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NO CÉU NOS
RECONHECEREMOS
Pelo
Pe. F. Blot, da Companhia de Jesus
Versão 19.ª edição francesa
pelo
Pe. Francisco Soares da Cunha
S E X T A C A R T A
O homem conhece os anjos, ou a união dos anjos e dos homens
no Céu
I
Deus renovará o Céu e a terra para que gozemos dos seres materiais.
– Comparação de S. Tomás. – Comparação de S. João Crisóstomo. – Quanto mais nos
fará ele gozar dos puros espíritos! – No Céu, estaremos colocados entre os
anjos. – As crianças formarão como que um décimo coro. – Visão de santa Francisca
Romana.
SENHORA,
Deus não se contenta de nos
conceder somente a bem-aventurança essencial, a visão e o gozo do bem incriado,
que é Ele mesmo.
Está tão longe de nos recusar
a parte da bem-aventurança acidental, que é o conhecimento e o amor dos nossos
parentes e amigos, que multiplicará as alegrias e prazeres para os olhos,
língua, gosto, olfato, tato e ouvidos; numa palavra, para todos os sentidos do
nosso corpo[1].
“Renovará mesmo o Céu e a terra” (Isai. LXV, 17). – (Apoc., XXI, 1) para que
gozemos tanto pelos nossos sentidos como pelo nosso espírito, dos seres
privados de razão.
“Se os corpos, disse S. Tomás,
nada mereceram por si mesmos, mereceu o homem por eles: mereceu que a glória
lhes fosse dada, para aumentar a sua própria glória. Assim, quando alguém adquire
uma nova dignidade, é justo que os seus vestidos recebam mais belos ornamentos
em testemunho da sua nova glória”[2].
S. João Crisóstomo emprega
duas outras comparações. “Quando um príncipe real, diz ele, toma posse do trono
paterno, a ama que o criou não receberá novos benefícios, novas graças? Ora, as
criaturas materiais, são nossas amas. Quando um filho deve aparecer em público
revestido de alguma dignidade, não tem o pai cuidado para honrá-lo, de dar a
seus criados um vestuário mais esplêndido? Assim também quando o nosso Pai
celeste nos apresentar no mundo superior, com a branca toga da virilidade, com
as insígnias devidas ao nosso grau, aumentará a nossa glória, revestindo dum
brilho incorruptível os seres materiais que são nossos servos”[3].
Quanto mais devem gozar os
santos, assim antes como depois da ressurreição bem-aventurada, dos puros
espíritos que dominam as outras criaturas, e com os quais temos, por parte da
nossa alma, um verdadeiro parentesco? Nós já os amamos e honramos. Mas, além
disso, então vê-los-emos e cada um de nós conhecerá o seu amável guarda.
Seremos colocados no Céu entre
os coros angélicos, num lugar determinado pelo grau dos nossos merecimentos ou
pela natureza das nossas virtudes[4].
O quarto abade de Claraval, pregando de S. Bernardo, no ano de 1163,
recordava-o aos religiosos como coisa conhecida de todos, e mostrava-lhes como
o seu glorioso predecessor merecia ser provido a todas as ordens ou graus
angelicais, pelas qualidades que desenvolvera e pelos ministérios que cumprira[5].
S. Tomás crê que algumas almas
bem-aventuradas já têm os seus tronos nas graduações mais elevadas dos
espíritos celestes, donde vêem a Deus mais claramente do que os anjos inferiores[6].
Nenhum coro angélico será excetuado; mas
todos verão, cedo ou tarde, os tronos vagos pela queda dos espíritos rebeldes
ocupados pelos homens.
S. Boaventura partilha esta
opinião, e pensa que os bem-aventurados que não chegam em merecimento ao nível
dos anjos menos elevados em glória, formam uma décima ordem ou um décimo coro[7].
Neste estão, sem dúvida,
colocados os meninos que, arrebatados pela morte, não puderam ajuntar algum
merecimento pessoal à graça do seu batismo: anjos benditos a quem suas mães
invocam para se consolarem da pena de os não verem mais neste mundo, e que são
os protetores de suas famílias.
Portanto, de que mal se tornam
culpadas tantas mulheres cristãs que recuam diante das dores do parto ou dos
trabalhos da educação! E de que alegrias se não privam elas para sempre,
recusando povoar o Céu de pequenos anjos, que viriam saudá-las à sua entrada na
glória e formariam eternamente a sua corte?
Enquanto vós, mais feliz,
vereis os vossos numerosos filhos, os vossos parentes e todos aqueles que amastes
na terra, engrossar as fileiras dos anjos e ornar talvez cada um dos seus
coros. Possa esta esperança consolar-vos, como consolou uma outra mãe aflita
por causa da morte dos seus!
Numa visão, Santa Francisca
Romana viu subir algumas almas bem-aventuradas que iam tomar lugar no grau que
Deus lhes assinalara na glória eterna: Todos os coros angélicos que estas almas
atravessavam para chegar a uma ordem mais elevada, prodigalizavam-lhes os
testemunhos do mais sincero amor e da mais viva alegria.
Sempre assim é. Mas o coro
onde a alma novamente chegada ocupa um trono, excede todos os outros em
brilhantes felicitações e em transportes de alegria. Entoa um cântico de
louvores e ações de graças em honra do Deus de bondade, e prolonga esta doce
festa por muito tempo depois dela ter cessado nos outros coros.
Depois desta visão, todas as
vezes que a Santa queria exprimir esta alegria dos anjos à chegada das almas
bem-aventuradas, com esta admirável união da criatura humana com a criatura
angélica, o seu rosto inflamava-se, e toda ela parecia derreter-se como a cera
em presença do fogo[8].
Com que alegria não terá sido
acolhida, e até que ponto não terá subido a alma da vossa filha que possuía o
nome da Rainha dos Anjos, e que foi ela mesma, na terra, um anjo de pureza e
dedicação? Todas os dias ela pedia a vossa bênção, e à vista do seu retrato
ainda a vossa mão se levanta para a abençoar.
Agora é ela que, todos os dias,
faz descer do alto do Céu, as bênçãos que pede para vós ao Senhor, todas
aquelas que os santos desejam, bênçãos de sofrimento e de cruz, mas de paciência
e de amor ao mesmo tempo. Gozai, pois, da sua felicidade que deve ser a vossa;
porque Maria está mais bem colocada no Céu do que na terra, melhor entre os
anjos do que entre os homens.
[1]
Belarmino, De aeterna felicitate
sanctorum, liv. IV, cap. V-VIII – Drexelius, Caelorum Beatorum civitas, liv. II, cap. I-V.
[2] S. Tomás, Summ, supp., q. 91, art.
1, ad. 5.
[3] S. João Crisóstomo, In Rom. Hom.
XIV.
[4] Potho, presbítero Prumiense, de Statu domus Dei, liv. IV, cap. XIV. –
De Barry, La Dévotion aux anges, cap. III. – Santa Catarina de Senna, Le Dialogue, cap. XLI.
[5] Gaufredo, Sermo in anniversario obitus sancti Bernardi, no. 18-21.
[6] S. Tomás, Summ. 1ª., 2ª., q. 4,
art. 5 ad 6.
[7] S. Boaventura, in lib. II Sentent.,
Dist. IX, art. unic., q. VII.
[8]
Acta Sanctorum, IX, martii, Acta sanctae Franciscae, lib. III, cap. IX, no.
91.