Por um indigno servo de Nosso Senhor
São João Maria Vianney
(Mons. Francis Trouchu)
Que há inferno e anjos decaídos condenados a ele é dogma da nossa fé católica. Conforme ela, o demônio é um ser pessoal e existente e não uma ficção da fantasia.
No mundo, é verdade, a sua ação permanece oculta, porém, às vezes, com permissão de Deus, se manifesta exteriormente. É que sem dúvida vê ameaçada sua influência nesta ou naquela parte da terra, e como não pode atacar diretamente a Deus, o invisível malfeitor se esforça em esterilizar os trabalhos dos seus obreiros.
Por espaço de 35 anos – de 1824 a 1858 – o Cura d’Ars foi alvo das perseguições exteriores do maligno. Se satanás tivesse conseguido roubar-lhe o sono e o repouso, tirar-lhe o gosto da oração, das austeridades e dos trabalhos apostólicos e o obrigasse a deixar o ministério das almas!... Mas o inimigo da salvação foi descoberto e vencido. “As lutas com o demônio, diz Catarina Lassagne, tornaram o Pe. Vianney caritativo e desinteressado”. O péssimo astuto não contava com esse resultado.
As perseguições infernais começaram no tempo em que o Santo Cura meditava no plano da Providência [isto é, o orfanato/educandário de Ars], para a qual acabava de adquirir uma casa, quer dizer, durante o inverno de 1824 a 1825.
Foram a continuação de violentas tentações interiores. Durante o curso de uma enfermidade bastante grave, devida talvez ao que ele chamava “loucuras da juventude” [isto é, suas heróicas penitências], o Pe. Vianney, tentado por pensamentos de desesperação, cria-se próximo à morte. Parecia-lhe ouvir repetidamente, dentro de si mesmo, uma voz que lhe dizia: “Agora cairás no inferno”. Mas o Santo recuperava a paz da alma avivando sua fé em Deus. Para turbar-lhe a paz exterior, começou o demônio com inquietações insignificantes. Cada noite, o pobre Cura d’Ars ouvia rasgarem-se as cortinas do leito. Pensou que se tratasse de vulgares roedores. Deixou um pau na cabeceira, mas tudo em vão. Quanto mais sacudia as cortinas para pegar os ratos tanto maior era o ruído dos rasgões, e no dia seguinte, quando esperava ver as cortinas feitas em pedaços, encontrava-as intactas. Essas manobras duraram algum tempo.
O Cura d’Ars não pensou, a princípio, tratar-se do espírito das trevas. “Não era nada crédulo, e dificilmente dava fé aos fatos extraordinários”, tanto que, mais tarde, quando se lhe ofereciam casos de possessão diabólica, conduzia-se sempre com a maior prudência. “Perguntei-lhe um dia, diz o Pe. Dufour, missionário de Belley, que pensava de uma pessoa que se enfurecia em presença de um sacerdote ou de um crucifixo. Respondeu-me: ‘Tem um pouco de nervos, um pouco de loucura e um pouco do grappin’. – Grappin era o nome com que ele de ordinário designava o demônio. – Quanto a ele [mesmo], conservando perfeito domínio de si mesmo em meio de um trabalho inaudito, não podia ser tido por alucinado. Muito sério e inimigo da mentira para inventar comédias, jamais teria falado em obsessões do demônio se não fossem reais. Tal era, de outro lado, a convicção de quantos dele se aproximavam.
Ora, no silêncio duma noite ouviram-se pancadas e gritos no pátio da casa paroquial. Seriam acaso ladrões que cobiçavam os preciosos presentes do visconde de Ars, guardados num cofre no sótão? O Pe. Vianney desceu às pressas e não viu nada. Contudo, nas noites seguintes, receou ficar só.
– “Depois de muitos dias, contou André Verchere, carvoeiro da vila, jovem de 28 anos, robusto e galhardo, que o Pe. Vianney ouvia em sua casa um ruído extraordinário, uma tarde veio ao meu encontro e me disse: ‘Não sei se são ladrões... Queres dormir na casa paroquial?’
– ‘Com muito gosto, sr. Cura. Vou carregar o meu fuzil’. Chegada a noite, dirigi-me à casa canônica. Conversei com o sr. Cura, junto ao fogão, até pela volta das dez. Então me disse ele: ‘Vamos dormir’. Cedeu-me seu quarto e ele ocupou o contíguo. Eu não podia dormir. A uma hora ouvi sacudir com violência o ferrolho e a tranca da porta que dava para o pátio. Simultaneamente, contra a mesma porta ressoavam pancadas de maça, enquanto a casa se enchia de um ruído atordoador como de várias carroças. Tomei o fuzil e me precipitei para a janela, que abri com violência. Olhei e não vi nada. A casa estremeceu por um quarto de hora. Minhas pernas fizeram o mesmo, e disso me ressenti por espaço de 8 dias. Quando o estrépito começou, o sr. Cura acendeu uma lâmpada e veio ter comigo.
– Ouviste alguma coisa? Perguntou-me.
– Sim. Pois não vê Vossa Reverendíssima que me levantei e estou com o fuzil?
A casa estremecia como se a terra tremesse.
– Tens medo? Perguntou-me ainda o sr. Cura.
– Não; não tenho medo, porém sinto que me faltam as pernas. A casa vai desabar.
– Que pensas ser isso?
– Creio ser o diabo [respondeu o guarda].
