Monsenhor Francisco Pascucci, 1935, Doutrina Cristã,
tradução por Padre Armando Guerrazzi, 2.ª Edição, biblioteca Anchieta.
Art. I. - Creio em Deus Padre, todo
poderoso, Criador do céu e da terra.
Quem é Deus?
9. - Quem é Deus? - Deus é o ser perfeitíssimo,
Criador e Senhor do céu e da terra.
Quando ordenou Deus a Moisés libertasse
da escravidão do Egito o povo hebreu, definiu-Se a Si mesmo, dizendo: -
"Eu sou o que sou". Assim dirás aos filhos de Israel: "Aquele
que é enviou-me a vós." (Êxodo, III, 14).
Essa definição, à primeira vista, parece
um artifício de palavras, mas é, pelo contrário, uma expressão profundíssima,
que atraiu, em todos os tempos, a admiração dos maiores engenhos.
Significa que Deus é o ser por excelência,
que não recebeu o ser de outrem, mas é o próprio ser, tem-lhe a plenitude, é
por natureza o ser necessário, que sempre existiu e sempre existirá independentemente
de qualquer outro ser.
Atributos de Deus
10. - Deus é o ser perfeitíssimo, porque
há n’Ele toda perfeição, sem defeitos nem limites.
Pelo termo "perfeição" entendemos
as qualidades de Deus, isto é, os Seus atributos, que se dizem também propriedades
divinas. Formam elas uma e mesma causa com a essência ou a natureza divina.
São umas absolutas, quando as
consideramos pertencentes a Deus em si, sem relação às criaturas;
são outras relativas, quando as
consideramos pertencentes a Deus como criador, e, portanto, em relação às criaturas.
São ATRIBUTOS ABSOLUTOS de Deus:
a) A simplicidade: - Deus é substância inteiramente
simples: não está unido à matéria, e, portanto, não tem partes;
b) A imensidade: - Deus está em todo lugar
ou espaço;
c) A imutabilidade: - Se mudasse, ou
mudaria para adquirir ou para perder alguma perfeição - o que não pode
acontecer, porque Deus é ser necessário e perfeitíssimo;
d) A eternidade: - Deus sempre existiu e
sempre existirá;
e) A onipotência: - Deus pode fazer tudo
quanto quer, excluindo-se o mal, que Deus não pode querer, sendo, como é, a
Bondade infinita;
f) A onisciência: - Deus compreende perfeitamente
a Si mesmo e todas as causas passadas, presentes e futuras, assim como todas as
causas possíveis e hipotéticas.
São ATRIBUTOS RELATIVOS:
a) A liberdade, por ser Deus
absolutamente independente em Suas operações e, por isso, imune de qualquer coação
externa e de qualquer necessidade interna;
b) a bondade por essência, donde procede
todo bem;
c) A justiça, enquanto dá a cada um
segundo o que fez, recompensa e pune segundo o mérito;
d) A veracidade, não podendo enganar-Se,
porque é onisciente, - nem enganar, porque é bom;
e) A fidelidade, pois faz tudo o que
promete e cumpre tudo o que ameaça;
f) A providência, com que tem cuidado
das causas criadas, conserva-as e dirige-as ao fim próprio, com sabedoria,
bondade e justiça infinitas.
Unidade de Deus
11. - Deus há um somente, isto é, não há
nem pode haver mais deuses.
Fora absurdo pretender houvesse dois seres
infinitamente perfeitos na mesma ordem: um limitaria o outro; já não seriam
infinitos.
Um ente não pode ser infinitamente
perfeito, se há outro que tenha as mesmas perfeições em igual medida. Por
exemplo, se um tem a potência em medida igual à do outro, poderia um destruir o
que o outro produzira e assim se destruiriam reciprocamente.
Trindade de Deus
12. - Deus é uno em natureza ou na substância
divina, - e trino em pessoas.
Cada Pessoa é Deus, porque tem cada uma
toda a natureza divina, mas as três constituem um só Deus. Esse é o primeiro e
principal mistério de nossa fé, mistério que se deve crer, porque Deus no-lo
revelou.
No Antigo Testamento, não tinham os
Hebreus idéia clara da Santíssima Trindade; somente nós, cristãos, em virtude
da revelação, podemos descobrir em alguns passos do Antigo Testamento as traças
desse mistério, como quando, antes de criar o homem, Deus exclamou, empregando
o plural: - "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança" (Gen. I,
26); ou quando Abraão viu, em Mambre, três homens iguais e lhes falou como a um
só. (Gen. XVI, 2-3).
Em o Novo Testamento, porém, temos a
revelação clara desse mistério, especialmente quando aos Apóstolos disse Jesus Cristo:
- "Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Padre, e
do Filho, e do Espírito Santo.” (Mat. XXVIII, 19).
