Há uma verdade fundamental da dogmática cristã que a chamada nova teologia busca obscurecer ou debilitar. É a Realeza universal de Cristo sobre toda a criação e por isso mesmo sobre a história. Sem embargo, esta verdade constitui a substancia mesmo do kerygma evangélico, que consiste na pregação do Reinado de Deus e de seu Cristo sobre a terra. A Nova Teologia obscurece e diminui a luz desta verdade porque ela se opõe diretamente ao laicismo da vida e da história que em sua versão liberal, socialista e comunista impera hoje sobre os povos. O laicismo constitui a substancia do mundo moderno e a nova busca pactuar com o mundo moderno. Logo se vê impelida a ofuscar e a diminuir uma verdade que tão radicalmente se opõe à sua intenção profunda.
Sem embargo, a encíclica Quas Primas, de Pio XI, sobre Cristo Rei, permaneceu como um documento que desafia os propósitos da impiedade em seu intento de diminuir os méritos deste título glorioso do Redentor. As páginas da Escritura, tanto do Antigo como do Novo Testamento, a Tradição dos Padres, a liturgia e os documentos do magistério, abundam em testemunhos desta verdade. Os salmos de Davi cantam sob a imagem e representação de um Rei opulentíssimo e sapientíssimo que havia de ser Rei de Israel.
O teu trono, oh Deus, permanece pelos séculos; O cetro de teu reino é cetro de retidão. Neles se prediz que seu reino não terá limites e que estará enriquecido com os dons da justiça e da paz. Florescerá em seus dias a justiça e a abundancia da paz. E dominará de um mar a outro e desde um a outro extremo do orbe da terra.
Portanto, não é de maravilhar que ao encerrar os livros santos o Apostolo João o chame de Príncipe dos Reis da terra que trás escrito em sua veste e em seu manto: Rei de reis e Senhor dos que domina.
A História, a história concreta dos povos, deve sujeitar-se ao reinado de Cristo. Cristo enquanto homem, por sua preeminência e por direito de conquista da Redenção, tem direito a que os povos o reconheçam em seu caráter de Rei. É evidente que os povos podem se rebelar. E assim canta o salmo: Porque se amotinam as gentes e traçam as nações planos vãos? Reúnem-se os reis da terra e confabulam os príncipes contra Yavé e contra seu ungido. Rompamos o seu jugo, longe de nós suas sujeições... Mas isto é vão. O que mora nos céus sorri. Yavé zomba deles.
A história serve ao reinado de Cristo de bom grado ou de mal grado, mas o serve. É claro que o correto e o que todos devemos desejar e no que devemos nos empenhar é em servi-lo de bom grado.
O diabo, Príncipe deste mundo, tem algum senhorio sobre a história.
Teríamos uma imagem muito imperfeita da história se fizéssemos intervir tão somente, como protagonistas principais, o homem e Cristo. Por isso, Santo Tomás na mesma questão em que trata de Jesus Cristo, Cabeça da Igreja, dedica um artigo – o sétimo – a resolver se o diabo é cabeça dos maus. E responde afirmativamente, demonstrando que exerce função de governante quem influi sobre os demais para atraí-los ao seu próprio fim. Pois bem, o fim do demônio é afastar a criatura racional da obediência a Deus, e este fim é alcançado com o afastamento de Deus da criatura com seu livre arbítrio, segundo preceitua Jeremias: Rompeste o jugo e as cadeias e disseste: não servirei. Quando, pois, os homens, pecando, se dirigem para este fim, cai de cheio sob o regime e o governo do demônio, e por isto é chamado de cabeça deles. O nome de Príncipe deste mundo (João 12, 31; 14, 30; 16, 11) que a palavra divina atribui ao demônio não é um mero título, senão que expressa o verdadeiro domínio que o diabo conquistou sobre a história dos homens. É claro que este domínio não é absoluto, mas é muito real e se exerce não apenas sobre o homem individual, senão também, e sobretudo, sobre a ordem temporal e sobre as civilizações.