Quando cessou o barulho, voltamos para a cama. O sr. Cura na noite seguinte pediu-me ficasse com ele novamente. ‘Sr. Cura, respondi-lhe, já levei susto que chega’”.
(...) Diante da negativa do carroceiro, o sr. Cura dirigiu-se ao burgomestre, o qual mandou à casa paroquial seu filho Antônio, bom rapaz de 26 anos e aquém deu por companheiro de armas João Cotton, jardineiro do castelo de Ars, dois anos mais velho do que ele. Depois da oração da noite foram para a casa paroquial, onde dormiram umas doze noites. “Não ouvimos nenhum ruído, diz Jão Cotton. Não assim o sr. Cura, que dormia no quarto vizinho. Mais de uma vez o seu sono foi perturbado e então nos perguntava: - ‘Meninos, não ouvistes alguma coisa?’ Não; respondíamos. Nenhum ruído chegou até nós. Apesar disso, por um momento, percebi um som semelhante ao que se produz na lâmina de uma faca cortando rapidamente a água numa vasilha. Tínhamos colocado os nossos relógios junto ao espelho do quarto. ‘Estou admirado, disse-nos o sr. Cura, que os vossos relógios não estejam feitos em pedaços’”.
Muitos outros jovens, ente eles Edemos Scipiot, administrador do castelo, puseram-se de sentinela no campanário. Tão pouco eles ouviram ruído algum que lhes causasse suspeitas. Somente, conforme diz Madalena Scipiot, filha de Edemo, “eles viram, certa noite, uma como língua de fogo que se precipitava sobre a casa canônica”.
Donde pois procediam os ruídos misteriosos? O Pe. Vianney intranqüilo, porém prudente, ainda não ousava emitir a sua opinião. Uma noite em que a neve cobria o solo, ressoaram gritos no pátio. “Era como um exército de austríacos ou de cossacos que confusamente falasse uma língua que não se entende”. O Cura d’Ars abriu a porta. Ao pálido reflexo da neve, que mesmo nas noites sem luar costuma alumiar fracamente, não viu rasto de ninguém. Não havia lugar para dúvidas. Não se tratava de vozes humanas; tão pouco era coisa angélica ou divina, mas qualquer coisa de horrível e de infernal. Além disso, os calafrios de medo que sentia não revelavam a presença do misterioso personagem? “Achei que era o demônio porque tive medo, dizia mais tarde a Mons. Devie; Deus não assusta ninguém”. Convencido pois de que nem paus ou fuzis poderiam alguma coisa contra o inimigo, “despediu os guardas e ficou só no combate”.
Com efeito, foi uma verdadeira batalha. E para sustentá-la, o Pe. Vianney não tinha mais recursos que a paciência e a oração. “Perguntei-lhe uma vez, refere seu confessor, como repelia tais ataques. Respondeu-me: ‘Volto-me para Deus, faço o sinal da Cruz e digo algumas palavras de desprezo ao demônio. Além disso, noto que o barulho é muito maior e que os assaltos se multiplicam quando, no dia seguinte, vem algum grande pecador”. Essa averiguação muito o consolava nas suas insônias. “A princípio tinha medo, dizia confidencialmente ao sr. Mermod, um de seus melhores amigos, mas agora estou contente. É muito bom sinal; a pesca do dia seguinte é sempre excelente”. O grappin é tolo. Ele mesmo anuncia a conversão de grandes pecadores. “Está furioso... Tanto melhor”.
Chegamos ao tempo do trabalho sobre-humano, quando o Pe. Vianney passava a maior parte do dia no confessionário. Chegada a noite, apesar de sentir-se extenuado, não se deitava sem antes ler algumas páginas da Vida dos Santos. Essa era a hora que ele aproveitava para se flagelar de espaço em espaço com sangrentas disciplinas... Feito isso, estendia-se sobre a pobre enxerga e procurava dormir. Já ia querendo dormir quando, subitamente, era tirado de seu repouso por gritos lúgubres, vozes e golpes formidáveis. Dir-se-ia que o malho dum ferreiro fazia em pedaços a porta da casa. De repente, sem que se movesse um ferrolho, o Cura d’Ars percebia com horror que o demônio estava junto dele. “Eu não lhe dizia que entrasse – contava meio brincando, meio sério – mas ele entrava do mesmo modo”. A festa ia começar. O espírito do mal permanecia invisível, porém sua presença se deixava sentir. Derrubava as cadeiras, sacudia os pesados móveis do quarto, e gritava com voz aterradora: “Vianney, Vianney... Comilão de batatas... Ah! Ainda não estás morto... Não me escaparás...” Ás vezes, imitando os animais, grunhia como um urso, uivava como um cachorro e, atirando-se sobre as cortinas, as sacudia com violência. Outras vezes, conta o Irmão Atanásio, conforme as suas próprias recordações e os relatos de Catarina Lassagne, o demônio imitava o ruído que faz o martelo quando se cravam pregos na parede ou quando se rola um tonel com arcos de ferro; tocava tambor sobre a mesa, sobre a estufa e sobre o pote d’água...
“Cantava às vezes, com voz áspera, e o Cura d’Ars nos dizia troçando: “O grappin tem voz muito feia!”
