A religião, na sua acepção geral, é o laço que nos
liga a Deus: o fim sublime dela é a união. Ora, esta união inefável se realiza
por duas vias simultâneas e se consolida por um duplo laço. De um
lado, Deus se inclina para o homem; e de outro lado, o homem se eleva para
Deus. Pela comunhão, Deus Se dá ao homem; pela submissão o homem se dá a
Deus.
Estes dois atos se completam um ao outro.
Sem a submissão do homem a Deus, a comunhão seria infrutífera; sem a
comunhão que faz viver Deus no homem, a submissão seria insuficiente. A
união perfeita não é possível, senão quando a alma cristã vive da vida de Deus
e obedece a sua Divina Vontade.
Comungásseis embora todos os dias, a união não se
estabeleceria se não praticásseis também uma humilde submissão a
Vontade de Deus. Não se atende a esta prática essencial; e por isso muitas
comunhões ficam sem efeito.
Sim, se a virtude é fraca, de nada adianta comunhões freqüentes; se os bons
desejos desaparecem, se a piedade esmorece e definha e se a vida cristã muitas
vezes não é mais do que um curso monótono em um círculo sem saída, cumpre
reconhecer que é porque a nossa vontade não comunica com a de Deus. Eis
ai por que muitas almas ficam distanciadas de Deus, praticando embora atos que
deveriam ao contrário uni-las inseparavelmente a seu Amor. Oferecemos-Lhe
as nossas obras, os nosso pensamentos e pesares; mas reservamos, para nós
somente, a posse e a disposição da nossa vontade; queremos nos conservar, enfim,
senhores de nós mesmos.
As nossas oferendas, então, não passam de piedosas ilusões. O dom
supõe necessariamente o abandono, pois que não se pode ao mesmo tempo dar e
reter. Para nos
darmos a Deus realmente, é preciso que nos abandonemos a
Ele. Este abandono se realiza pela obediência.
Também a condição que Nosso Senhor impõe a quem o quer seguir, é a abnegação da
vontade própria.
Compreende-se que nas celestes harmonias, de que a música terrestre não é mais
do que o eco imperfeito, não possa existir senão uma só vontade dominante com a
qual todas as outras devam concordar. Nenhuma vontade entrará neste imenso
concerto, se não se despojar, cá na terra, do egoísmo da sua própria
vitalidade.
Daí as vantagens de um vida de subordinação na esfera em que a Providência nos
colocou: o amor de Deus torna amável essa vida. A obediência cristã impede
muitos enganos, embaraços e dúvidas, deixando-nos calmos e
confiantes no meio de todas as vicissitudes. Submetidos a direção providencial
e abandonando a Deus o cuidado dos nossos interesses, experimentamos com São
Paulo que tudo se torna em bem para aqueles que amam o Senhor; e então as
adversidades como a boa fortuna nos encontram em uma disposição constantemente
igual e tranquila.
O Senhor, que é o nosso modelo, dá-nos o exemplo desta humilde dependência. A Sua entrada no mundo, Ele declara que vem cumprir a vontade de seu Pai: e, a Sua saída, Ele exprime o mesmo sentimento: “Seja feita a vossa vontade, e não a
minha!” Os trinta anos da Sua vida privada se resumem nestas palavras: “Erat
subditus illis. Ele estava submetido” a São José e a Sua Mãe e não rejeita a
lei senão na memorável circunstância em que deseja mostrar para a almas
chamadas ao serviço de Deus a lei mais alta de uma submissão sobrenatural.
Nesse caso, a obediência a Deus prevalece sobre a obediência que se deve aos
pais e as mães.
Deus falou, e então a voz do céu domina a voz da terra e a Graça sobrepuja a
carne e o sangue.
“Por que me procurais vós?” – dizia o menino Jesus a Seus pais – “não sabeis
que tenho de estar ao serviço de meu Pai?” Grande exemplo que determina com
clareza o limite onde pára a obediência do filho e onde começa a submissão do
cristão.
Na Sua vida íntima como na Sua vida social e na Sua vida evangélica, o divino
Salvador não cessa jamais de obedecer. Ele se submete ao poder dos magistrados,
do mesmo modo que a autoridade dos pontífices. E toda a história da sua
carreira terrestre se resume neste texto sagrado: “Ele se fez obediente até a
morte”.
A Santa Virgem, por Sua vez, este tipo incomparável de todas as virtudes,
oferece para nós a mesma obediência, também para que imitemos. A Sua vida
inteira se exala nesta palavra: Fiat! “Eu sou a serva do
Senhor, faça-se em mim segundo a Sua vontade”. É pela Sua adesão renovada a todos
os momentos e em todas as circunstâncias, que Ela se corresponde com o Divino
Amor e a Ele se conserva para sempre unida.
Estas grandes lições interessam mais particularmente às mães cristãs.
Há quem pense exercer os atos de uma devoção fervente por meio de contínuas
comunhões, sem tratar de se unir mais intimamente a Jesus Cristo pela prática
da submissão. É uma piedade insuficiente. Marcha-se, mas sem fazer
progresso! E bem feliz será quem por esta forma não recuar em vez de avançar!
Sempre incertas, vacilantes ou impacientes, vós não vedes os traços d’Aquele
que vos diz: Segue-me! Vós o perdeis de vista, porque não estais no
caminho em que Ele marcha adiante de vós. Ficais muito atrás ou correis muito
adiante, porque seguis as impulsões irregulares do vosso próprio espírito, em
lugar de obedecer com simplicidade ao espírito de Deus.
A
submissão cristã é fácil e suave. Em vias extraordinárias recebe graças
extraordinárias. E embora fosse preciso o Senhor enviar-vos um Anjo do céu, diz
S. Francisco de Sales, Ele não deixaria que ficásseis sem luz na via por onde
vos chama. No curso ordinário das coisas não se admitem incertezas. É a
nossa posição na família, na sociedade e na ordem providencial que põe em
relevo a norma de proceder que devemos observar. A mãe de família não está
reduzida a procurar a vontade de Deus no vago das teorias. Ela acha no lar
doméstico indicações certas e a sua consciência atenta não pode ignorar nenhum
dever. Ligada religiosamente a Deus pelo duplo laço da comunhão freqüente e
de uma submissão perseverante, ela resiste a todas as provas; e sempre
vitoriosa nos seus combates, inabalável na sua confiança, reina em sua
casa, cercada dos respeitos do céu e da terra.