O Filho de Deus, descido do céu, ensinou Seus
discípulos a viver sobre a terra como se vive no céu: e resumindo em uma só
palavra toda a lei do celeste reino, disse-lhes: “Eis ai o mandamento novo que
vos dou: amai-vos uns aos outros”.
Na sublime expressão desta lei encontram-se os fundamentos de todos os deveres
da vida futura. É manifesto que ela exclui as causas dos cismas e das
divergências; e se fosse acaso bem compreendida e bem praticada, ver-se-iam
desaparecer da sociedade e do mundo os conflitos irritantes e as guerras
sangrentas. Ela não se limitaria a banir o mal; desenvolveria por toda a parte
o bem, o belo, o verdadeiro e todos os raios benfazejos da caridade evangélica.
Os filhos de Deus, que se amam uns aos outros, evitam o choque dos interesses e
abstêm-se de tudo o que fere, magoa ou aflige o próximo; fazem em atenção a
todos o que cada alma amante faz em atenção a aquele que ela ama; e daí os
obséquios delicados, a assídua cortesia, as solicitudes engenhosas, os
respeitos mútuos e tantos outros testemunhos de honra e de ternura que abundam
nas relações verdadeiramente cristãs.
Mas a lei que rege o amor fraternal não é uma lei temporária; ela deve
subsistir nos séculos dos séculos; isto é, os cristãos, fiéis a este divino
mandamento, que se amam uns aos outros na terra, continuarão a amar-se
eternamente no céu. A morte não rompe o laço sagrado que os une; pois, diz São
Bernardo, quando eles se despojam da corrupção de seus corpos, conservam as
entranhas da misericórdia; e revestindo-se do manto da glória, não se cercam de
um muro de separação e de esquecimento. Os esplendores divinos em que se
embebem não lhes poderiam obscurecer a memória.
Não, as lembranças e as santas afeições, que se vivificam, não se apagam nas
almas que sobem a uma estância melhor. A Igreja é uma família de irmãos.
Aqueles que nos antecedem na Pátria deixam cair sobre nós olhares simpáticos;
são nossos mandatários junto ao Todo-Poderoso, são canais por onde sobe a prece
e por onde desce a graça, e como os fios vibrantes que transmitem e propagam
misteriosas faíscas, as suas comunicações conosco são continuas e instantâneas.
Na lei desta divina caridade encontra-se a explicação das relações que
subsistem, de uma parte, entre nós e as almas detidas no purgatório, e, de
outra parte, entre os habitantes da terra e os habitantes do céu.
Pergunta-se se no céu nos reconheceremos? Evidentemente, se o amor se perpetua,
o conhecimento não pode cessar.
Não
se ama o que se não conhece; e seria absurdo pensar que os que se
conheceram na terra não se tornem a encontrar no céu senão como estranhos uns
aos outros. O Evangelho não nos deixa nenhuma dúvida a tal respeito. Quando os
apóstolos foram testemunhas da transfiguração de Jesus Cristo, um deles
exclamou num sublime êxtase: “Senhor, bom é estarmos aqui: Vamos erguer três
tendas, uma para vós, outra para Moisés e outra para Elias”. Esta exclamação,
constante do livro sagrado, prova que, pelo fulgor da luz de Deus, logo se
conhecem as almas glorificadas. E, se ao primeiro aspecto se conhecem as almas
que nunca se viram sobre a terra, quão mais facilmente se reconhecerão aquelas
que aqui se conheceram e amaram! A dissolução do corpo livra a alma das suas
peias, mas não muda em nada o seu caráter, a sua forma, a sua expressão, nem
extingue os seus sentimentos. Além do tumulo, a chama que Jesus Cristo
concentrou em nossos corações brilhará mais desembaraçadamente e vivamente; os
sentimentos legítimos se perpetuarão sem fim e os laços da amizade não se
desatarão jamais. Nós, cá em baixo, diz um piedoso autor, não somos
mais que insetos defeituosos; mas um dia a nossa formação se
completará, e então teremos asas para voar até o Bem supremo. Nós não somos
mais do que míseras larvas; mas as borboletas que saírem dessas larvas serão
seres celestes.
Quem, de fato, poderia acreditar que os filhos, arrebatados à sua mãe, não
continuem a amar, fora deste mundo, aquela que eles ai deixam aflita e
inconsolável? Quem poderia duvidar da permanência da amizade entre dois
verdadeiros amigos que a morte separa? Separados momentaneamente, eles
continuam unidos por laços imortais.
Aqueles dentre nós que se vão para Deus, levam consigo um pouco de nós mesmos;
e nós de igual maneira aqui guardamos uma porção de sua vida. É que nada
poderia separar o que Deus uniu em seu amor. Na eternidade, sobretudo, é que o
mandamento novo de Jesus Cristo se cumpre em toda a sua perfeição e completa a
beatitude dos bem aventurados. Mas, para gozar esta felicidade suprema, é
preciso praticar desde este mundo a lei de Jesus Cristo.
A caridade fraternal é o sinal distintivo dos verdadeiros cristãos; ela deve caracterizar
os filhos de um mesmo Pai, os herdeiros de um mesmo reino e os companheiros de
um mesmo destino.
Oh! Exclama São João Crisóstomo, se existisse na terra uma região onde o
mandamento evangélico fosse religiosamente observado, que espetáculo feliz se
contemplaria! Que admirável concerto de vontades e de afeições! Que harmonia de
sentimentos, de boas obras e de belezas!
O que nos encanta na música é a justeza dos acordes, é a união na diversidade e
na multiplicidade. A orquestra, composta de tantas vozes e instrumentos,
obedece a uma só impulsão e canta um mesmo pensamento. Que silêncio ao redor!
Que solenidades de emoções extasiantes! Toda esta multidão não parece formar
senão uma só alma, um só coração, um só organismo.
Tal é o espetáculo que ofereceriam a Deus e aos anjos as famílias cristãs, as
comunidades religiosas e as cidades terrestres, onde o mandamento do Evangelho
fosse fielmente observado.