“Também sentia como se lhe passassem a mão pelo rosto ou como se ratos lhe corressem pelo corpo. Certa noite ouviu o ruído dum enxame de abelhas. Levantou-se e acendeu a vela. Foi correr a cortina para espantá-las, mas não viu mais nada. Outra vez o demônio experimentou tirá-lo do leito atirando-lhe a enxerga ao chão”. O P. Vianney, mais assustado do que nas outras vezes, fez o sinal da cruz e o demônio o deixou tranqüilo.
Certa noite, pouco depois de se ter deitado, notou que o leito, de ordinário tão duro, estava extraordinariamente macio, no qual se ia afundando como num divã. Ao mesmo tempo uma voz irônica repetia: “Eia, Eia!... Vamos, vamos”; e com outras palavras irrisórias induzia-o à sensualidade. “O P. Vianney benzeu-se e tudo cessou”.
Engenhoso em inventar trapaças lúgubres, o espírito das trevas parecia multiplicar-se ou correr por toda a casa. No quarto um bando horrendo de morcegos pousava nos vidros e se prendiam às cortinas da cama. No sótão, durante horas a fio, parecia passar um rebanho de ovelhas por sobre o quarto. No refeitório ouvia-se o ruído como que de um cavalo que tivesse subido ao teto para de lá cair com as quatro ferraduras sobre o pavimento.
As farsas infernais cansaram o pobre Cura d’Ars, porém nunca o abateram. Apesar das terríveis insônias, quando no relógio da torre soavam as doze da noite, o P. Vianney pensava nos seus penitentes que se renovavam sem cessar e que o estavam esperando na igreja. Levantava-se imediatamente e dirigia-se à igreja. Mas à custa de que esforços!... “Costumava vir aos nossos ensaios de canto para nos animar, diz uma das paroquianas. Algumas vezes chegava muito pálido. Perguntávamos se estava doente. Não, respondia, mas o grappin me fez tantas... que esta noite não dormi”.
Às vezes, o sinistro companheiro fazia péssima companhia ao P. Vianney. “Um dia, conta um missionário de Point d’Ain, o sr. Cura fazendo-me subir a escada à sua frente me dizia: “Oh! Meu amigo, isto agora não é como ontem; lá era o demônio que subia diante de mim; dir-se-ia que calçava botas”.
Numa manhã de dezembro de 1826, muito antes de amanhecer o dia, o Cura d’Ars partiu a pé para Saint-Trivier-sur-Moignans, onde ia pregar os exercícios do jubileu. Caminhava rezando o Rosário. Em torno dele o ar estava cheio de luzes sinistras, a atmosfera como que abrasada e de cada lado do caminho os arbustos lhe pareciam de fogo. Era satanás que, prevendo os frutos felizes que o P. Vianney iria produzir nas almas, seguia-lhe os passos, envolto no fluido ardente que o atormenta. Fazia isso para atemorizá-lo e desanimá-lo. Ele, porém, continuava o seu caminho.
O Cura d’Ars, que silenciava todas as coisas capazes de granjear-lhe elogios, referia com prazer, até mesmo na igreja, durante o catecismo, as trapaças que o demônio lhe fazia. Sabemos que era incapaz da mais leve mentira e que, apesar de seu trabalho extenuante, conservou sempre o mais perfeito domínio de si mesmo. Entretanto, mais de um, mesmo entre os seus familiares, teria podido exigir outras provas além de suas palavras e do testemunho já longínquo do carroceiro Verchere.
O Pe. Raymond, que durante 8 anos foi seu auxiliar e o Pe. Toccaner, que o foi 6 anos, não ouviram jamais os ruídos extraordinários. “Escute o grappin”, dizia algumas vezes [o Pe. Vianney] ao Pe. Raymond, mas em vão este aguçava o ouvido. Por que só o Cura d’Ars percebia os ruídos? Era porque as vexações do inimigo só visavam a ele. Contudo, em circunstâncias excepcionais, outras pessoas dignas de todo o crédito puderam comprovar por si mesmas as infestações do inimigo.
Lá por 1820, o Pe. Vianney tinha levado, de sua igreja para a casa paroquial, um velho painel que representava a Anunciação. O quadro estava pendurado junto à escada. Então satanás encolerizou-se contra aquela simples imagem e cobriu-a de imundícies. Tiveram que tirá-la daquele lugar. “Muitos, afirma o Pe. Monnin, foram testemunhas de tão odiosas profanações, ou ao menos puderam ver sensíveis sinais delas! O Pe. Renard diz ter visto aquela pintura indignamente manchada. A figura da Virgem não podia mais ser reconhecida”.
Margarida Vianney ia de vez em quando visitar o santo irmão. Durante uma das noites que passou na casa paroquial, ouviu o Cura d’Ars sair do quarto, antes da hora, para ir à igreja. “Poucos momentos depois, conta ela mesma, ouvi perto da minha cama um estrondo muito violento, como se quatro ou cinco homens despedaçassem com golpes fortíssimos a mesa e o armário... Tive medo, levantei-me, acendi a luz e vi que tudo estava em ordem. Pensei que talvez estivesse sonhando. Deitei-me novamente e apenas estava na cama, quando o estrépito se renovou. Desta vez foi muito maior. Vesti-me à toda a pressa e corri à igreja. Quando o meu irmão voltou para a casa canônica, contei-lhe o que se tinha passado: “Oh! Minha filha, replicou, não há porque temer; é o demônio. Nada pode contra ti; a mim também me atormenta. Algumas vezes me agarra pelos pés e me arrasta pelo quarto. Faz isso porque converto almas para Deus”.
