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CAPÍTULO IX
QUALIDADES QUE DEVE TER
O CONFESSOR DOS ESCRUPULOSOS
1.º Caridade. — A mais necessária das virtudes que
deve ter o confessor dos escrupulosos é a caridade, porém uma caridade doce,
paciente, a toda prova; uma caridade que lhe sustente, que lhe ative, que lhe
duplique o zelo à proporção que as dificuldades aumentem. Há quem diga que,
para ter essa caridade necessária, tão heróica deve ela ser, seria mister que o
confessor tivesse sido acometido dessa doença; porquanto só a experiência pode
revelar quantos males se sofre, quanto se é digno de compaixão e de caridade
quando se é atacado de escrúpulo.
2.º Firmeza. — Deve, pois, o confessor ter muita
bondade para com essas espécies de penitentes; deve consolá-los, suportá-los,
esclarecê-los; mas a essa bondade deve aliar também uma grande firmeza: isto
é indispensável para com essas pobres almas, que de outro modo nunca se
renderiam à verdade. Ser bom sem ser firme, ou ser firme sem ser bom, não seria
ter as qualidades requeridas; é preciso reunir as duas coisas ao mesmo tempo,
bondade e firmeza: todos compreendem a razão disto. E é que, se se for apenas
bom, o escrupuloso abusará disso, se prevalecerá disso, e se enterrará cada vez
mais no mal. Se se for apenas firme, desanimar-se-á, desolar-se-á com isso o escrupuloso,
ele sentirá falta de confiança, e o escopo do confessor não será atingido.
3.º Ciência. — À bondade e à firmeza deve-se juntar
necessariamente a ciência. Requerida para qualquer direção, mais
particularmente a ciência é requerida para a direção dos escrupulosos, pois
estes estão nas trevas; o seu espírito está cegado, as suas idéias
embrulhadas; as dúvidas amontoam-se-lhes na consciência, as angústias
transtornam-lhes o coração; eles não sabem explicar a si mesmos o que se passa
neles: ao ministro sagrado é que cabe, pois, empunhar o facho, espancar as
trevas, dissipar as dúvidas, acalmar as inquietações, mostrar o caminho, fazer
entrar nele, ensinar a trilhá-lo. É preciso mesmo uma ciência mais do que
ordinária, por duas razões: a primeira, porque são trilhas extraordinárias as
dos escrupulosas; a segunda, porque, se não se decide positivamente,
claramente, em tom firme e sem réplica, não se dominará essa imaginação
versátil, não se imporá silêncio a esse espírito inquieto. Pode-se esperar responder
a todas as perguntas, abordar todas as penas, dissipar todos os temores, sem
um conhecimento aprofundado das leis divinas e humanas, das circunstâncias,
das aplicações, das exceções, das regras teológicas, das sentenças dos
doutores e de outras autoridades? Sem dúvida a oração, a piedade, a pureza de
intenção, os conselhos dos homens prudentes, a meditação suprem um pouco a
ciência; mas seria infinitamente pára desejar que se possuísse tudo ao mesmo
tempo. Entretanto, o escrupuloso não tem de se perturbar com o receio de não
achar um confessor que tenha o grau de ciência de que falamos; tem só que ir
com boa fé, obedecer àquele que o dirige, como obedeceria a Deus, e o Espírito
Santo não o deixará sem condutor nas trilhas da salvação.
4.º Experiência. — Importa que os confessores dos
escrupulosos tenham uma certa experiência, ou pelo menos um caráter resoluto
unido à prudência; porquanto, se parecerem embaraçados, hesitantes, tímidos,
irresolutos, os escrupulosos se prevalecerão disto; tornar-se-ão ainda mais inquietos;
procurarão embrulhá-los com perguntas finas e hábeis para ver se eles são
capazes de julgar, de decidir bem, se não se contradizem, e se as suas decisões
merecem alguma confiança.
5.° Autoridade. — O confessor dos escrupulosos deve
ter uma grande autoridade sobre o espírito daqueles que ele dirige; mas esta
autoridade deve ele hauri-la não somente no seu ministério, mas também na
maneira de granjear a confiança, a submissão, o interesse do seu penitente. É
preciso que não omita nada, desde o princípio, para adquirir sobre ele esse
ascendente necessário; que o deixe explicar-se e descobrir-se, que o escute com
paciência, que lhe responda com doçura, que lhe suporte as perguntas, que
trabalhe para conhecê-lo escutando-o, e, depois, que aproveite todas as
ocasiões para provar ao escrupuloso que o conhece, lhe diga qual é o seu
estado, explique-lhe algumas das suas tentações, das suas dúvidas, dos seus
combates, analise-lhe a sua situação e diga-lhe mesmo algumas vezes: Olhe, para
lhe provar que lhe leio no coração, e que ele é transparente aos meus olhos,
eis o que você sente, de que é que duvida, o que é que o aflige, o que é que o
detém, etc. Então, vendo que o seu confessor o conhece tão bem, o escrupuloso
conceder-lhe-á a sua confiança, acreditará na palavra dele; e então a
obediência tornar-se-lhe-á mais fácil. Ora, o confessor deverá aplicar-se a
obter essa confiança inteira, absoluta, cega, a exigi-la mesmo, ameaçando o
escrupuloso de abandoná-lo se ele não obedecer; e, desde que obedecer
fielmente, o escrupuloso ficará curado ou pelo menos tranquilo, e o confessor
ficará exonerado de um pesado fardo.
Apressemo-nos, entretanto, a dizer ser preciso que
os meias empregados para obter esse resultado sejam diferentes segundo a
inteligência, a instrução, a idade, a índole dos escrupulosos: é sempre de
acordo com a «moléstia que se deve fazer a escolha dos remédios. Cumpre, pois,
discernir a doença, estudar o natural, remontar aos princípios, examinar os
efeitos, observar os matizes, os sintomas, as fases diversas, os obstáculos,
os meios já empregados, e depois agir com sabedoria, precaução e firmeza.
Depois disto, deve o confessor prescrever ao
escrupuloso alguns remédios utilíssimos, posto que muito conhecidos: 1.º,
proibir-lhe a leitura de obras próprias para despertar os escrúpulos, e a
conversa com pessoas escrupulosas; 2.º, se ele for fortemente atormentado, ide
(diz o autor do Manual dos confessores, depois de vários outros), ide até o
ponto de lhe proibir assistir aos sermões em que se trata das verdades
terríveis, e de examinar a consciência sobre coisas que lhe causam escrúpulos
mal fundados; 3.º, se o escrúpulo consiste no temor de consentir em maus
pensamentos, por exemplo sobre a fé, a pureza ou a castidade, deve o confessor passar
afoitamente por sobre essas coisas, e dizer-lhe que esses pensamentos são tentações
e penas, mas que não há aí nem consentimento nem pecado.