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CAPITULO X
CONDUTA DO
CONFESSOR DOS ESCRUPULOSOS
CONSOANTE O ABADE BOUDON
Primeiramente, não se pode dizer bastante o quanto
é grande a necessidade de um diretor experimentado nesses caminhos; os que têm
apenas ciência podem ser prejudiciais em várias ocasiões, porquanto, além do
conhecimento que a ciência dá da diferença entre o pensamento e o
consentimento da vontade, é necessário penetrar bem o que se passa no interior
da pessoa que pede conselho.
É preciso ter bastante luz para prevenir essas
almas aflitas, para entender o que elas não podem explicar, para lhes dizer o
que elas não dizem, para lhes discernir as operações interiores onde elas não
vêem gota, para ter clarezas no meio das trevas, para tranquilizá-las onde elas
não fazem senão temer, para as manter firmes onde elas só fazem duvidar e tremer.
Enfim, é preciso um diretor cheio de uma caridade extraordinária para suportar
brandamente os escrúpulos dessas pessoas, que às vezes são ridículas sem
razão, sem fundamento, ou que são cheias de vergonha pelos pensamentos
extravagantes que sugerem, ou repulsivas pela sua obstinação, que é o seu
defeito comum.
Tudo isso reclama uma caridade extraordinária. “Há almas, diz
Santa Teresa, que são bastante afligidas, para que as pessoas as aflijam ainda
mais; do contrário, o coração se lhes fecha, elas são lançadas num abatimento
extremo, são desanimadas, e às vezes esses repúdios e essas severidades as
tentam de despero”. Santo Inácio, que foi rudemente provado pelos escrúpulos,
um dia foi tentado de se precipitar do alto de uma casa a baixo, tamanha era
a aflição que o premia. Quantas vezes ele foi tentado a abandonar as vias da
perfeição! O demônio sugeria-lhe voltar a uma vida comum, que lhe fazia parecer
não estar sujeita a todas essas provações. Viram-se espíritos mais fortes,
grandes teólogos, que davam soluções de todas as coisas, cair em escrúpulos;
conheci alguns que eram dotados de grande juízo, que não tinham falta de
luzes nem de doutrina, mas eram trabalhados por escrúpulos de uma maneira que
se custaria a crer, sendo os seus escrúpulos coisa de nada e puras bagatelas.
Mas aquele que não é tentado, que é que sabe? Saibam os espíritos mais seguros
que, se Deus os abandonasse o menos que fosse a essas tentações, muitas vezes
eles seriam mais ridículos do que aqueles que eles custam a suportar.
Entretanto, a caridade deve ser acompanhada de uma certa firmeza para os
impedir de dar novas ocasiões aos seus escrúpulos, não se sofrendo que eles
reiterem as suas confissões, e coisas semelhantes de que vamos falar.
Primeiramente, as confissões gerais absolutamente
não lhes são próprias quando já as fizeram uma vez; eles pensam que a
repetição delas os tirará das suas penas, e muito se enganam. S. Francisco
Xavier dizia que essas confissões, em vez de um escrúpulo que eles tinham,
faziam nascer dez. Por isto, não há bênção para elas, não sendo a verdadeira
causa que impele a fazê-las senão o amor-próprio e a sua própria satisfação,
embora não faltem belos pretextos de consciência. É, pois, desagradar a Deus o
repetir as confissões gerais, e devem os diretores impedir disso os
escrupulosos; as confissões, mesmo anuais, não lhes são úteis. Cumpre
proibir-lhes ir duas vezes à confissão antes de comungar; pois eles são tentados
várias vezes de voltar a ela, imaginando nunca se haverem desobrigado bem
dela. Deve-se-lhes dizer que não voltem a ela, mesmo quando pensassem haver esquecido
algum pecado; basta-lhes dizer esse pecado na primeira confissão que fizerem.
Deve o diretor ficar firme em fazê-los comungar quando o julgar oportuno,
fazendo-os passar por cima das dificuldades que a sua imaginação cria.
Em segundo lugar, para essas pessoas é uma grande
regra o deixar de lado todos os pecados de que duvidam; porquanto, embora as
que estão em grande liberdade possam acusar-se deles para se humilharem, estas
entretanto não o devem, já que não têm obrigação disso, visto como o padre, que
é como que o juiz estabelecido por Deus no tribunal da confissão, não pode
pronunciar ou dar a absolvição sobre matéria duvidosa. Não se pode julgar
daquilo que é incerto; assim, mil pecados e cem mil de que se duvida não são
matéria de absolvição. Sendo esta regra bem seguida, as confissões dessas pessoas,
que seriam de uma longura fastidiosa, serão feitas brevemente, pois elas só se
acusam de um pecado de que estejam inteiramente seguras. Não é uma boa razão
dizer que a pessoa se acusa deles para maior segurança; porquanto, não havendo
Deus obrigado a isso, e, por outra parte, não sendo isso conveniente, tudo isso
não passa de amor-próprio. É preciso ter o cuidado de impedir que essas pessoas
se obstinem a dizer as suas tentações, quando vêem que são impedidas de
acusar-se daquilo que é duvidoso, imaginando terem dado pleno consentimento ao
pecado; é por isto que os diretores espirituais dizem que não se lhes deve dar
crédito, e que não se lhes deve permitir confessar-se das suas tentações, a
menos que elas estejam tão certas de haver consentido nelas que possam jurá-lo
sobre os santos Evangelhos. Devem elas evitar os longos exames de consciência,
em que se excedem sempre; o estado delas pede muito pouco exame, e elas não
têm senão excesso de vistas das suas faltas. Lembrem-se elas de que a
confissão não foi estabelecida para torturar as consciências, como dizem os
hereges, e sim para aliviá-las; que Deus não pede de nós outra coisa senão nos
confessarmos de boa fé daquilo de que nos lembramos, após um exame razoável,
sem nada ocultarmos voluntariamente; que Deus perdoa tanto os pecados que se
esquecem como os que se acusam; do contrário, aqueles que têm falta de memória
seriam obrigados ao impossível. De resto, deve a gente descansar sobre o
conselho de um diretor prudente; porque, quando mesmo ele se enganasse, a pessoa
que obedece está em segurança de consciência: assim, por exemplo, tendo tomado
conselho de um prudente confessor, se este julgar que elas foram bem feitas deve
ele ater-se ao parecer que o mesmo lhe der.. E, quando o confessor se houvesse
absolutamente enganado, e tivesse havido verdadeiras falhas nessas confissões,
aquele que obedece não responderia por elas diante de Deus, e, assim, não lhe
seria por isso menos agradável.