A senhorita Maria Ricotier, de Gleizé, no Lionado, estabelecida em Ars, de sua casa ouviu certos ruídos que lhe pareceu virem da casa paroquial. Uma vez, de modo especial o barulho lhe pareceu mais extraordinário. De manhãzinha foi falar com o Pe. Vianney. “Também ouvi, respondeu. Provavelmente são os pecadores que se encaminham para Ars”.
O sr. Aniel, escultor de Montmerle, contava certo dia ao conhecido hoteleiro Francisco Pertinand: “Não compreendo como se possa dormir numa casa onde se produzem ruídos tão aterradores. Fiquei várias noites enquanto fazia as imagens encomendadas pelo Pe. Vianney”.
Dionísio Chaland, de Bouligneux, jovem estudante de filosofia, confessou-se com o Cura d’Ars num dia de junho de 1838. Foi recebido, por um favor especial, no próprio quarto da Santo. “Ajoelhei-me no seu genuflexório, conta o mesmo estudante. Quase pela metade da confissão um tremor geral agitou toda a peça; o genuflexório se moveu, bem como todo o resto. Levantei-me aterrorizado. O sr. Cura agarrou-me por um braço. “Não é nada, disse ele; é o demônio”. No fim dessa confissão, o Pe. Vianney decidiu sobre o meu futuro. “É preciso que te tornes sacerdote”. Minha emoção foi muito grande (...)”.
Esse mesmo Dionísio Chaland, mais tarde foi hóspede na casa do mestre-escola de Ars. Em certas noites a curiosidade podia mais do que o medo e alguns de seus condiscípulos iam à porta da casa paroquial para escutar o estrépito que, conforme a fama, o demônio fazia. Pois bem; eles ouviram “mais de vinte vezes, geralmente por volta da meia noite, uma voz gutural que repetia: Vianney, Vianney!”
Em 1842 um policial de Messimy chamado Napoly, que passava por grandes provas, quis consultar o Cura d’Ars. Chegou à aldeia já noite adiantada. Como estivesse esperando à porta da casa paroquial, ouviu, no silêncio da noite, o horripilante chamado, tantas vezes repetido. O quarto do Santo iluminou-se debilmente e este apareceu em seguida, alumiando o caminho com a lanterna. “Sr. Cura, parece que vos atacam, – gritou o bom do Napoly – mas estou aqui para vos defender!” –“Ah! Isso não é nada, meu amigo... é o grappin!” Enquanto dizia isso, tomava a mão de Napoly, que estava tremendo. “Vem comigo”, acrescentou, e conduziu o defensor de ocasião a sacristia, onde, sem dúvida, como diz o Irmão Atanásio, as coisas terminaram do melhor modo possível. Soube mais tarde que aquele homem se tornou bom cristão”.
Em março de 1852, uma jovem religiosa, da Congregação do Menino Jesus, chamada Irmã Clotilde, de Ligneux (Loire), quis confessar-se com o santo sacerdote. Passou um dia e, chegada a noite, como muitos outros penitentes, teve que acomodar-se no vestíbulo, junto ao campanário. Por volta de uma e meia da madrugada, o Pe. Vianney abriu a porta. Todos se precipitaram atrás dele. Mas, de repente, voltou-se e apontando com o dedo a religiosa desconhecida, que timidamente ficara no canto mais escuro, disse: “Deixai vir aquela jovem”. Irmã Clotilde seguiu-o. Apenas o Santo se adiantou para a nave [da igreja], ouviram-se estranhos rumores, como uma alteração de homens encolerizados. “Não é nada, murmurou o Cura d’Ars ao ouvido da pobre irmã assustada, é o demônio que faz isso”.
Um fato (...) no qual o Pe. Vianney e a multidão viram uma agressão mais notável do demônio, comoveu os peregrinos e os confirmou no convicção de que o espírito maligno agredia exteriormente o Cura d’Ars. Era segunda ou terça-feira das Quarenta Horas [de adoração reparadora, por ocasião do carnaval] – 23 ou 24 de fevereiro de 1857 – . Naquela manhã o Santo se pusera a ouvir confissões, antes da hora de costume, pois era muito grande a multidão na igreja, onde estava exposto o Santíssimo Sacramento. Pouco antes das sete, as pessoas que passavam diante da casa paroquial viram que saíam chamas do quarto do Pe. Vianney. Correram a avisá-lo, no momento em que ele deixava o confessionário para celebrar a santa Missa. “Sr. Cura, parece que há fogo no seu quarto”. Enquanto lhes entregava a chave para que fossem apagá-lo, respondia sem muita preocupação: “Esse vilão do demônio, não podendo pegar o pássaro, queima-lhe a gaiola”.
Saiu pois da igreja e entrando no pátio encontrou-se com uns homens que acabavam de tirar os restos fumegantes do seu pobre leito. Nada lhes perguntou. Voltou à igreja e entrou na sacristia. Naturalmente entre os penitentes que enchiam a nave produziu-se certo movimento. O Ir. Jerônimo, o solícito sacristão, pensou que o Santo ignorasse o motivo. “Sr. Cura, a sua cama acaba de queimar-se”. – “Pois sim”, replicou o interessado, em tom de indiferença, e tranqüilo, como de costume, foi celebrar a Missa.
