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NO CÉU NOS
RECONHECEREMOS
Pelo
Pe. F. Blot, da Companhia de Jesus
Versão 19.ª edição francesa
pelo
Pe. Francisco Soares da Cunha
QUARTA CARTA
II
A segurança de se
reconhecerem os parentes no Céu tem consolado todos os santos. – O B. Henrique
Suso. – S. Tomás de Aquino. – S. Francisco Xavier. – Santa Tereza. – O seu
pensar a respeito da felicidade de uma mãe. – Felizes as pais que têm filhos
religiosos.
Esta certeza de uma especial
união com os nossos parentes na eterna bem-aventurança, é uma consolação tão
pura e tão doce que tem chegado a fazer as delícias dos próprios santos. Por
todos os ventos do Céu, do Oriente, do meio dia, do Ocidente e do Setentrião,
nos chegam vozes que testemunham esta verdade.
A Alemanha apresenta-nos,
entre muitos outros, o B. Henrique Suso, religioso da Ordem de S. Domingos. O
seu nome era Henrique Besg, mas preferiu o nome de Suso, que era o de sua mãe,
para honrar a sua piedade e recordar-se dela incessantemente[1].
Esta virtuosa mãe morreu numa
Sexta-feira Santa, à mesma hora em que Nosso Senhor foi crucificado. Henrique
estudava então em Colônia.
Ela apareceu-lhe durante a noite, toda resplandecente de glória:
“Meu filho, lhe disse, ama com
todas as tuas forças o Deus onipotente, e fica bem persuadido de que Ele nunca
te abandonará em teus trabalhos e aflições. Deixei o mundo; mas isto não é
morrer, pois que vivo feliz no Paraíso, onde a misericórdia divina recompensou
o imenso amor que eu tinha à Paixão de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
– Ó minha santa mãe, ó minha
terna mãe, exclamou Henrique, amai-me sempre no Céu, como fizestes na Terra, e
não me abandoneis jamais nas minhas aflições!”
A bem-aventurada desapareceu,
mas seu filho ficou inundado de consolação[2].
Em outra ocasião viu a alma de
seu pai, que tinha vivido muito apegado ao mundo. Apareceu-lhe cheia de
sofrimentos e aflições, fazendo-lhe assim compreender os tormentos que sofria
no Purgatório, e pedindo-lhe o socorro das suas orações.
Henrique derramou tão
ferventes lágrimas que alcançou quase logo a sua entrada no Paraíso, donde ele
veio agradecer-lhe a sua felicidade.[3]
Os gauleses poderiam
reivindicar, quase tanto como os italianos, o Anjo da escola. A alma de S.
Tomás de Aquino não estava absorvida pela ciência, mas a caridade conservava em
seu coração um lugar distinto para seus irmãos e irmãs segundo a natureza.
Durante a sua estada em Paris,
uma de suas irmãs lhe apareceu para dizer-lhe que estava no Purgatório.
Pediu-lhe que dissesse um certo número de missas, esperando que a bondade de Deus
e a intercessão de seu irmão a livrariam das chamas.
O Santo pediu aos seus alunos que orassem e
dissessem missas pela alma de sua irmã.
Depois disto, quando ele
estava em Roma, tornou-lhe a aparecer, dizendo que estava livre do Purgatório e
já gozava da glória do Céu, por virtude das missas que ele tinha dito ou feito
dizer.
“– E quanto a mim, minha irmã,
exclamou o Santo, nada sabeis?”
– Quanto a vós, meu irmão, sei
que a vossa vida é agradável ao Senhor. Vireis muito breve reunir-vos a mim;
mas o vosso diadema de glória será muito mais belo do que o meu.
– E onde está meu irmão Landulfo?
– Está no Purgatório.
– E meu irmão Reinaldo?
– Está no Paraíso entre os
mártires, porque morreu pelo serviço da Santa Igreja[4]”.
Na Espanha, encontramos S.
Francisco Xavier, partindo para as Índias, e passando perto do castelo de seus
pais. Excitaram-no para que entrasse em casa de sua família, representando-lhe
que, deixando a Europa para talvez nunca mais a ver, não podia honestamente
dispensar-se de visitar os seus naquela ocasião, e de dizer um último adeus a
sua mãe que ainda vivia.
Não obstante todas estas
solicitações, o Santo seguiu caminho direto, e somente respondeu que se
reservava para ver seus pais no Céu, não de passagem e com o pesar que os
adeuses causam ordinariamente, mas para sempre e com uma alegria verdadeiramente
pura[5].
Encontramos a ilustre
reformadora do Carmelo, a seráfica Teresa de Jesus. Dentro das grades do seu
convento, apesar da austeridade da sua vida, cultivava em seu coração as puras
afeições da família; e esperava que o Deus que promete o cêntuplo a quem deixar
tudo pelo seu nome (Math., XIX, 29), lhe restituiria centuplicado o amor dos
seus parentes no Céu.
