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NO CÉU NOS
RECONHECEREMOS
Pelo
Pe. F. Blot, da Companhia de Jesus
Versão 19.ª edição francesa
pelo
Pe. Francisco Soares da Cunha
III
O reconhecimento no
Céu é um estímulo para o zelo. – Zelo para o alívio de nossos queridos
defuntos. – Zelo para conversão dos pecadores. – Zelo para a nossa própria
santificação. – O Céu começa no tempo e continua na eternidade. A glória só
fará desenvolver o gérmen da graça. – Nós saberemos tudo o que alguma pessoa
fizer em nosso beneficio, e a nossa felicidade, como a sua, será por isso
maior. – Cada florão da coroa duma mãe será uma alegria a mais para todos os
seus filhos.
Finalmente, que a esperança de
torná-los a ver no Céu, de reconhecê-los e de serdes por eles reconhecida,
reanime o vosso zelo e vos faça trabalhar com mais ardor no alívio destas
pobres almas, na conversão dos pecadores e na vossa própria santificação.
As almas do Purgatório são tão
reconhecidas, que as pessoas que as têm aliviado, têm recebido provas da sua
gratidão, antes de se lhes reunirem na bem-aventurança. Foi mesmo concedido muitas
vezes a Santa Gertrudes, mui zelosa em aliviar as almas do Purgatório, ver,
durante a sua vida, e mesmo entreter-se com aquelas que havia socorrido[1].
Um dia, depois da comunhão,
Gertrudes oferecia a adorável Hóstia pelo eterno descanso das almas de todos os
parentes dos membros da sua comunidade. Apenas tinha acabado de fazer este
precioso oferecimento, quando viu sair das trevas um grande número de almas,
semelhantes a faíscas ou estrelas:
“Senhor, exclamou ela, esta multidão
de almas é só de nossos parentes?”
– Sou eu mesmo, respondeu o
Senhor, o mais próximo de vossos parentes: sou vosso pai, vosso irmão e vosso
esposo. Todos aqueles que são especialmente meus, tornam-se, portanto, vossos
parentes e aliados, e quero que eles tenham parte nos frutos das orações que fazeis
pelos vossos parentes”[2].
Continuai, pois, Senhora, a
orar por vosso marido, por vossos filhos e por todos os vossos parentes que já
acabaram a sua peregrinação na terra. Se as suas almas, como espero, estiverem
já em lugar de refrigério, de luz e de paz, as vossas orações aliviarão outros
membros da família de Jesus Cristo, retirando-os das chamas expiatórias para
introduzi-los na infinita bem-aventurança.
Mas não limiteis aos mortos o
vosso zelo; que seja católico ou universal, como a Igreja.
Quantos pecadores e infiéis,
entre os vivos, cujo regresso para Deus podeis apressar por meio dos vossos cuidados,
orações, esmolas e de todos os vossos merecimentos! Tende compaixão da sua
miséria; porque são cegos, levados à destruição de todo o amor pela mesma
desordem de suas mentirosas afeições.
A ninguém se aplica tanto, como aos
condenados, o que S. Paulo dizia dos pagãos: “Nenhuma afeição há neles – Sine affectione” (Rom., I, 31).
Se é verdade que o princípio
natural das nossas afeições subsiste no inferno, só o devemos entender assim
quando ele é mau ou separado de Jesus Cristo. Desta forma, só produz frutos
muito amargos e um ódio eterno onde parecia haver um grande amor.
Mas reconduzindo a seu Pastor
as ovelhas desgarradas, e ao Pai de família os filhos pródigos, preparareis no
Céu a vós mesma um círculo de ternos e reconhecidos amigos, que permitirão se
vos apliquem estas palavras do profeta: “Erguei os olhos e correi a vista em
volta de vós; todos estes que se acham aqui reunidos são vossos. Sereis deles
revestida como dum ornamento; sereis rodeada por eles como uma esposa ou uma
mãe o é por seus filhos, ainda que os não tenhais gerado segundo a natureza.”
(Is., XLIX, 18. – LIV, l . )
Àqueles que tiverdes convertido,
podereis mesmo dizer com o Apóstolo:
“Vós sois meus filhos muito
amados, meus irmãos desejados, minha alegria e minha coroa.” (Gal., IV, 19 -
Philip. IV, 1)
Ao pensar, ao ver
antecipadamente esta coroa de alegria que encontrareis no Paraíso, quando
chegar o tempo de deixardes este triste lugar de desterro, tereis a consolação
de dizer a vós mesma: Vou reunir-me àqueles que enviei para a Pátria, vou
vê-los e reconhecê-los, vou gozar dos testemunhos da sua gratidão e do seu amor.
