Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI
NO CÉU NOS
RECONHECEREMOS
Pelo
Pe. F. Blot, da Companhia de Jesus
Versão 19.ª edição francesa
pelo
Pe. Francisco Soares da Cunha
II
Flor duma especial e santa amizade no Paraíso. – Durar assim para sempre
é também da verdadeira amizade, segundo S. Jerônimo. – A santa amizade é o
prelúdio ou o gozo antecipado do Céu, segundo S. Francisco de Sales. – Célebre
visão de S. Vicente de Paulo. – A continuação da amizade depois da morte
consolou S. Gregório Nazianzeno, Santo Agostinho e S. Cipriano.
Talvez vos pareça que só tenho
falado, até aqui, dessa geral amizade que existirá no Céu entre todos os
religiosos que vivem na mesma comunidade. Mas não se aplicará com mais razão,
tudo o que tenho dito, a essa flor duma especial e santa amizade, que o tempo vê
algumas vezes germinar entre dois corações pela virtude do sangue de Jesus
Cristo? Crede firmemente que esta flor, depois de ter feito as vossas delícias
na terra, continuará a exalar o seu perfume na bem-aventurada eternidade, para
embalsamar a corte celeste e dar aos santos mais uma alegria.
Os doutores consideram ainda
como essencial à amizade, o poder seguir-nos assim até ao seio de Deus.
A afeição que não possa entrar onde nada penetrará que não
seja puro, é indigna do nome de amizade. Diz S. Jerônimo: Amicitia quae desinere potest, vera nunquam fuit – a amizade que
pode acabar nunca foi verdadeira[1].
Logo que ela não pode ser eterna, não é real; desde que não merece durar
sempre, só é aparente ou impura.
A verdadeira, a sincera, a
virtuosa e santa amizade sobrevive a todas as separações da morte, para reunir
nas sublimidades do Céu, no ápice da bem-aventurança, os corações e as almas
que ela unia neste vale de lágrimas e de misérias.
Quem não leu estas linhas em
que S. Francisco de Sales considera a verdadeira amizade como prelúdio ou
ante-gosto do Céu?
“Se a vossa mútua e recíproca comunicação,
diz ele, se transforma em caridade, em devoção, em perfeição cristã, ó Deus,
quanto será preciosa a vossa amizade! Ela será excelente, porque vem de Deus,
excelente porque tende a Deus, excelente porque o seu liame é Deus, excelente
porque durará eternamente em Deus.
Oh! como é bom amar na terra
como se ama no Céu, e aprendermos a querer-nos mutuamente nesta vida como nos
queremos e nos amaremos eternamente na outra! O delicioso bálsamo da devoção
destila-se dum dos corações no outro, por uma contínua participação, de sorte
que se pode dizer que Deus derramou sobre esta amizade a sua bênção e a vida,
por todos os séculos dos séculos. Esta casta união nunca se converte senão em
uma união de espíritos, mais perfeita e pura, imagem viva da bem-aventurada
amizade que se exerce no Céu”[2].
É um exemplo desta
bem-aventurada amizade o próprio fundador e a fundadora da Visitação. S. Vicente
de Paulo foi dela testemunha, numa célebre visão que refere nestes termos:
“Tendo esta pessoa (ele mesmo)
notícia da perigosa enfermidade da nossa defunta, ajoelhou para orar a Deus por
ela; e imediatamente depois, apareceu-lhe um pequeno globo como de fogo, que se
elevava da terra, e ia reunir-se, na região superior do ar, a um outro globo
maior e mais luminoso, e ambos reunidos se elevaram mais, entraram e
derramaram-se noutro globo infinitamente maior e mais luminoso do que os
outros; e foi-lhe interiormente dito que este primeiro globo era a alma da
nossa digna mãe (Santa Chantal), o segundo, a do nosso bem-aventurado pai (S.
Francisco de Sales), e o terceiro, a Essência Divina; que a alma da nossa digna
mãe se tinha reunido à do nosso bem-aventurado pai, e ambas a Deus, seu
soberano princípio. Além disso, a mesma pessoa, que é um padre, celebrando a
santa missa pela nossa digna mãe, como se de repente tivesse recebido a notícia
do seu feliz passamento, e estando no segundo Memento em que se ora pelos
mortos, pensou que faria bem em orar por ela; e viu novamente a mesma visão, os
mesmos globos e a sua união”[3].
Quando a morte vos arrebatar
alguma pessoa querida, não tenhais, pois, algum escrúpulo de vos consolar,
repetindo: Ela não me esquece; ora por mim e vela sobre mim. Permanecemos
unidas!
Assim se consolava S. Gregório
Nazianzeno depois da morte de S. Basílio, seu perfeito amigo:
“Agora, dizia ele, Basílio
está no Céu. É lá que oferece por nós os seus antigos sacrifícios e recita pelo
povo novas orações. Porque, indo-se desta vida, não nos deixou inteiramente.
Vem ainda algumas vezes advertir-me por meio de visões noturnas, e repreende-me
quando me desvio do meu dever”[4].
Santo Agostinho também se
consolava do mesmo modo, depois que um dos seus amigos foi transportado pela
morte à eterna bem-aventurança. “É aí, escrevia ele, que vive o meu Nebrídio,
ele, meu doce amigo, ele, vosso filho adotivo, ó Senhor! É aí que ele vive, é
aí que sacia à vontade a sede da sabedoria. Contudo, não penso que ele esteja
inebriado desta sabedoria até ao ponto de se esquecer de mim. E, como se
esqueceria ele, visto que vós mesmo, Senhor, vós, de quem se inebria o meu
amigo, vos lembrais de nós?”[5].
A mesma consolação tomava um
santo bispo, escrevendo a um santo Papa, prevendo a morte que não podia tardar
em feri-los:
“Lembremo-nos um do outro, em
toda a parte e oremos sempre um pelo outro, adocemos nossos pesares e angústias
com o nosso mútuo amor; enfim, se um de nós, por um efeito da bondade divina,
preceder o outro no Céu, que a nossa amizade dure ainda junto do Senhor, e que
a nossa oração não cesse de solicitar a misericórdia do nosso Pai, em favor dos
nossos irmãos e irmãs”[6].
[1] S. Jerônimo, Epist. I, class. epist.
III, no. 6.
[2] S. Francisco de Sales, Introduction à la vie dévote, IIIa.
p., cap. XIX e XX.
[3] Abelly, Vie de saint Vincent de Paul, t. II, cap. VII.
[4] S.
Gregório Nazianzeno, Oratio XLIII, no.
80.
[5]
Santo Agostinho, Confess., liv. IX,
cap. III, no. 3.
[6] S. Cypriano, Epist., LX, Cornélio, fin.