Uma tarde, Teresa,
encontrava-se tão incomodada e aflita que julgava não poder fazer oração, e
tomou o seu Rosário para orar verbalmente sem algum esforço de espírito. Que
fez Nosso Senhor para a consolar? Ela mesma no-lo diz por estas palavras:
“Tinham decorrido apenas
alguns instantes, quando um arrebatamento veio, com irresistível impetuosidade,
roubar-me a mim mesma. Fui transportada em espírito ao Céu, e as primeiras
pessoas que vi foram meu pai e minha mãe”[6].
Sabeis, Senhora, que uma igual
graça foi concedida à Senhora Acaria, que depois veio a ser carmelita no mesmo
convento de Pontoise, onde uma de vossas irmãs ora por vós e se santifica entre
as filhas de Santa Teresa, e que é agora honrada sob o nome de Beata Maria da
Encarnação? Ela viu um dia seu esposo, um ano depois dele ter falecido, no meio
dos santos do Paraíso[7].
Deus compraz-se em tomar o
coração da esposa cristã, como recebeu em suas mãos o pão no deserto (Marc. VI.,
41), para o multiplicar, abençoando-o tantas vezes quantas lhe dá filhos, que
estão esfaimados do seu amor, aos quais ela deve saciar, não só para glória do
Senhor, mas também para a sua própria felicidade.
Santa Teresa louva uma piedosa
senhora que, para ter posteridade, praticava grandes devoções e dirigia ao Céu
ferventes súplicas. “Dar filhos à luz que, depois da sua morte, pudessem louvar
a Deus, era a súplica que incessantemente dirigia ao Céu. Sentia muito não
poder, depois do seu último suspiro, reviver em filhos cristãos, e oferecer
ainda por eles ao Senhor um tributo de bênçãos e de louvores”.
A austera carmelita diz de si
mesma:
“Penso algumas vezes, Senhor,
que vos comprazeis em derramar sobre aqueles que vos amam a preciosa graça de
lhes dar, em seus filhos, novos meios de vos servir.”
Diz ainda: “Demoro-me muitas
vezes neste pensamento: Quando estes filhos gozarem no Céu das eternas
alegrias, e conhecerem que as devem a sua mãe, com que ações de graças lhe não
testemunharão o seu reconhecimento, e com que reduplicada ventura se não
sentirá palpitar o coração desta mãe em presença da sua felicidade!”[8].
Eis o que pensaram, eis o que
disseram, a respeito da família recomposta no Céu, santos que têm direito à
auréola da virgindade, e que passaram nalguma Ordem ou comunidade religiosa
quase toda a sua vida.
Livrai-vos, pois, de acreditar
que o filho que, desde seus primeiros anos, se consagra a Deus para sempre,
olvide seu pai, sua mãe e seus irmãos. Pelo contrário, o seu coração torna-se o
depósito da caridade.
Se, pelas fendas das paixões,
ela se escapasse de todos os outros para só deixar neles a indiferença e o
esquecimento, o seu guardaria este precioso tesouro para incessantemente o
derramar por todos os canais da virtude.
Tanto o religioso ancião, como o jovem, é ouvido muitas
vezes pelo seu bom anjo durante o silêncio do sacrifício ou da oração, dizendo
ao Senhor: Memento, lembrai-vos de meus
parentes que ainda vivem; memento,
lembrai-vos de meus parentes que já
morreram; e abençoai uns e outros para além de quanto o meu coração pode
desejar.
Feliz mãe que tivestes a
ventura de poder dar a Jesus dois filhos e duas filhas para glória do seu nome
e amor do seu Coração; não temais que estes filhos sejam infiéis ao quarto
preceito da lei divina.
Frutos separados da família,
os religiosos, voltam-se muitas vezes, pela mesma força da sua tendência à
perfeição da caridade, para a árvore que os produziu, a fim de a louvar e
abençoar. Todas as bênçãos, temporais ou espirituais, que lhe obtêm de Deus,
serão conhecidas somente no Céu.
[1] Oeuvres du B. Henri Suso, traduzidos por
Cartier, prólogo p. XIII.
[2]
Idem, idem, Vida, no. 39.
[3]
Ib., Vida, no. 8.
[4] Acta sanctorum, VII martii, auctore
Guillelmo de Troco, cap. VIII, no. 45
[5] Bouhours, La vie de Saint François Xavier, 1. 1.
[6] Vida de Santa Tereza, escrita por ela
mesma, cap. XXXVIII.
[7] Boucher, Histoire de la B.
Marie de l’Incarnation, publicada pelo Exmo. Bispo
d’Orleans ; liv. VI, cap. VI, t. II, 264, 265.
[8] Le livre des fundations, chap. XI, XX, XXII.