quarta-feira, 1 de maio de 2013

Unidade da Igreja

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.

A Igreja e seus mandamentos
por
Monsenhor Henrique Magalhães
Editora Vozes, 1946
Unidade da Igreja (a)
18 de Setembro de 1945

            Comecemos hoje o nosso breve estudo sobre as notas da Igreja.
        Segundo o símbolo de Constantinopla, são quatro. Nele se professa: creio na Igreja — una, santa, católica e apostólica.
            Vejamos, pois, a primeira nota: unidade.

            Ninguém nega que é necessária a unidade, ou que os cristãos devam permanecer unidos por um certo vínculo; por isso que adoram o mesmo Deus. Nem todos, entretanto, estão de acordo quanto à natureza de tal vínculo. Há os que opinam por um laço apenas espiritual, querendo outros que seja também externo ou social. Segundo a maioria dos protestantes, a unidade necessária entre cristãos consiste na união com Cristo, pela fé, esperança e caridade; em crer as mesmas verdades fundamentais necessárias à salvação; na obediência ao mesmo Pastor que é Jesus Cristo; em adorar o mesmo Deus. Eis o que os (protestantes) chamam a unidade de doutrina, de organização e de culto.
            Esta mesma unidade exigem-na os gregos cismáticos, com alguma diferença todavia. Segundo estes, os membros da Igreja unem-se pela fé, pela lei de Deus, pela hierarquia e pelos sacramentos. Afirmam ainda que esta união persevera, apesar das divisões das várias Igrejas — constantinopolitana, russa, antioquena, etc. — porque uma é a cabeça — o Cristo — e um o Espírito.
            Para nós, católicos, a Igreja é una, não só pela unidade interior e espiritual, mas também pela unidade externa e visível — da fé, do culto e do regime, enquanto todos os seus membros estão sujeitos a uma e mesma autoridade docente e dirigente, cujo chefe supremo é o Papa, sucessor de Pedro, assim como os Bispos são sucessores dos apóstolos.
         Vamos às provas. 1.° — As figuras empregadas por Jesus para indicar a Sua Igreja, todas muito expressivas, dão idéia de uma unidade não só espiritual ou intensa, mas visível: edifício construído sobre pedra, reino, cidade, rebanho, aprisco. - E a idéia de separação é repelida, pois, como afirma o Mestre, todo reino desagregado será destruído. 2.° — Há sobre o caso, declarações explícitas do Cristo: “Pai, que todos sejam um, assim como vós e eu somos um” (trecho daquela belíssima a locução depois da ceia). — No capítulo 10.° do Evangelho de São João, lemos: “Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; é necessário via chamá-las e que elas ouçam a minha voz, para que haja um só aprisco e um só Pastor”.
            Os apóstolos seguem a mesma orientação, sem discrepância. São Paulo se aflige ao saber que entre cristãos há discórdias e treme ao pensar na possibilidade de cismas, de divisões, de separações. Ouçamo-lo dirigindo-se aos coríntios, no capítulo 1.° de sua primeira epístola: “Suplico-vos, irmãos, «em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que todos digais a mesma coisa e que não haja entre vós dissenções...” — Contrista-se com certas discórdias doutrinais, manifestadas em casa de um daqueles amados cristãos. E exclama: “Então? Cristo está dividido?” — Já vos citei um texto do mesmo São Paulo, aos gálatas, no qual se vê a importância que então se dava à unidade da doutrina: “Ainda que nós ou mesmo um anjo do céu anuncie um evangelho diferente do que vos temos anunciado, seja anátema”. — É o anátema fulminado contra os inovadores.
            Logo — pelas figuras bíblicas, pelas palavras do Cristo, pelas expressões dos apóstolos, a Igreja é uma. Continuaremos amanhã.

Unidade da Igreja (b)
19 de Setembro de 1945

            A Igreja é uma. É o que vemos no ensino dos antigos Mestres, chamados os Santos Padres. Tertuliano, gênio vigoroso que iluminou a África e se irradiou pelo mundo, em seu tratado De praescriptionibus — diz: “Se o Senhor Jesus Cristo mandou apóstolos para pregar, só devem ser recebidos e aceitos os pregadores que o Cristo mandou, e que estão à frente das cristandades que os mesmos apóstolos foram instituindo”.[1] — É o meio de manter a unidade perfeita.
         Clemente de Alexandria e Orígenes ensinavam a mesma doutrina. E Orígenes é o autor do célebre axioma: “Extra ecclesiam, nemo salvatur” — “Fora da Igreja, ninguém se salva”.[2]
           São Cipriano em seu tratado da “Unidade da Igreja”, no parágrafo 23, expõe a matéria claramente: “Há um Deus, há um Cristo e uma Igreja sua, um povo seu, unido pelos laços da concórdia, formando um só todo. Não se pode impunemente quebrar esta unidade, como não podem os membros de um corpo separar-se”. — Na epístola 70, lemos: “Cristo Senhor fundou a Igreja sobre a Pedra — eis a razão e a origem de sua unidade”. — E ainda na epístola 40, parágrafo 15: “Não se pode constituir outro altar nem outro sacerdócio — além do único altar e do único sacerdócio já existentes”.
           Tiveram o mesmo pensar e se exprimiram do mesmo modo Agostinho, Jerônimo, Crisóstomo e vários outros. Seria insensato pôr em dúvida o valor de tão brilhantes e idôneos testemunhos. — Cismas e heresias foram aparecendo. Entretanto a autoridade suprema da Igreja, sempre vigilante, sempre enérgica, foi logo condenando tais aberrações, cortando os ramos contaminados pelo vírus do mal, a fim de manter sempre perfeita a unidade da árvore.
        Toda separação do Romano Pontífice, toda separação da Igreja Romana sempre foi conside­rada herética, cismática — e sempre contra o espírito de Jesus Cristo e dos apóstolos.
            Já vos disse que essa designação Igreja Romana — é e sempre foi aplicada à Igreja Católica, à nossa Igreja. E é comum ouvir dos nossos inimigos esta expressão — Igreja Romana ou católico romano — que nada tem de ofensiva, pois corresponde às mais antigas tradições.
            A própria razão nos convence de que é ne­cessária a unidade da fé e do regime. Prova-se: 1.° se Jesus veio do céu para dar aos homens um corpo completo de doutrina, ninguém, em uso e gozo de suas faculdades mentais, pode conceber que sejam agradáveis ao Cristo dissensões e divisões entre seus discípulos, a respeito das mesmas coisas que ele lhes propôs para crer e praticar. 2.° Como se podem conciliar com o espírito de caridade e de união do cristianismo — as heresias e os cismas? Poderá, porventura, agradar a Deus e a Jesus Cristo uma Igreja fragmentada em várias seitas, negando umas o que as outras afirmam como certo? 3.° Assim como a união é o princípio da força e da fecundidade, assim a divisão é causa de fraqueza e de esterilidade; e nada escandaliza mais os fiéis e os estranhos, do que a discórdia no meio dos cristãos. — Por isso mesmo Jesus Cristo, que sempre deseja o bem da Igreja que Ele fundou por nosso amor e para o nosso bem, pediu ao Pai, em a noite sagrada da instituição da Eucaristia: “Pai, que eles sejam um, assim como vós e eu somos um”.

Notas
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[1] C. 21. 
[2] Apud Tanquerey, o. c.