quarta-feira, 1 de maio de 2013

Duplo laço da Religião

Fonte: Mãe Cristã


A religião, na sua acepção geral, é o laço que nos liga a Deus: o fim sublime dela é a união. Ora, esta união inefável se realiza por duas vias simultâneas e se consolida por um duplo laço. De um lado, Deus se inclina para o homem; e de outro lado, o homem se eleva para Deus. Pela comunhão, Deus Se dá ao homem; pela submissão o homem se dá a Deus.


Estes dois atos se completam um ao outro. 

Sem a submissão do homem a Deus, a comunhão seria infrutífera; sem a comunhão que faz viver Deus no homem, a submissão seria insuficiente. A união perfeita não é possível, senão quando a alma cristã vive da vida de Deus e obedece a sua Divina Vontade.

Comungásseis embora todos os dias, a união não se estabeleceria se não praticásseis também uma humilde submissão a Vontade de Deus. Não se atende a esta prática essencial; e por isso muitas comunhões ficam sem efeito.

Sim, se a virtude é fraca, de nada adianta comunhões freqüentes; se os bons desejos desaparecem, se a piedade esmorece e definha e se a vida cristã muitas vezes não é mais do que um curso monótono em um círculo sem saída, cumpre reconhecer que é porque a nossa vontade não comunica com a de Deus. Eis ai por que muitas almas ficam distanciadas de Deus, praticando embora atos que deveriam ao contrário uni-las inseparavelmente a seu Amor. Oferecemos-Lhe as nossas obras, os nosso pensamentos e pesares; mas reservamos, para nós somente, a posse e a disposição da nossa vontade; queremos nos conservar, enfim, senhores de nós mesmos.

As nossas oferendas, então, não passam de piedosas ilusões. O dom supõe necessariamente o abandono, pois que não se pode ao mesmo tempo dar e reter. Para nos darmos a Deus realmente, é preciso que nos abandonemos a Ele. Este abandono se realiza pela obediência.

Também a condição que Nosso Senhor impõe a quem o quer seguir, é a abnegação da vontade própria.

Compreende-se que nas celestes harmonias, de que a música terrestre não é mais do que o eco imperfeito, não possa existir senão uma só vontade dominante com a qual todas as outras devam concordar. Nenhuma vontade entrará neste imenso concerto, se não se despojar, cá na terra, do egoísmo da sua própria vitalidade.

Daí as vantagens de um vida de subordinação na esfera em que a Providência nos colocou: o amor de Deus torna amável essa vida. A obediência cristã impede muitos enganos, embaraços e dúvidas, deixando-nos calmos e confiantes no meio de todas as vicissitudes. Submetidos a direção providencial e abandonando a Deus o cuidado dos nossos interesses, experimentamos com São Paulo que tudo se torna em bem para aqueles que amam o Senhor; e então as adversidades como a boa fortuna nos encontram em uma disposição constantemente igual e tranquila.

O Senhor, que é o nosso modelo, dá-nos o exemplo desta humilde dependência. A Sua entrada no mundo, Ele declara que vem cumprir a vontade de seu Pai: e, a Sua saída, Ele exprime o mesmo sentimento: “Seja feita a vossa vontade, e não a minha!” Os trinta anos da Sua vida privada se resumem nestas palavras: “Erat subditus illis. Ele estava submetido” a São José e a Sua Mãe e não rejeita a lei senão na memorável circunstância em que deseja mostrar para a almas chamadas ao serviço de Deus a lei mais alta de uma submissão sobrenatural.

Nesse caso, a obediência a Deus prevalece sobre a obediência que se deve aos pais e as mães.
Deus falou, e então a voz do céu domina a voz da terra e a Graça sobrepuja a carne e o sangue.

“Por que me procurais vós?” – dizia o menino Jesus a Seus pais – “não sabeis que tenho de estar ao serviço de meu Pai?” Grande exemplo que determina com clareza o limite onde pára a obediência do filho e onde começa a submissão do cristão.

Na Sua vida íntima como na Sua vida social e na Sua vida evangélica, o divino Salvador não cessa jamais de obedecer. Ele se submete ao poder dos magistrados, do mesmo modo que a autoridade dos pontífices. E toda a história da sua carreira terrestre se resume neste texto sagrado: “Ele se fez obediente até a morte”.

A Santa Virgem, por Sua vez, este tipo incomparável de todas as virtudes, oferece para nós a mesma obediência, também para que imitemos. A Sua vida inteira se exala nesta palavra: Fiat! “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua vontade”. É pela Sua adesão renovada a todos os momentos e em todas as circunstâncias, que Ela se corresponde com o Divino Amor e a Ele se conserva para sempre unida. 

Estas grandes lições interessam mais particularmente às mães cristãs.

Há quem pense exercer os atos de uma devoção fervente por meio de contínuas comunhões, sem tratar de se unir mais intimamente a Jesus Cristo pela prática da submissão. É uma piedade insuficiente. Marcha-se, mas sem fazer progresso! E bem feliz será quem por esta forma não recuar em vez de avançar! Sempre incertas, vacilantes ou impacientes, vós não vedes os traços d’Aquele que vos diz: Segue-me! Vós o perdeis de vista, porque não estais no caminho em que Ele marcha adiante de vós. Ficais muito atrás ou correis muito adiante, porque seguis as impulsões irregulares do vosso próprio espírito, em lugar de obedecer com simplicidade ao espírito de Deus.

A submissão cristã é fácil e suave. Em vias extraordinárias recebe graças extraordinárias. E embora fosse preciso o Senhor enviar-vos um Anjo do céu, diz S. Francisco de Sales, Ele não deixaria que ficásseis sem luz na via por onde vos chama. No curso ordinário das coisas não se admitem incertezas. É a nossa posição na família, na sociedade e na ordem providencial que põe em relevo a norma de proceder que devemos observar. A mãe de família não está reduzida a procurar a vontade de Deus no vago das teorias. Ela acha no lar doméstico indicações certas e a sua consciência atenta não pode ignorar nenhum dever. Ligada religiosamente a Deus pelo duplo laço da comunhão freqüente e de uma submissão perseverante, ela resiste a todas as provas; e sempre vitoriosa nos seus combates, inabalável na sua confiança, reina em sua casa, cercada dos respeitos do céu e da terra.