Digo, sobretudo. Porque a arte do demônio é dominar os meios temporais para por ali perder o interior do homem. Dai que trate de dominar os maios do prazer, da riqueza e do poder para ter amarrado o homem por completo. São estas as três tentações com que se atreveu a atacar ao Senhor no deserto. São as três tentações da tríplice concupiscência, que menciona o Apóstolo São João.
Junto com o diabo e sob o seu domínio também devemos nos referia a influência do Anticristo na história. Na mesma questão oitava, artigo 8, Santo Tomás nos diz que também o Anticristo deve ser tido como cabeça dos maus. Porque embora não o seja na ordem do tempo nem por sua influencia, o é pela perfeição de sua malicia. Pois como em Cristo habitou a plenitude da divindade, assim no Anticristo há de brilhar a plenitude da malicia. Esta caracterização do Anticristo como um personagem no qual se concentra, no final dos tempos, a malícia humana, dá uma significação ao processo histórico dirigido a um ponto culminante de malícia. Longe de favorecer a tese que a nova teologia costuma sustentar de um progresso histórico, a ela se opõe e mostra que, embora a história sustente o progresso incessante da edificação do Corpo Místico de Cristo, ela mesma pode empreender e seguir um caminho de regresso. Por outra parte, que o Anticristo haja de encarnar a malícia perfeita não significa que a humanidade tenha que ser assumida pelo diabo tal como a humanidade de Cristo foi assumida pelo Filho de Deus, senão que o diabo lhe a de comunicar por sugestão sua malícia em grau superior a todos os demais. Neste sentido todos os demais malvados que lhe precederam são como que figuras do Anticristo, e por isso, o mistério de iniqüidade já está operando. Também, por este lado, há como que uma exigência do progresso do mal na história mesmo, porquanto as figuras nunca chegam a alcançar o grau daquilo cujo significado levam.
Significação da “Sinagoga de Satanás” na história
Com o problema do diabo e do Anticristo está ligado o problema da malícia dos judeus fariseus e de seu significado na história. É claro que o mal não é patrimônio de algum homem, e menos ainda algum povo. Todos os homens são pecadores e são capazes das piores aberrações. Assim como a graça de Deus tampouco tem relação especial com algum homem nem com povo determinado. Sem embargo, Deus pode escolher um caminho determinado para nos dispensar sua graça e para permitir expressar-se a malícia humana. De fato, Deus escolheu este caminho. O povo judeu, como é sabido, foi escolhido diretamente por Deus para nos trazer em seu sangue o Messias Jesus Cristo, quem havia de ser a Saúde do mundo. Parte principal deste povo, contrariando toda a tradição autêntica dos Patriarcas e Profetas, carnalizou a esperança do Messias e se sujeitou a uma falsa tradição humana de dominação de outros povos. Parte do povo judeu, sob a influência e o governo deste grupo de fariseus, se constituiu de modo especial desde a vinda de Jesus Cristo no que São João, em seu Apocalipse (2,9), chama a “Sinagoga de Satanás”. Desde então parte do povo judeu dominada por esta minoria cheia de malicia, se dedica à tarefa de perversão e de dominação de outros povos. À esta minoria se aplica com toda verdade as palavras que Jesus dirigia aos judeus fariseus: “Vós tendes por pai ao diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele foi homicida desde o princípio e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira”
São Paulo estampou em letras inalteráveis que ficam como lei da história a conduta desta minoria de judeus entre as nações. Disse o Apostolo (1 Tes. 2, 14 ss.):
“Irmãos, vós vos tornastes imitadores das igrejas de Deus em Cristo Jesus da Judéia, pois tivestes que sofrer da parte dos vossos compatriotas o mesmo que eles sofreram dos judeus, aqueles judeus que mataram o Senhor Jesus e aos profetas, que nos perseguem e que não são do agrado de Deus, que são inimigos de todos os homens, visto que nos proíbem pregar aos gentios para que se salvem”.
De acordo com esta lei que enuncia aqui o Apostolo Paulo, uma minoria farisaica de judeus desempenha na história um papel de inimigos primeiros dos povos cristãos, empenhados em perdê-los, impedindo sua cristianização. Para isso buscam o domínio total da vida dos povos apoderando-se das molas propulsoras do poder: do poder econômico primeiro e em seguida do próprio poder político. Seria longo historiar o processo histórico que cumpre esta minoria farisaica.
