sábado, 4 de janeiro de 2014

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS - I- QUARTA CARTA Reconhecimento dos parentes ou a família no Céu

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI

NO CÉU NOS
RECONHECEREMOS

Pelo

Pe. F. Blot, da Companhia de Jesus
Versão 19.ª edição francesa

pelo
Pe. Francisco Soares da Cunha


QUARTA CARTA

Reconhecimento dos parentes ou a família no Céu

I

Reflexo dos três principais mistérios da nossa religião na família cristã. – A família recomposta no Céu. – Palavras de Tertuliano. – Exemplo de Nosso Senhor. – Tocante espetáculo que oferecerá o Paraíso. – Jesus e Maria reconhecem-Se. – Maria tem cuidado de Jesus no Sacramento do Seu amor. – Ela conserva sobre o Seu Coração um soberano poder.

SENHORA,

Desejaríeis saber, particularmente, o que acontece à família no Céu, isto é, se Deus ali a recompõe, e se a esperança de possuir vossos parentes na pátria celeste é uma consolação de que possais gozar sem receio, sem escrúpulo e sem imperfeição. Podereis duvidá-lo, quando tantos santos personagens vo-lo afirmam, tanto por seus exemplos como por suas palavras?


Deus coroou de glória e honra a família cristã, e faz brilhar em sua fronte o reflexo dos três principais mistérios da nossa religião. Vede por onde ela começa: – Por um Sacramento que é o sinal sagrado da união do Verbo de Deus com a natureza humana, da união de Jesus Cristo com a sua Igreja, e da união do mesmo Deus com a alma justa.

Quem o disse? Um grande Papa, Inocêncio III[1]. Vede por onde continua: “Maridos, amai vossas mulheres como Jesus Cristo amou a sua Igreja e se entregou por ela; mulheres, amai vossos maridos como a igreja ama a Jesus Cristo e se entrega por Ele”.

Quem o disse? O grande apóstolo S. Paulo (Eph., V, 25).

Vede por onde acaba:  – Pelas relações de origem que os anjos nos enviam, tanto elas nos recordam as da Trindade e nos procuram alegrias; porque o homem é do homem como Deus é de Deus. Homo est de homine, sicut Deus de Deo. Assim o disse um grande doutor, S. Tomás de Aquino[2].

Mas teria mais poder o sopro da morte para destruir esta obra prima, do que a virtude força para lhe conservar o esplendor? E visto que o amor é forte como a morte (Cant., VIII, 6), dar-se-á que a caridade de Deus, que criou a família, que a caridade do homem que lhe santifica o uso, não queira ou não possa refazer eternamente no Céu o que a morte desfez temporariamente na terra?

Tertuliano dizia:

“Na vida eterna, Deus não separará aqueles que unira na terra, cuja separação também não permite nesta vida inferior. A mulher pertencerá a seu marido, e este possuirá o que há de principal no matrimônio – o coração. A abstenção e ausência de toda a comunicação carnal, nada lhe fará perder. Não será tanto mais honrado um marido quanto mais puro for?”[3].

Aquele que nos deu este preceito: Não separe o homem o que Deus uniu (Math., XIX, 6), deu-nos também o exemplo. O Verbo contratou com a humanidade um divino desponsório: repudiou ele porventura a sua esposa subindo ao Céu?

Pelo contrário, fê-la assentar consigo à direita do seu Eterno Pai.

O Homem Deus tem uma Mãe que é bendita entre todas as mulheres: dedignou-Se Ele de fazê-la participante da Sua glória? Depois de associá-la à Sua Paixão na terra, fê-la gozar das alegrias da Sua Ressurreição e dos esplendores do Seu triunfo, atraindo ao Céu, após de Si, o Seu corpo e Sua alma.

Jesus Cristo tinha dado a alguns homens o nome de irmãos: desconhecê-los-ia mais tarde? Não. Reconheceu os Seus Apóstolos no martírio que sofreram por Ele, e fez-Se reconhecer por eles no esplendor de que os cerca na Corte Celeste.

