Indigna escrava do Crucificado e da SS. Virgem,
Letícia de Paula
(Jesus Cristo falando ao coração do Sacerdote, ou meditações eclesiásticas para todos os dias do mês, escritas em italiano pelo Missionário e doutor Bartholomeu do Monte traduzidas pelo Pe. Francisco José Duarte de Macedo, ano de 1910)
I. – Lembra-te, filho, que hás de
morrer.
Tu agora vês moribundos, assistes a
funerais e exéquias, celebras Missa por defuntos; e não consideras que
brevemente por ti se hão de fazer os mesmos Ofícios?
Passado pouco tempo, teu corpo será
depositado na igreja com aquelas vestes com que todos os dias sobes ao altar, e
será enterrado naquela sepultura de sacerdotes, sobre a qual passas tantas
vezes. Dir-se-á: Morreu aquele sacerdote mundano...; depois com o melancólico
som dos sinos acabará tua memória.
De quem serão as tuas dignidades, as
riquezas, as comodidades, que com tanto afã procuraste gozará delas quem menos
pensas. Se, passados poucos meses, poderás levantar da sepultura a cabeça,
verias talvez tudo dissipado em loucuras e pecados.
Tua carne tão delicadamente tratada,
será pasto de vermes; e tornar-se-á tão disforme teu corpo, que teu maior amigo
não teria coragem de dormir uma noite, nem ainda estar poucas horas com ele,
cerrado no mesmo aposento.
E que será feito da tua alma?...
II.- Reduzido ao triste espaço de uma
cama, acabado para ti o mundo, acabará com ele também a ilusão. Então, à luz da
vela benta, quão diferente juízo formarás das riquezas, dos prazeres, das
honras, dos negócios do mundo, dos respeitos humanos, que tanto dominaram o teu
coração? Confessarás que tudo era vaidade e aflição de espírito.
Valer-te-á então a ciência vã, a
ociosidade, as palavras e maneiras estudadas; ou as boas obras e trabalhos,
sofridos pela salvação do próximo? Escarnecerás da vida bem regulada dos
sacerdotes mais exemplares; ou invejá-las-ás com a maior ânsia? Consolar-te-á o
ter vivido uma vida mundana e inquieta; ou ter procurado a perfeição do teu
estado?
Quantos sacerdotes de espírito vão e
soberbo, conhecendo, naquele momento extremo, a grandeza das luzes e graças que
receberam, dos deveres que não cumpriram e dos pecados que cometeram, se deram
ao desespero por se não terem santificado!
Naquele momento, filho, não poderás
emendar o passado; morrerás miseravelmente, como Anfioxo e Judas![1]
Acabará o erro e a ilusão; mas também acabará o tempo!...
III. – Num instante te verás às portas
da eternidade.
Oh! Quanto maior seria então o teu
contentamento, se tiveras gastado o tempo, não na ociosidade ou divertimentos
profanos, em ajuntamentos e conversações inúteis, e ocupado em negócios alheios
a um eclesiástico; mas sim procurando a salvação das almas e fazendo dignos
frutos de penitência!
Oh! Se naquele transe poderás haver um
só de tantos dias perdidos, ou ainda uma só hora para alcançar perdão, graças e
coroas de glória! Mas não, filho, não te será concedido mais nem um instante de
tempo; não gastarás mal quando era teu! Então não sabias em que matar o tempo;
os dias te pareciam anos; nunca chegava a noite. Eis de todo acabado o tempo:
estarás satisfeito?!...[2]
Considera por um pouco qual o estado em
que te acharias, se agora te colhesse a morte! E porque não te resolves já a
fazer o que naquela hora quiseras ter feito?
Fui Eu que disse, filho, e te repito
ainda como bom pai: - Faze o bem enquanto é tempo, antes que te surpreenda a
eternidade; porque então principiam as trevas da noite, em que já não é
possível trabalhar!...[3]
Fruto. – Reflete bem se, sendo agora assaltado
pela morte, tua consciência estaria tranqüila; senão, tranquiliza-a sem demora.
Paga dívidas, corta pela raiz o mal, fugindo da ociosidade, daquela ocasião,
daquela companhia, daquela casa, reconciliando-te com aquelas pessoas, etc.
Confessa-te, como se fora a última
confissão que houveras de fazer; celebra o santo sacrifício da Missa,
comungando nele como se fora por viático; recita a ti mesmo as orações Commendationis animae, que se acham no
fim do Breviário.
Em tuas obras e resoluções pergunta a ti
mesmo: se eu agora tivesse de morrer, faria isto?
Santo EDMUNDO, arcebispo de Cantuária,
estando no leito da morte, quando avistou o SS. Viático, que tinha pedido com
grande instância, exclamou com grande afeto, estendendo-lhe os braços: Sois Vós,
Senhor, aquele em que tenho crido sempre, e quem tenho pregado: Vós sois
testemunha de que só a Vós tenho buscado em toda a minha vida. Eu não tenho
desejado outra coisa, nem desejo senão fazer a Vossa santa vontade.
[1]
...Plaga
divina admonitus,... Antiochus aiebat:
Reminiscor malorum, quae feci;... et propterea invenerunt me mala: justum est
subditum esse Deo. Pollicebatur autem Templum sanctum optimis se donis
ornaturum... super haec, in omnem terrae locum praedicaturum Dei potestatem,...
Orabat autem scelestus ille Dominum, a quo non esset misericordiam
consecuturus. (1.° MACHAR., VI, 12 e seg.; e 2.°, IX, 13.)
[2]
Amittere
tempora tanta, perdere tanta lucra! Nihil pretiosius tempore: sed heu! nihil
hodie vilius aestimatur. Transeunt dies salutis, et nemo cogitat: nemo sibi non
redditura momenta periisse causatur. (BERNARD., Declam. 16.)
[3]
Quia
igitur momentis suis horae fugiunt, agamus, ut in boni operis mercede
teneantur. Audiamus quid sapiens Salomon dicat: Quodcumque potest manus tua
facere, instanter operare; quia nec scientia, nec ratio, nec sapientia erunt
apud inferos, quo tu properas. Eccles., IX, 10. (S.GREG., Homil. 13.)