Mas uma vez derrubada a solida estrutura da cristandade medieval, fundada na fé e na caridade, os judeus conseguiram penetrar dentro dos povos cristãos e dali corrompê-los com o liberalismo e escravizá-los com o comunismo. A Revolução moderna – liberalismo, socialismo, comunismo – é o grande instrumento de dominação de que se valem. Com ela conseguiram suprimir a civilização cristã e substituí-la por uma civilização laicista e atéia.
Os cristãos, por sua vez, não têm outra defesa eficaz contra a judaização que uma adesão efetiva à vida cristã, o que implica no cumprimento privado e público da lei natural e sobrenatural. Quando os cristãos se debilitam neste cumprimento, vão caindo de modo insensível, mas seguro, no domínio judaico.
A história consiste em uma disputa entre Cristo e o diabo por apoderar-se dos homens
Do que dissemos fica claro que na história intervêm três protagonistas principais.
O homem que, dedicado a múltiplas atividades profissionais, econômicas, políticas e culturais, deverá decidir com seu ato livre e em cada ato que destino e que sentido quer dar ao curo da história. O diabo que, operando através do exterior e, sobretudo, através dos grandes meios do poder, trata de sugerir em cada homem o amor de si próprio. Deus que, agindo no mais recôndito do coração humano, o move suavemente, mas com força, para a prática do amor autentico. Destes três protagonistas, apenas Deus tem um domínio total e soberano sobre a história, que exerce de acordo com os desígnios inescrutáveis de sua sabedoria e vontade.
A história é concretamente o campo aonde o divino semeador semeou a boa semente e aonde o diabo semeou também o joio. É o mar e a rede que se joga no mar e recolhe peixes de toda espécie. Nela, o mal está misturado com o bem e isso na proporção que só Deus conhece, e assim há de ser sempre até o fim da história.
A história é o campo da disputa entre Cristo e o demônio pela posse total do homem. Cristo emprega sobre todos meios sobrenaturais operando no interior dos corações aonde se determina verdadeiramente a intenção pela qual o homem age. Nessa intenção do agir humano se determina se o homem aceita a Deus como fim ultimo de sua vida ou, em troca, se aceita a si mesmo. Ao determinar o fim ultimo da vida nessa intenção ultima, se dá, por conseguinte, sentindo e significação a todos os outros bens em que a vida se desenvolve. Nesta luta se decide o juízo ultimo de todos os acontecimentos humanos, sejam públicos, sejam privados, porque todos eles, seja qual for sua natureza e suas dimensões, se resolvem definitivamente nessa intenção ultima e suprema aonde o homem decide por Deus ou pela criatura.
Na história há, definitivamente, dois grandes adversários que disputam entre si a totalidade do homem: Cristo e o diabo. Porque se cada ato humano deve decidir-se definitivamente por um fim último – Deus ou a criatura, Cristo ou o diabo – toda a história, que por ser humana é determinada por atos humanos, também ela pertence a Cristo ou ao diabo e, em absoluto, só a Cristo na medida em que até o diabo cai sob o seu domínio.
Dai resulta que Cristo é sempre o vitorioso da história, o Senhor da vida e da morte, o Alfa e o Omega. Triunfa pelo amor e pela misericórdia nos predestinados, triunfa também pela justiça nos réprobos. A história escreve sempre o nome de Cristo e só o nome de Cristo. Cristo que transcende a história é também imanente a todo o devir histórico. Todo o curso da história marcha para Cristo por caminhos que só Deus conhece.
A disputa entre Cristo e o demônio se trava no domínio da civilização temporal.
A disputa entre Cristo e o diabo se cumpre no interior do coração do homem. Mas seria um erro concluir dai que o campo da vida temporal do homem é terreno neutro de disputa. De nenhuma maneira. Porque, embora o destino da vida humana se decida no interior do coração, se decide ali sobre o que se faz na vida temporal. O homem desenvolve sua vida em atividades temporais que satisfaçam suas necessidades elementares e façam progredir os meios de satisfazer essas mesmas necessidades. Sua vida de familiar, laboral, cultural, forma o tecido de ações e de atividades de onde emerge a civilização temporal e nas quais há de tecer sua decisão última e seu destino eterno. Dai a importância do sentido que se atribua a essa civilização temporal na relação com a vida eterna.