Mas o Filho de Deus que assim Se dignou recompor, em redor de Si, a sua família por natureza e por adoção, não quereria recompor da mesma forma, no Paraíso, esta cristã e religiosa família, que é a vossa e também a sua? Quer, sim, e o Céu oferecerá um espetáculo não menos tocante do que admirável.

Assim como a primeira pessoa da Augustíssima Trindade, dirigindo-se à segunda, lhe diz: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei (Act., XIII, 33); e a segunda diz à primeira, com o acento da piedade filial: Meu Pai, Pai justo, Pai santo, guarda aqueles que me foram dados em teu nome para que sejam um, como nós somos um, vós em mim e eu neles (Joan., XVII, 11, 22-25): assim também uma criatura humana se voltará para outra e lhe dirá com ternura: Meu filho, minha filha! E do coração desta subirá para aquela, esta exclamação de amor: Meu Pai!

Assim como o único Filho de Deus se regozija de poder dizer a uma mulher: Vós sois minha Mãe; também inumeráveis escolhidos exultarão de alegria dizendo igualmente a uma mulher: Minha mãe!

Ora, se fosse verdade que os membros da mesma família se não reconhecessem no Céu, Jesus não reconheceria já Sua Mãe nem seria reconhecido por Ela. Não será horrível pensar nisto e muito mais dizê-lo? Um piedoso autor estava por certo mais bem inspirado, quando escrevia:

“A Santíssima Virgem conserva intacta a Sua autoridade maternal sobre o corpo do Seu Filho, Nosso Senhor, mesmo depois da Ressurreição e Ascensão; porque o Seu direito é perpétuo e inalienável.

Depois de se ter deleitado, durante a Sua vida mortal, na submissão a Maria, Jesus compraz-Se ainda em mostrar-Se Seu filho na bem-aventurada imortalidade, e em reconhecê-lA por Sua Mãe. Temos a prova disto nessas numerosas aparições, em que Ele se tem feito ver sob a forma de um menino entre os braços de Sua Mãe, e se tem mesmo dado a alguns Santos por Suas virginais mãos. Na glória, os parentes conservam um contínuo cuidado de seus próximos, e particularmente dos filhos, que são uma parte deles mesmos, e por assim dizer, outros eles. É, pois, indubitável que a Mãe de Jesus tem sempre o pensamento unido a tudo o que toca ao corpo do Seu querido Filho, tanto na obscuridade do Sacramento como nos esplendores da glória. Segue-O, do alto do Céu, com a vista e com o coração em todos os lugares em que Se encontra presente na terra, pela consagração eucarística”.[4]

A eterna duração desta maternal ternura e desta filial piedade, explica e justifica o belo título de Nossa Senhora do Sagrado Coração, dado a Maria pelos nossos contemporâneos.

“Tomando a natureza humana, disse o sr. Bispo de Rodes, o Verbo Divino apropriou-se de todos os elementos que a compõem, no estado de perfeição a que a elevou a união hipostática – Debuit per omnia fratribus similiari (Hebr., II, 17).

Nosso Senhor possui no mais alto grau o sentimento do amor filial, um dos mais nobres do coração humano, e longe de Se despojar dele depois da ressurreição e da Sua gloriosa ascensão, tê-lo-ia dilatado, fortificado e elevado no seu mais sublime poder, se fora permitido dizê-lo, no Seu estado de bem-aventurada transfiguração, em que está assentado à direita de Seu Pai.

Daqui é fácil de concluir que a augusta Virgem Maria possui sobre o Seu divino Coração um soberano poder, de que Ela é verdadeiramente a Senhora ou a Rainha”[5].





[1] Inocêncio III, Prima collectio Decretalium, titul. XL, epist., t. I, p. 600, édit. Baluz.
[2] S. Tomas, Summ. I, p., q. 93, art. 3.
[3] Tertuliano, De Monogamia, cap. X.
[4] De Machault, Le Trésor dês grands biens de la T. S. Eucharistie, Nat. de la T. S. Vierge, III. p. 
[5] Notice sur l’association em l’honneur de N. D. du  Sacré-Coeur, no. 1.