O Pe. Alfredo Monnin, jovem missionário de Pont d’Ain, substituto do Pe. Toccanier, que fora pregar missão em Massigneux, perto de Belley, entrou precipitadamente no quarto incendiado. Logo notou as características do misterioso incêndio.
– “A cama, contou ele, o dossel, as cortinas, e quanto havia em derredor, estava tudo queimado. O fogo só se deteve ante o relicário de Santa Filomena, posto sobre uma cômoda, e a partir desse lugar traçou, com precisão geométrica, uma linha reta, de alto a baixo, destruindo tudo quanto estava além.
Assim como apareceu sem causa aparente, assim também se extinguiu por si mesmo. Coisa verdadeiramente notável e em qualquer hipótese prodigiosa é que não se tenha propagado nas espessas cortinas de sarja, nem incendiado o forro, “muito baixo, velho e ressequido”, que teria queimado como palha...
Ao meio-dia, quando me visitou na Providência, falávamos no sucedido. Eu lhe disse que a opinião geral atribuía o fato a uma peça de mau gosto do demônio, e lhe perguntei se na verdade acreditava que o maligno espírito tivesse feito qualquer coisa. Respondeu-me positivamente, com o maior sangue frio... “Está furioso; isso é bom sinal; virão pecadores”. Com efeito, durante aqueles dias houve em Ars um movimento extraordinário.
Uns trinta anos antes, um outro acontecimento, sobre o qual não é possível duvidar, impressionara principalmente o clero dos arredores. Em 1826, durante uma missão em Montmerle, produziram-se ruídos misteriosos na casa paroquial. “Era o demônio que arrastava a cama do Cura d’Ars pelo meio do quarto em que ele dormia”.
Riram-se disso e a história só achou incrédulos. Durante o inverno seguinte foi coisa bem diferente. Pregava-se o Jubileu em Saint-Trivier-sur-Moingnans. O Pe. Vianney foi convidado para auxiliar, o que fez de muito boa vontade. Desde a primeira noite ouviram-se rumores na casa do pároco de Saint-Trivier, ordinariamente calma. Os sacerdotes que dormiam no andar abaixo do quarto do Pe. Vianney o censuraram. Apenas se deitava, já os ruídos procediam de seu quarto. “É o demônio, respondeu o Cura d’Ars, ele está aborrecido com o bem que faz aqui”. Os colegas, porém, não lhe quiseram dar crédito. “Vossa Reverendíssima não come nem dorme, lhe diziam; é a cabeça que não o deixa descansar ou os ratos que lhe correm pelo cérebro”. Noutro dia, as zombarias dos companheiros foram mais vivas e desta vez o Servo de Deus nada respondeu.
Na noite seguinte, ouviu-se um barulho de carroça que fazia estremecer o chão. Parecia que a casa vinha abaixo. O Pe. Grangier, cura de Saint-Trivier, o Pe. Benoit, coadjutor, e o Pe. Chevalon, “antigo soldado da República e missionário da diocese”, e até a criada, Dionísia Lanvis, se levantaram sobressaltados. Produziu-se no quarto do Cura d’Ars uma tal algazarra que o Pe. Benoit gritou: “Estão matando o Pe. Vianney!” Todos correram para lá. Mas que viram? O Santo estava deitado tranquilamente no seu leito, que mãos invisíveis haviam arrastado para o meio do quarto. “Foi o demônio, disse ele, sorrindo, que me arrastou até aqui e causou toda esta desordem. Não é nada... Sinto não vos ter prevenido. É bom sinal... Amanhã cairá um peixe graúdo”. Quem seria este peixe graúdo?
Evidentemente, com tal expressão, que lhe era familiar, queria indicar a conversão de um grande pecador. Apesar de tudo isso, os colegas de Sint-Trivier duvidaram, “crendo fosse uma alucinação”. Vigiaram então no dia seguinte o seu confessionário. Até à noite não ocorreu nada de extraordinário. “O Pe. Vianney tivera uma ilusão”. Mas qual não foi a alegre surpresa do pároco e dos missionários, “quando viram, depois do sermão, o sr. de Murs, nobre cavalheiro que, atravessando toda a igreja, foi pedir ao Cura d’Ars para que o ouvisse em confissão. Aquele cavalheiro tinha descuidado os seus deveres religiosos desde muito tempo. Seu exemplo causou profunda impressão nos habitantes de Saint-Trivier”. Depois deste episodio, o Pe. Chevalon, que fora talvez um dos primeiros zombeteiros, “olhava para o Cura d’Ars como para um grande santo”.
Em muitas ocasiões o diabo atacou também as obras da Providência. As professoras e as órfãs foram despertadas algumas noites por rumores estranhos. Outras vezes o demônio intentou também perturbar os espíritos.
“– Um dia, conta Maria Filliart, depois de ter lavado bem a panela, deitei água para fazer a sopa. Vi que na água havia alguns pedacinhos de carne. Era dia de abstinência. Esvaziei bem a panela. Lavei-a de novo, e pus água novamente. Quando a sopa estava já para ser servida, vi outra vez pedacinhos de carne. Contei ao Pe. Vianney e este me respondeu: “É o demônio que faz tudo isso. Sirva assim mesmo a sopa”.
Deste modo o furor de satanás esgotava-se inutilmente. Além disso, o Pe. Vianney acabou por acostumar-se com as suas visitas. “Vossa Reverendíssima sem dúvida deve ter medo, lhe perguntou o Pe. Toccanier, de tão desagradáveis colóquios?