Essa civilização ajuda com o seu sentido na cristianização da vida ou, ao contrário, a dificulta? É claro que uma civilização que favorece a degradação das idéias e dos costumes, que corrompe a instituição familiar, que paganiza a vida publica, não pode ajudar a catequização de um povo. A civilização chamada ocidental, laicista e de ateísmo libertário, não é propicia para devolver o sentido de Deus às almas. Muito menos o é a civilização atéia e de trabalho forçado dos países comunistas. O fato de que apesar disso Deus consiga influir sobre os corações e salve nessas civilizações a muitos escolhidos, não pode deixar de nos convencer que são civilizações perversas que perdem a muitas almas, que postas em condições propicias e favoráveis à Fé cristã, se salvariam. Com essas civilizações o diabo consegue que a mensagem Cristã não chegue aos gentis e que estes se salvem (I Tes., 2, 14 e ss.).
É claro que deus pode deixar entregue ao domínio temporal dos povos e civilizações em poder do diabo e mesmo assim ganhar a verdadeira batalha, que é a saúde dos escolhidos. Mas o fato de que Deus possa atingir seus fins apesar das civilizações anticristãs, não nos autoriza estimular estas civilizações e deixar de trabalhar pra que impere a verdadeira civilização cristã.
A tarefa necessária, hoje, em pró da civilização cristã
Dai que a Igreja com insistência, desde os dias de Leão XIII, clama pela restauração da civilização ou da Cidade Católica. Mais adiante traremos as recordadas palavras de São Pio X que são clássicas na matéria. Mas podemos citar também as de Pio XI e de Pio XII. Este pontífice deu ao mundo inteiro em 19 de setembro de 1944 uma mensagem sobre este tema da “civilização cristã”: Ali manifesta textualmente que “a fidelidade ao patrimônio da civilização cristã, sua defesa intrépida contra todas as correntes atéias ou anticristãs, é chave de abóboda, que nunca poderá ser sacrificada nem diante de uma vantagem transitória nem diante de qualquer combinação mutável”.
Para a Igreja, esta palavra “civilização cristã” não é uma mera palavra vazia de conteúdo. Ao contrário, a considera apontando para um patrimônio vivo que ainda alimento substancialmente a vida de muitos povos. Por isso Pio XII neste mesmo documento diz umas palavras que merecer ser lembradas: “Europa – expressa- e os outros continentes vivem ainda, em grau diverso, graças às forças vitais e aos princípios que a herança do pensamento cristão lhes dá testemunho quase como uma transfusão espiritual de sangue. Alguns chegam a esquecer este precioso patrimônio, a depreciá-lo, inclusive a desprezá-lo; mas subsiste sempre o fato daquela sucessão hereditária. Até certo ponto um filho pode renegar sua mãe; mas não por isso deixa de estar unido biológica e espiritualmente. Assim também os filhos que se afastam da casa paterna e se consideram estranhos a ela, ouvem sempre, no entanto, às vezes inconscientemente e a seu pesar, como voz do sangue, o eco daquela herança crista, que muitas vezes em seus intentos e em sua conduta lhes preserva de se deixar dominar totalmente e guiar pelas falsas idéias, as que, intencionalmente ou de fato, aderem”.
Nestas palavras se encerra toda uma teologia da civilização moderna que dá sentido àquelas palavras da proposição 80 do “Syllabus” que negava a possibilidade de conciliação da Igreja com a civilização moderna. Porque, com efeito, se esta é a tarefa pesada que a Igreja tem pela frente, fazer a civilização moderna conforme o evangelho, é porque esta civilização se encontra na tentativa absurda de querer edificar-se fora de Deus.
Há que refazê-la totalmente, como ensina Pio XII.
Mas antes de considerar o tipo de tratamento profundo que necessita, a civilização moderna deverá considerar em que espécie de aberração caiu.
O Comunismo e a revolução anti-cristã (p. 15-20).
Tradução: Fernando Rodrigues
Tradução: Fernando Rodrigues