Podereis mesmo dizer àqueles
que deixardes na terra o que o divino Mestre dizia a seus discípulos:
“Vou preparar-vos o lugar para
que habiteis comigo” (Joan. XVI, 2, 3); “Dentro em pouco já me não vereis, mas
bem depressa me tornareis a ver, porque vou para junto do meu Pai. Também em
breve tempo vos tornarei a ver, e o vosso coração se regozijará, e ninguém vos
tirará a vossa alegria” (Joan., XVI, 26, 22).
Esta alegria de vos tornarem a
ver, Senhora, será tanto maior naqueles que vos conheceram, quanto mais
tiverdes trabalhado na vossa santificação pessoal. Quando nos esforçamos por
santificar-nos, o Céu começa para nós no tempo para continuar na eternidade.
Assim como a planta se despoja
sucessivamente de seus grossos invólucros, até a haste saída do tronco se
coroar duma bela flor, assim pelo seu trabalho santificador, a alma se despoja
de tudo o que tinha de mais terrestre, e se transforma, pouco a pouco, em Jesus Cristo , que se
compara na Escritura à rosa dos campos, ao lírio dos vales (Cant., II, 1). Para
ela, o Céu começa pelo louvável desenvolvimento das suas faculdades, e acabará
pela sua completa dilatação.
Porque, mesmo no Paraíso, não
seremos preguiçosos, mas ativos. Teremos sempre alguma coisa que aprender, pois
que Deus é um fundo inesgotável, e nunca seremos capazes do infinito.
Para termos alguma idéia do
que a glória causará então numa alma, bastaria, pois, estudar e conhecer o que
a graça produz agora na mesma, tirado o sofrimento e a luta, que já não
existirá. Toda a luz e amor que a graça produz em nós, não será o gérmen que a
glória desenvolverá? Ora, o que a graça nos dá presentemente para iluminar os
nossos espíritos e inflamar os nossos corações, é imenso e incalculável.
Imenso e incalculável também
será o eterno peso de glória de que nos fala S. Paulo (II Cor., IV, 17), isto é,
o aumento de esplendor e caridade que nos merecem, a paciência em nossas
provações, a atividade para o bem, o zelo pela salvação das almas e o cuidado
do nosso progresso espiritual.
E assim como os condenados
serão punidos por onde tiverem pecado (Sap., XI, 17), também os bem-aventurados
serão recompensados por onde tiverem merecido.
Toda a mãe que se santifica
educando seus filhos, receberá neles um aumento de recompensa eterna.
Todo o filho que diz para
consigo: Faço este sacrifício para honrar meus pais, para que Deus abençoe meu
pai e minha mãe, prepara-lhes, e prepara a si mesmo, um aumento de eterna
felicidade.
Com efeito, não será somente em
conjunto, se assim posso falar, que reconheceremos no Céu aqueles que nos foram
queridos; conhecê-los-emos até por miúdo, saberemos o que muitas vezes
ignoramos na terra, saberemos tudo o que eles fizeram ou sofreram por nós; veremos
a recompensa que por isto o Senhor lhes concede, e este espetáculo assim como
este conhecimento, será uma das nossas alegrias durante a eternidade.
Que este pensamento vos
console de todos os esforços que tendes feito, de todas as fadigas que tendes
suportado para santificar vossos filhos, santificando-vos também. Que aumento
de recompensa não recebereis disto na glória!
Todos os escolhidos que vos
amaram na terra, o contemplarão e dele se regozijarão em vós. Não será assim que
consideraremos a auréola das virgens, dos mártires e dos doutores, e que,
considerando-a, nos regozijaremos com aqueles doutores, mártires e virgens que
tivemos a felicidade de conhecer e amar?
A especial coroa que vos
espera, será como a auréola da vossa maternidade cristã. Será devida a todos os
santos desejos, a todos os piedosos cuidados, a todas as dores íntimas,
ignoradas na terra por aqueles que foram o seu objeto ou causa, mas que reconhecerão
no reino do Céu, pois cada um destes desejos, destes cuidados e destas dores
terá produzido um florão da imortal coroa que brilhará sobre a vossa cabeça. Os
vossos filhos admirarão esta coroa, contarão todos os seus florões, e serão por
isso eternamente mais felizes.
Para vos excitar a adquirir
ainda mais merecimentos ou direitos à eterna recompensa, que doce e poderoso
incentivo não tendes vós, pois, no vivo desejo de irdes, para aumentar a sua
glória com a vossa, reunir no Céu todos aqueles que mais tendes amado, ou vê-los
aí subir triunfantes para junto de vós!
Mas o Senhor dignar-se-á
deixar-vos ainda por muito tempo no meio de nós, tanto para felicidade de
vossos filhos e de vossos netos, como para edificação de todos os fiéis.
Tal é, pelo menos, o voto, tal
é á súplica.
SENHORA,
Do
vosso muito humilde e dedicado servo,
F. Blot
Strasburgo, 15 de Agosto de 1862.
[1] Les Insinuations de la divine piété, liv.
V. Cap. XV, XVI, XVII, XVIII, XXIV.
[2]
Ib., id., cap. XX.