a mesma eloquência a palavra de Jesus, que, sem dúvida, recebe as
fervorosas homenagens de seus filhos e os recompensará na glória do seu reino.
Os hereges,
os cismáticos, os incrédulos, em suma, todos os inimigos da Igreja e até, às
vezes, seus próprios filhos, têm exprobrado a magnificência dos seus templos, a
pompa das suas cerimônias, a riqueza dos seus ornamentos, e finalmente o luxo
de que ele cerca os seus altares. E sempre o mesmo protesto: De que serve esta
profusão? Não era melhor fundar asilos, dar esmolas aos pobres? — Raciocinemos,
porém. Esta censura infundada. Os reis,
os presidentes da República, inúmeros personagens das altas esferas governamentais,
habitam à custa da nação que deste modo lhes reconhece os serviços que prestam
em seus postos, habitam palácios magníficos, que de nenhum modo se comparam
com as residências comuns dos outros mortais, nem quanto ao conforto, nem
quanto à arte com que são feitos e ornados. Em certas ocasiões mais solenes, —
recepções oficiais, aniversários, acontecimentos felizes, — tais palácios
ostentam esplendoroso luxo. Ninguém entretanto condena todo esse aparato,
intimamente ligado ao prestígio da próprio autoridade. Ninguém jamais pensou em
cortar essas verbas, em suprimir essas homenagens — jantares, recepções,
espetáculos de gala... sob pretexto de que os pobres é que devem ser
aquinhoados com todo o dinheiro reservado à representação da autoridade.
Para
um homem de fé ardente, para um católico que sabe honrar esse glorioso título,
o templo é o palácio do Rei dos reis. Jesus Cristo está realmente presente na
divina Eucaristia, vivo, todo inteiro, em corpo, sangue, alma e divindade, no sacrário
dos nossos templos. Esse tabernáculo, portanto, deve ser ornado, sempre que for
possível, como todo esplendor ao alcance dos que vão frequentemente adorá-lo. —
Nas ermidas campestres, nas igrejinhas das aldeias, seja o altar ornado com as
perfumadas flores do campo: a açucena, toda branca, rescendendo um aroma
penetrante, a rosa silvestre, a acácia cor de ouro... Parece-me estar vendo, na
aurora do meu sacerdócio... há tantos anos... aquelas igrejas de que eu tenho uma
saudade imensa, — enfeitadas com tanto carinho pelos nossos roceiros, tão
simples e tão bons!
As
festas de Nossa Senhora da Conceição e do Natal, o presépio... que maravilha de
simplicidade e devoção! — Nos grandes centros, façam-se de mármore os altares.
Ornem-se os sacrários de bronze, de prata e até de ouro! Seja de ouro, e, se possível,
ornado de verdadeiras pedras preciosas, o ostensório em que se expõe a Hóstia
consagrada. Sejam ricos, preciosos, artísticos os ornamentos; por que não? Não
é tudo em homenagem ao Rei dos reis?
Os
pobres terão, como até hoje têm tido, a sua parte, e ordinariamente com
bastante generosidade. E se levantardes uma estatística leal, sincera, vereis
que a Igreja em tempo algum se esqueceu dos pobres. Em todo o território
brasileiro, o catolicismo não teme concorrência em matéria de caridade.
Quanto
ao que o sacerdote recebe dos fiéis, para sua sustentação, nada mais de acordo
com a própria Escritura Sagrada. Lede o versículo 13, da Epístola primeira de
São Paulo aos Coríntios, capítulo 9.°: “Não sabeis que os que trabalham no
Santuário comem do que é do Santuário; e que os que servem ao altar, participam
do altar?”
Assim as espórtulas
ou retribuições que recebemos dos fiéis, para manutenção da nossa vida, em virtude
de vivermos servindo a nossos irmãos e dedicando-nos inteiramente ao serviço de
Deus, em benefício desses mesmos irmãos, essas retribuições substituíram os dízimos,
que era a décima parte da colheita ou da renda dos fiéis; e as primícias que
eram os primeiros frutos produzidos no seu campo. Substituem também as côngruas
que em países, como o nosso, o governo dava ao clero e já não dá.
E
se o ministro do altar, por desgraça, se deixa dominar pela avareza e chega a
extorquir dos fiéis o que não deve nem pode, e assim enriquece, acumula a sua
própria condenação, diante de Deus e diante dos homens.
Judas
foi o primeiro sacerdote avarento... Livre-nos Deus de tão grande degradação e
dê aos seus sacerdotes a compreensão exata dos próprios deveres e um acendrado
amor à causa pela qual daremos o nosso sangue, a nossa vida se preciso for!