Em terceiro lugar, pois, e sobretudo, cumpre evitar
o apego ao próprio juízo, renunciar aos próprios pensamentos, e não se guiar
pelos seus sentimentos. Não devemos dar-nos remédios a nós mesmos, pois é
coisa que nunca se deixa à disposição dos doentes; os próprios médicos, quando
estão indispostos, consultam outros; os mais hábeis advogados pedem conselho
nas suas próprias causas. A submissão de espírito é absolutamente necessária,
e mais se ganha por uma simples submissão do que por mil instruções que se
pudessem tomar, do que por todas as austeridades e outras devoções que se
pudessem praticar. Santo Inácio, como dissemos, estando reduzido a angústias extremas,
por causa dos escrúpulos, jejuou durante oito dias inteiros, sem tomar coisa
alguma, para dobrar a misericórdia divina, e obter a sua libertação dessas
angústias, mas tudo inutilmente; uma simples submissão ao seu confessor
livrou-o das suas penas. Deus pede a sujeição do entendimento; por mais que se
faça, sem isso trabalha-se em vão. Quanto aos pensamentos que vêm da suposição
de não nos explicarmos bem, de não nos entender o confessor, de não conhecer o
nosso estado, devem ser desprezados como invenções subtis do amor-próprio.
Cumpre dizer sinceramente o que se passa no próprio interior, e pela maneira
como se pode dizê-lo; não se está obrigado a mais. Compete ao confessor
examinar se entende bem as coisas, e a nós obedecer com fidelidade.
Enfim, cumpre ir generosamente contra os escrúpulos.
Se estes querem que se repita o ofício, ou as orações impostas como
penitência, que se ouça de novo a missa nos dias de preceito depois de a ela haver-se
assistido, imaginando que não se satisfez o preceito, nada disso se deve fazer.
Se eles sugerem pensamentos de que se cometem sacrifícios no uso dos
sacramentos da Penitência e da Eucaristia, de que se cometem pecados mortais em
fazendo certas coisas, deve-se passar adiante, praticando com coragem todas
essas coisas, por mais repugnâncias, dificuldades, temores que com isso se
possam experimentar. Se alguém objetar que é um crime fazer uma ação, embora
boa, com uma consciência errônea, acreditando que há nisso pecado, respondo que
isto é verdade quando a consciência que dita haver pecado na ação não tem fundamento
para crer o contrário; mas aqui não sucederá o mesmo, visto o prudente diretor
assegurar que não há pecado onde a pessoa afligida acredita havê-lo.
É por isto que, não somente ela não faz mal em ir
contra o seu próprio juízo, mas ainda é um grande ponto de perfeição que ela
pratica. Estando um padre fortemente tentado de desespero em razão de pensar
que cometia tantos sacrilégios quantas vezes celebrava o santo sacrifício da
missa, e persuadindo-se, ademais, de que pecava em quase todas as suas ações, a
Divina Providência endereçou a ele um santo personagem, e de grande experiência,
que lhe disse: “Vá, senhor, passe por cima de todos esses sacrilégios que
imagina cometer, faça todas essas ações que os seus escrúpulos lhe ditam serem
grandes pecados, e que, segundo a luz verdadeira das pessoas sensatas, não o
são”. Ele obedeceu com simplicidade apesar de todos os seus sentimentos, e por
essa obediência foi inteiramente libertado das suas penas. Conheci uma pessoa
que tinha feito várias confissões gerais para remediar algumas que eram
inválidas, mas sem jamais achar o repouso de consciência que buscava pela repetição
dessas confissões, das quais, em verdade, só a primeira era necessária. Depois
de tudo isso, queria ela novamente preparar-se para uma confissão geral com
atenções extraordinárias; o que fez durante longuíssimo tempo, havendo escrito
bem amplamente a confissão com cuidado maravilhoso. Em seguida confessou-se à
vontade numa capela particular, para fazê-lo com mais atenção; e, tendo-a
feito após todas essas diligências e cuidados, achou-se mais do que nunca na
perturbação; da qual não pôde sair senão por uma submissão da sua mente ao
juízo dos confessores, que lhe aconselharam não mais fazer dessas confissões
gerais. Embora, segundo o seu pensamento, a última confissão ainda tivesse
sido inválida, por essa submissão ela entrou numa paz admirável; mas não foi
sem combate que se conseguiu que ela não mais repetisse as suas confissões por
acreditar, segundo o seu juízo, não as haver bem feito. Deus lhe deu a paz em
recompensa da sua obediência.