– A gente se habitua com tudo, meu amigo, replicou o amável Santo. O diabo e eu somos quase camaradas”.
No dia 4 de dezembro de 1841, dizia às diretoras do orfanato: “Escutem aqui: o demônio esteve esta noite no meu quarto. Enquanto eu rezava o Breviário, ele soprava muito forte e parecia vomitar não sei que trigo ou outros grãos sobre os ladrilhos. Eu lhe disse: “Vou à Providência dizer o que fazes, para que te desprezem”. E ele logo sossegou”.
Certa noite em que o Cura d’Ars procurava conciliar o sono, o inimigo apresentou-se gritando: “Vianney, Vianney, tu não me escaparás”. E o pobre Santo respondia do canto escuro onde estava sua cama: “Não tenho medo de ti”.
Entende-se facilmente, depois disso, que certas pessoas se aproveitassem do domínio que o Servo de Deus adquirira sobre o mau espírito para conseguir, por seu intermédio, livrar os possessos. Mons. Devie autorizara o Cura d’Ars a exercer o seu poder de exorcista, cada vez que as circunstâncias o exigissem. A este respeito existem muitas testemunhas. João Picard, ferreiro do povoado, presenciou várias cenas estranhas: “Uma infeliz mulher fôra trazida de longe pelo marido. Estava furiosa: soltava gritos desarticulados. Mandaram-na ao sr. Cura que, depois de tê-la examinado, declarou ser necessário levá-la ao bispo de sua diocese. “Bem, bem, respondeu a mulher que recobrara repentinamente a fala, ainda que o timbre da voz fosse trêmulo, a criatura voltará... Ah! Se eu tivesse o poder de Jesus Cristo, disse ela, vos meteria a todos no inferno’.
– Conheces a Jesus Cristo? Replicou o Pe. Vianney. Pois bem! Levem esta senhora ao pé do altar-mor”.
Quatro homens conduziram-na para lá, apesar de sua resistência. O Pe. Vianney pôs o seu relicário sobre a cabeça da possessa e ela ficou como morta. Entretanto, logo depois levantou-se por si mesma e de um pulo rápido chegou à porta da igreja. Ao fim de uma hora, voltou muito tranqüila, persignou-se com água-benta e ajoelhou-se. Estava completamente curada. Durante três dias foi a edificação dos peregrinos.
Uma pobre velha dos arredores de Clermond-Ferrand despertou especialmente a compaixão de Pedro Oriol, um dos “guarda-costas” do nosso Santo. A pobre infeliz, conta ele, passou todo o dia dançando e cantando na praça da igreja. Fizeram-lhe beber algumas gotas de água-benta. Enfureceu-se e se pôs a morder as paredes da igreja. Seu filho estava com ela, mas não sabia o que fazer. Um sacerdote forasteiro colocou-a entre a igreja e a casa paroquial, por onde devia passar o Pe. Vianney. O Santo logo apareceu. Abençoou simplesmente a infeliz, cuja boca sangrava, e ela num momento ficou completamente calma. O seu filho contou que fazia 40 anos que ela se achava naquele triste estado e nunca se tinha mostrado assim tão furiosa nem tão calma. Acreditava-se que estivesse possessa do demônio. É certo, porém, que as terríveis crises não voltaram mais.
Pela noite de 27 de dezembro de 1857, um coadjutor de São Pedro de Avinhão e a superiora das franciscanas de Orange, acompanharam uma jovem professora que apresentava todos os sinais de possessão diabólica. O arcebispo de Avinhão tinha estudado o caso e aconselhou que a apresentassem ao Pe. Vianney. No dia seguinte, pela manhã, levaram-na à sacristia quando o Santo ia paramentar-se para celebrar o Santo Sacrifício. Mas, de repente, a possessa procurou a porta para escapar. “Há muita gente aqui”, gritava. – “Há muita gente? Perguntou o Servo de Deus. Pois bem, agora sairão”. A um sinal seu, os assistentes se ocultaram e ele ficou só com a pobre vítima de satanás. A um princípio não se ouvia no interior da igreja mais do que um murmúrio de palavras confusas. Depois o tom foi se elevando.
O coadjutor de Avinhão, que ficara junto à porta da sacristia, ouviu uma parte do diálogo: “Queres sair de uma vez?” perguntou-lhe o Cura d’Ars.
– Sim.
– Por quê?
– Porque estou com um homem de quem não gosto.
E o Pe. Vianney ironicamente prosseguiu: “Não gostas de mim!” Um “não” estridente foi toda a resposta do espírito que habitava naquela pobre jovem.
Quase no mesmo instante, abriu-se a porta da sacristia. O poder do Santo triunfara. Recolhida e modesta, chorando de alegria, e com uma expressão de agradecimento infinito, a jovem apareceu no umbral. Apesar disso e por uns instantes, o temor apareceu-lhe no rosto. Voltou-se para o Pe. Vianney e lhe disse: “Temo que volte”. – “Não, não, minha filha, nunca mais”. De fato, o demônio não voltou mais e a jovem pode reiniciar as suas ocupações de professora. Na cidade de Orange.
