O homem não se alimenta só do pão material: ele come
também o pão da palavra de Deus.
A palavra difunde a substancia daquele que fala; é a irradiação do coração,
do pensamento e de todas as potencias do ser. Eis ai por que o próprio Filho de
Deus é chamado o Verbo. Ele é a viva manifestação do Pai, o esplendor de sua
substância, e o amor, que emana eternamente do eterno Amor, Luz da luz.
O Verbo se fez carne; a Vida divina na carne se manifestou; o Filho de
Deus, incorporado na natureza humana, conversou com os homens; e quando nós o
escutamos, quando sua palavra vivificante se expande em nossos corações, ela
nos transmite a graça e a verdade; nós bebemos a luz e saboreamos a existência
Divina. Receber a palavra de Jesus Cristo e nutrir-se dela, é comungar
espiritualmente, é unir-se a Deus.
Também o eloqüente Bossuet, e antes dele o santo bispo de Hipona,
compara a palavra de Deus à Eucaristia. Insistem ambos sobre as condições em
que é preciso estar para receber o Maná Divino, debaixo destas formas. A
piedade cristã tremeria ao deixar cair na terra as menores partículas do
sacramento Eucarístico. Como se deixam perder com tão culpável imprudência as
migalhas preciosas da palavra de Deus? A palavra, como o sacramento, se compõe
de sinais sensíveis e de um espírito invisível.
Os sinais são o hálito, som e ruído, são as silabas que ressoam sob o
timbre da voz. A substancia é o espírito da vida, o pensamento, a luz e a graça
que jorram da palavra e se comunicam misteriosamente aos que a escutam.
Os sinais se percebem pelos olhos e pelos ouvidos, mas, sem nenhum valor
só por si, toda a vitalidade lhes vem unicamente do espírito a que servem de
veículo. Evidentemente, quando o homem fala de si mesmo ou dos seus interesses,
a sua eloqüência não saberia transmitir senão o pensamento humano. O homem não
é órgão das verdades divinas senão quando Deus o inspira e ele se torna assim
um porta-voz consagrado e autorizado do Espírito de Deus.
É fácil experimentar a diferença profunda que existe entre a palavra do
homem e a palavra de Deus. A primeira nos pode encantar por alguns instantes,
mas não dá nem tranqüilidade à alma nem firmeza ao espírito; pode adormecer a
consciência, mas não a apazigua! Pode excitar o entusiasmo, mas não saberia
inspirar a abnegação nem as virtudes sobrenaturais. Depois de se ter por muito
tempo procurado a verdade nas escolas humanas, chega-se a reconhecer a
insuficiência destas. Ao fervor das investigações e dos debates sucedem o
cansaço e o desânimo; e a prova de que não se tem achado ainda o que se
procurava, é que se continua a procurar sempre e não se achará jamais.
A palavra divina, o que tem de particular é que o coração reto que a põe
em prática encontra nos seus preceitos a solução de todas as dúvidas, o termo
de todas as inquietações e o alimento das aspirações mais sublimes. Pode ele
então exclamar, como o profeta: “Eu recolhi a vossa palavra, ó meu Deus! Dela
me nutri e fiz dela as minhas delícias”.
Com efeito, a palavra humana é impotente para resolver os problemas que
atormentam o espírito dos homens em todas as idades da vida. Não pode ela
desvendar os segredos das coisas futuras nem mitigar as nossas dores,
iluminando as nossas esperanças; como não poderia jamais nos pôr em contato
íntimo com um amor infinito.
A sua ação é superficial e incerta; e nós temos a necessidade de uma
substancia que sacie as aspirações da alma, aclarando-lhe o abismo insondável,
e que dê ao espírito o repouso que ele busca na verdade.
Só a palavra divina satisfaz esta necessidade. Não se trata simplesmente
de reter formulas ou conservar na memória as expressões textuais. Da palavra
divina é preciso recolher a substancia, assimilá-la à nossa alma, digeri-la por
assim dizer pela assídua meditação e sobretudo praticá-la em todos os atos da
nossa vida. É pelos seus frutos que ela prova a sua divina origem. “Aquele que
puser em prática a minha palavra, disse Jesus Cristo, reconhecerá que a minha
doutrina é de Deus”.
O Evangelho caracteriza toda a perfeição da Imaculada Maria por este
testemunho: “Ela guardava a palavra em seu coração e a meditava”.
A exemplo de Maria, habituemo-nos a uma alimentação que santifica a
alma; procuremos o pão da imortalidade. É no isolamento do nosso coração que
agrada a Jesus Cristo vir instruir-nos. Ele se revela de boa vontade àqueles
que o seguem e que docilmente o escutam; mas a sua graça se afasta dos
espíritos presunçosos.
Abramo-nos ao sopro das suas inspirações. Escutemos a voz divina; quer
esta se faça ouvir intimamente em nós mesmos com uma unção misteriosa, quer se
ofereça à nossa meditação nas santas paginas da Escritura, quer desça enfim,
como um orvalho benéfico, do alto do púlpito cristão. Escutemo-la, não somente
para aprender a ciência dos mistérios, mas para fortificar a vida moral,
aperfeiçoar a nossa alma na divina sabedoria e torná-la frutífera no caminho da
santidade. Todos os tesouros do amor, da felicidade e da luz se acham
encerrados na palavra de Jesus Cristo.