quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

TRATADO DOS ESCRÚPULOS DE CONSCIÊNCIA - CAPÍTULO IX- QUALIDADES QUE DEVE TER O CONFESSOR DOS ESCRUPULOSOS

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TRATADO DOS ESCRÚPULOS DE CONSCIÊNCIA
PELO
ABADE GRIMES
1854


CAPÍTULO IX
QUALIDADES QUE DEVE TER
O CONFESSOR DOS ESCRUPULOSOS

1.º Caridade. — A mais necessária das virtudes que deve ter o confessor dos escrupulosos é a caridade, porém uma cari­dade doce, paciente, a toda prova; uma caridade que lhe sustente, que lhe ative, que lhe duplique o zelo à proporção que as dificuldades aumentem. Há quem diga que, para ter essa caridade necessária, tão heróica deve ela ser, seria mister que o confessor tivesse sido acometido dessa doença; porquanto só a experiência pode revelar quantos males se sofre, quanto se é digno de compaixão e de caridade quan­do se é atacado de escrúpulo.


2.º Firmeza. — Deve, pois, o confessor ter muita bondade para com essas espé­cies de penitentes; deve consolá-los, su­portá-los, esclarecê-los; mas a essa bon­dade deve aliar também uma grande fir­meza: isto é indispensável para com es­sas pobres almas, que de outro modo nun­ca se renderiam à verdade. Ser bom sem ser firme, ou ser firme sem ser bom, não seria ter as qualidades requeridas; é preciso reunir as duas coisas ao mesmo tem­po, bondade e firmeza: todos compreen­dem a razão disto. E é que, se se for ape­nas bom, o escrupuloso abusará disso, se prevalecerá disso, e se enterrará cada vez mais no mal. Se se for apenas firme, desanimar-se-á, desolar-se-á com isso o es­crupuloso, ele sentirá falta de confiança, e o escopo do confessor não será atingido.

3.º Ciência. — À bondade e à firmeza deve-se juntar necessariamente a ciência. Requerida para qualquer direção, mais particularmente a ciência é requerida pa­ra a direção dos escrupulosos, pois estes estão nas trevas; o seu espírito está ce­gado, as suas idéias embrulhadas; as dú­vidas amontoam-se-lhes na consciência, as angústias transtornam-lhes o coração; eles não sabem explicar a si mesmos o que se passa neles: ao ministro sagrado é que cabe, pois, empunhar o facho, espancar as trevas, dissipar as dúvidas, acalmar as in­quietações, mostrar o caminho, fazer en­trar nele, ensinar a trilhá-lo. É preciso mesmo uma ciência mais do que ordiná­ria, por duas razões: a primeira, porque são trilhas extraordinárias as dos escrupu­losas; a segunda, porque, se não se decide positivamente, claramente, em tom firme e sem réplica, não se dominará essa imagi­nação versátil, não se imporá silêncio a esse espírito inquieto. Pode-se esperar responder a todas as perguntas, abordar to­das as penas, dissipar todos os temores, sem um conhecimento aprofundado das leis divinas e humanas, das circunstân­cias, das aplicações, das exceções, das re­gras teológicas, das sentenças dos doutores e de outras autoridades? Sem dúvida a oração, a piedade, a pureza de intenção, os conselhos dos homens prudentes, a medi­tação suprem um pouco a ciência; mas seria infinitamente pára desejar que se possuísse tudo ao mesmo tempo. Entre­tanto, o escrupuloso não tem de se per­turbar com o receio de não achar um confessor que tenha o grau de ciência de que falamos; tem só que ir com boa fé, obedecer àquele que o dirige, como obede­ceria a Deus, e o Espírito Santo não o deixará sem condutor nas trilhas da sal­vação.

4.º Experiência. — Importa que os con­fessores dos escrupulosos tenham uma cer­ta experiência, ou pelo menos um caráter resoluto unido à prudência; porquanto, se parecerem embaraçados, hesitantes, tími­dos, irresolutos, os escrupulosos se prevalecerão disto; tornar-se-ão ainda mais in­quietos; procurarão embrulhá-los com perguntas finas e hábeis para ver se eles são capazes de julgar, de decidir bem, se não se contradizem, e se as suas de­cisões merecem alguma confiança.

5.° Autoridade. — O confessor dos es­crupulosos deve ter uma grande autori­dade sobre o espírito daqueles que ele dirige; mas esta autoridade deve ele hau­ri-la não somente no seu ministério, mas também na maneira de granjear a con­fiança, a submissão, o interesse do seu penitente. É preciso que não omita nada, desde o princípio, para adquirir sobre ele esse ascendente necessário; que o deixe explicar-se e descobrir-se, que o escute com paciência, que lhe responda com do­çura, que lhe suporte as perguntas, que trabalhe para conhecê-lo escutando-o, e, depois, que aproveite todas as ocasiões pa­ra provar ao escrupuloso que o conhece, lhe diga qual é o seu estado, explique-lhe algumas das suas tentações, das suas dú­vidas, dos seus combates, analise-lhe a sua situação e diga-lhe mesmo algumas vezes: Olhe, para lhe provar que lhe leio no coração, e que ele é transparente aos meus olhos, eis o que você sente, de que é que duvida, o que é que o aflige, o que é que o detém, etc. Então, vendo que o seu con­fessor o conhece tão bem, o escrupuloso conceder-lhe-á a sua confiança, acreditará na palavra dele; e então a obediência tornar-se-lhe-á mais fácil. Ora, o confes­sor deverá aplicar-se a obter essa con­fiança inteira, absoluta, cega, a exigi-la mesmo, ameaçando o escrupuloso de aban­doná-lo se ele não obedecer; e, desde que obedecer fielmente, o escrupuloso ficará curado ou pelo menos tranquilo, e o con­fessor ficará exonerado de um pesado far­do.

Apressemo-nos, entretanto, a dizer ser preciso que os meias empregados para ob­ter esse resultado sejam diferentes segun­do a inteligência, a instrução, a idade, a índole dos escrupulosos: é sempre de acordo com a «moléstia que se deve fazer a escolha dos remédios. Cumpre, pois, dis­cernir a doença, estudar o natural, re­montar aos princípios, examinar os efei­tos, observar os matizes, os sintomas, as fases diversas, os obstáculos, os meios já empregados, e depois agir com sabedoria, precaução e firmeza.


Depois disto, deve o confessor prescre­ver ao escrupuloso alguns remédios utilís­simos, posto que muito conhecidos: 1.º, proibir-lhe a leitura de obras próprias pa­ra despertar os escrúpulos, e a conversa com pessoas escrupulosas; 2.º, se ele for fortemente atormentado, ide (diz o autor do Manual dos confessores, depois de vá­rios outros), ide até o ponto de lhe proi­bir assistir aos sermões em que se trata das verdades terríveis, e de examinar a consciência sobre coisas que lhe causam es­crúpulos mal fundados; 3.º, se o escrúpulo consiste no temor de consentir em maus pensamentos, por exemplo sobre a fé, a pureza ou a castidade, deve o confessor passar afoitamente por sobre essas coisas, e dizer-lhe que esses pensamentos são ten­tações e penas, mas que não há aí nem consentimento nem pecado.