No dia 25 de julho de 1859, véspera do dia em que o Santo de Ars ia deitar-se para não mais se levantar, levaram-lhe com grande trabalho, às oito da noite, uma mulher considerada possessa. O marido acompanhava-a e entrou só com ela no pátio da casa paroquial, para onde os acompanhou o Pe. Vianney. Entretanto, Pedro Oriol e um grande número de forasteiros ficaram de pé junto à porta. No momento em que aquela mulher saiu livre e contente, “ouviu-se um ruído no pátio semelhante ao de galhos de árvore violentamente quebrados. Foi tal o estrépito que os presentes ficaram aterrorizados. Ora, acrescenta o sr. Oriol, quando entrei em casa, depois da oração da noite, vi que os sabugueiros estavam intactos”.
Houve outra infeliz que não foi possível levar até à igreja, tal a resistência que opunha e a repulsa que mostrava pelo Cura d’Ars. Chamaram o Santo para que fosse a casa onde se hospedava, mas isso durante a ausência dela. Ele esperou que a trouxessem para uma sala contígua. Naturalmente a pessoa não estava inteirada de coisa alguma. De repente, ao aproximar-se da casa, a mulher foi agitada por violentas convulsões. “O padreco não está longe”, dizia uivando. Também desta vez o Santo desempenhou o seu papel libertador.
Em fevereiro de 1840, quase pelo meio-dia, aconteceu uma coisa fantástica no próprio confessionário do Pe. Vianney. Uma mulher vinda das imediações de Puy-en-Velay, na qual, a princípio, nada de estranho se podia notar, ajoelhou-se aos pés do Santo. Naquele momento, umas dez pessoas, entre elas Maria Boyat e Genoveva Filiart, de Ars, estavam juntas, perto da capela de São João Batista, aguardando a vez de se confessarem. Sem nada ver, ouviram tudo. Como a mulher estivesse calada, o Santo lhe apressava para que se acuse de suas faltas. De repente ouviu-se uma voz acre:
– “Não cometi senão um só pecado, e faço participantes deste fruto a todos quantos quiserem... Levanta a mão e absolve-me... Ah! Tu a levantas muitas vezes para mim, pois estou frequentemente junto de ti no confessionário.
– Tu quis es? (Quem és?), perguntou o Santo [em latim].
– Magister Caput (Mestre Cabeça; quer dizer, um chefe), respondeu o demônio [também em latim], e depois repetiu a resposta em francês.
– Ah! Sapo negro, quanto me fazes sofrer! Sempre dizes que queres ir embora; por que não vais?... Há outros sapos negros que me fazem sofrer menos do que tu [disse o demônio].
– Vou escrever ao Monsenhor para que te faça sair.
– Sim, mas eu farei que trema a tua mão para que não possas escrever... Eu te possuirei. Tenho ganho a outros mais fortes do que tu. Ainda não estás morto. Se não fosse esta... (Com uma palavra repugnante e grosseira se referia à Virgem Maria) que está aqui em cima, já te possuiria; mas Ela te protege com este ‘grande dragão’ (referia-se a São Miguel Arcanjo) que está à porta da igreja... Dize-me: por que te levantas tão cedo? Desobedeces ao ‘veste roxa’ (isto é, o bispo). Por que pregas com tanta simplicidade? Por isso és considerado como ignorante. Por que não pregas pomposamente, como se faz nas cidades?”
As investivas diabólicas continuaram por alguns minutos, referindo-se ele sucessivamente ao bispo de Belley, Mons. Devie, e ao bispo de Puy, Mons. Donald, que se achava em vésperas de ser nomeado arcebispo de Lião, a diversas categorias de sacerdotes e, finalmente, de novo ao Cura d’Ars. O espírito do mal, que sempre acha algo a repreender na vida de cada um, viu-se obrigado, mau grado seu, a proclamar a impoluta virtude do Servo de Deus, como aconteceu com Cristo no Evangelho.
O Cura d’Ars, cujo olhar penetrava o mundo do mistério, mostrou grande severidade para com os que praticavam o espiritismo e o ocultismo. “Quem é que faz rodas ou falar as mesas? [Coisa que ocorria muito nos primeiros tempos do espiritismo], perguntava um dia [o Cura d’Ars] a uma desventurada possessa que injuriava os transeuntes na praça do povoado. “Sou eu, respondeu a mulher que o espírito mal atormentava, tudo isso é obra minha”. O Cura d’Ars achou que naquele dia o infernal enganador tinha dito a verdade.
O conde Júlio, de Maubou, que possuía uma propriedade em Beaujolais, perto de Villefranche, mas que passava em Paris a maior parte do ano, gostava de visitar o Pe. Vianney. Era seu penitente e amigo.
Isso era pelo ano de 1850. naquele tempo – a história é um perpétuo recomeçar – estavam muito em moda os espíritas, os médiuns e as mesas giratórias [isto é, as mesas que se moviam sozinhas durante as sessões espíritas]. Na alta sociedade parisiense, e até em famílias crentes e praticantes entregavam-se a esses passatempos considerados de bom-tom. O conde Maubou, convidado para um serão em casa de uns parentes, não achou conveniente recusar o convite. E tomou parte em diversas experiências. Sob seus olhos se desenrolaram os fenômenos habituais: a mesa levantou-se e respondeu [às perguntas] batendo no assoalho. Dois dias depois, o nosso cavalheiro, retomando o caminho de Beaujolais, dirigiu-se para Ars, muito contente por ir ver o seu venerável e santo diretor. Precisamente no momento em que chegava, o Pe. Vianney aparecia no portal da igreja. Sorrindo, estendendo a mão, o sr. Maubou dirigiu-se para ele. Dolorosa surpresa! Sem quse retribuir a saudação, detendo-o com um gesto, disse-lhe em tom triste e severo: “Júlio, alto lá. Anteontem você teve comércio com o diabo. Venha confessar-se”.
Assim o fez docilmente o jovem conde e prometeu jamais tomar parte em uma diversão de tal modo qualificada e condenada.
Algum tempo depois, de volta a Paris, encontrou-se em outro salão. Pediram-lhe que os ajudasse a “fazer girar uma mesa”. Sem mais rodeios recusou e mostrou-se inflexível. Os convidados decidiram afastar-se um pouco e o escrupuloso conde ficou só no seu canto. Mas, ao mesmo tempo, no interior da alma protestava contra tal brincadeira. A resistência da mesa foi tal, e tão inesperada, que o médium só pode dizer: “Não entendo nada. Deve haver aqui alguma força superior que paralisa a nossa ação”.
Pela mesma época, o sr. Carlos de Montluisant, jovem capitão que morreu general de divisão retirado em seu castelo de Mansane (Drone), pode confirmar se de fato o Pe. Vianney conhecia ou não algo dos mistérios do além. Tendo ouvido falar das maravilhas de Ars, resolveu com outros três oficiais examinar minuciosamente o que lá se passava. Pelo caminho, os amigos combinaram que cada um faria uma pergunta ao Pe. Vianney. O capitão Montluisant manifestou sem rodeios que “não tendo nada a dizer, nada lhe diria”.
Chegada a hora da entrevista, entrou na sacristia atrás de seus companheiros e bem decidido a manter-se calado, quando um deles, apresentando-o ao Cura d’Ars, disse: “Sr. Cura, eis aqui o sr. Montluisant, jovem capitão, de futuro, que deseja fazer-lhe uma pergunta”. Pego desprevenido, manteve-se, assim mesmo, em atitude correta e com certo acento de mofa disse: “Vejamos, sr. Cura, estas histórias de diabruras que dizem a respeito de Vossa Reverendíssima, são irreais, não é verdade?... São coisas da imaginação?...” O Pe. Vianney olhou fixamente os olhos do oficial e depois deu a resposta breve e incisiva: “Ah! Meu amigo, você já sabe algo sobre isto... Sem o que fez não o teria podido descobrir”. O sr. Montluisant guardou silêncio, com grande admiração de seus companheiros.
No caminho de regresso teve que explicar-se. Ou o Cura d’Ars tinha falado ao acaso ou... Mas que havia passado? O capitão foi obrigado a confessar que, estando em Paris cursando seus estudos, se tinha filiado a um grupo, na aparência filantrópico, mas que na realidade era uma associação de espíritas. “Certo dia, disse ele, ao entrar no meu quarto, tive a impressão de que não me achava só. Inquietado por uma sensação estranha, olho e busco por todos os cantos. Nada. No dia seguinte, o mesmo... Demais, parecia-me como se uma mão invisível me apertasse a garganta... Eu tinha fé. Fui buscar água-benta em São Germano l’Auxerrois, minha paróquia. Aspergi o quarto por todos os cantos e recantos e, a partir daquele momento, cessou toda impressão duma presença preternatural. Depois não pus mais os pés em casa dos espiritistas... Não duvido que o Cura d’Ars aludisse a esse acontecimento já distante”.
Nenhum comentário se seguiu a esta explicação. Os oficiais mudaram de assunto.
À medida que o Cura d’Ars envelhecia, as obsessões diabólicas iam diminuindo em número e intensidade. O espírito do mal, que não pode desalentar aquela alma heróica, acabou por desanimar-se a si mesmo. Pouco a pouco foi deixando a luta, ou melhor, Deus quis que uma existência tão bela e tão pura, aparentemente tão tranqüila, porém na realidade tão aflita, se extinguisse numa paz profunda.
Desde 1855 até à morte, o Pe. Vianney não foi mais importunado de noite pelo demônio. E não obstante, o sono se lhe tornara quase impossível. Na falta do diabo, uma tosse persistente era o bastante para mantê-lo acordado. Apesar disso, continuava a passar horas intermináveis no confessionário. “Contanto que durante o dia durma uma ou meia hora, posso recomeçar o meu trabalho”. Essa hora ou meia hora, pasava-a no seu quarto, depois da refeição do meio-dia. Estendia-se sobre uma enxerga e procurava adormecer. Esse foi o tempo de que algumas vezes se aproveitou o demônio para ainda inquietá-lo. A senhorita Maria de Lamartine esperava certo dia, em companhia do sr. Pagés, que o Pe. Vianney saísse de casa. Tinha passado mais ou menos uma hora depois da refeição. “De repente ouvimos uns gritos e gemidos. É o diabo, disse-me o sr. Pagés, que faz das suas, e o bom do sr. Cura está disposto a enviá-lo para o seu lugar”.
Finalmente, o maligno espírito não voltou mais e o Cura d’Ars viu-se livre, sem saudades, de um camarada de tal jaez. Na agonia o demônio não o perturbou, como se tem visto com outros Santos. Ainda antes de terminar a provação terrestre, o Cura d’Ars tinha infligido a satanás uma derrota definitiva.
(Mons. Francis Trochu, O Santo Cura d’Ars, Editora Lítera Maciel Ltda., Contagem: 1997, páginas 177 – 189, obra premiada pela Academia Francesa)