As três pessoas divinas são iguais e distintas:
são iguais, porque têm a mesma natureza divina, as mesmas perfeições e as
mesmas operações, embora ao Padre se atribuía o poder, ao Filho a sabedoria e
ao Espírito Santo o amor e, conseguintemente, a salvação das almas;
são distintas, isto é, uma não é outra.
Conquanto sejam igualmente eternas e
perfeitíssímas as três pessoas divinas, todavia ao Padre dizemos primeira pessoa,
ao Filho segunda e ao Espírito Santo terceira, para se exprimir a origem como é
por nós concebida (de modo imperfeitíssimo).
É o Padre a primeira pessoa, porque não
procede, isto é, não tem origem de outra pessoa divina, mas d’Ele procedem o
Filho e o Espírito Santo.
O Filho é gerado pelo Padre, enquanto o
Padre Se conhece a Si mesmo e tem de Si o pensamento e idéia. Ora, ao passo
que, em nós, o pensamento ou idéia é acidental, porque ora está, ora pode
deixar de estar, - em Deus é coisa subsistente, consubstancial, isto é, da mesma
Sua substância; e esse pensamento ou idéia de Deus, consubstancial a Ele, é o
Filho, pessoa real, viva, igual ao Padre.
O Espírito Santo procede do Filho e do Pai.
O Padre, conhecendo-Se a Si mesmo, gera uma imagem semelhante a Si - o Filho;
ama-O e é d’Ele amado; mas esse amor, que o Padre expira ao Filho e o Filho ao
Padre, é um amor substancial, subsistente, vivo: - eis a terceira pessoa da S.
S. Trindade, que a Sagrada Escritura chama Espírito Santo.
Deus Criador
13. - Deus, plenitude do ser e em Si felicíssimo,
nada pode procurar e desejar fora de Si mesmo: - se aos outros seres lhes dá a existência,
é Sua vontade livre e infinitamente boa que deseja tornar raízes a esses seres,
a que faz existir.
A fé nos revela que é Deus o Criador do
céu e da terra, isto é, de todo o universo visível e invisível, de tudo o que
está fora dele, Deus.
Criar é fazer alguma coisa do nada, isto
é, com um simples ato da vontade dar a existência ao que antes não existia.
É atributo exclusivo de Deus, porque,
tendo Ele a plenitude do ser e não sendo limitado em Suas obras, pode comunicar
a outros seres a existência.
Os puros espíritos
14. - Deus criou, pois, o céu e a terra.
Pelo nome comum de céu, entendem-se principalmente os puros espíritos - seres
simples, imateriais, dotados de inteligência e vontade, superiores ao homem e
completos em si mesmos, isto é, não destinados a fazer parte de outra substância
(puro, isto é, só espírito). Diferem da alma humana, que é espírito, mas
destinada a ser unida a um corpo para formar integralmente o homem.
Esses puros espíritos são chamados pela
Sagrada Escritura Anjos, isto é, mensageiros, núncios: - falam deles várias vezes
o Velho e o Novo Testamento: desde o Anjo que Deus pôs a guardar a entrada do
Paraíso terrestre, quando foram dali expulsos, Adão e Eva, até aos Anjos mais
de uma vez nomeados no Apocalipse.
Seu numero é grandíssimo: diferentes
entre si pelos dotes, mais excelentes uns que outros, formam três hierarquias
em nove coros: - Anjos, Arcanjos, Principados, Potestades, Virtudes, Dominações,
Tronos, Querubins e Serafim.
Foram criados para louvar a Deus e
gozar-Lhe a felicidade.
Deus quis uma prova da fidelidade deles.
Grande número lhe foi fiel, Lhe prestou
a homenagem devida e foi confirmado em graça.
Outros, guiados por Lúcifer, se rebelaram
contra Deus, pecando por orgulho, e foram, por isso, precipitados do céu ao
fogo eterno, preparado propositalmente para eles.
Temos, pois, duas espécies de puros espíritos:
- os espíritos bons ou Anjos bons e os espíritos maus ou demônios.
Os Anjos são ministros invisíveis de
Deus e também foram escolhidos para a guarda de cada homem.
Fala-se de contínuo, na Divina
Escritura, do ministério dos Anjos para com os homens, e claríssimas são as
palavras de Jesus Cristo, quando, ao mostrar uma criança, disse: - "Vede,
não desprezeis um só destes pequeninos; pois vos digo que os seus Anjos no céu
vêm incessantemente a face de meu Pai, que está nos céus. (Mat. XVIII, 10.)
Aos Anjos temos-lhes o dever de
veneração; e ao Anjo da Guarda o de lhe sermos também gratos pela assistência
que nos presta, de lhe ouvirmos as inspirações e de nunca ofendermos a sua
presença com o pecado.
Os demônios chamam-se espíritos
malignos, potências das trevas e, embora hajam perdido os dons sobrenaturais,
conservam os dons naturais, próprios da natureza angélica.
De ódio a Deus, tentam os homens. E Deus
tal coisa lhes permite para provarem no homem a fidelidade e, assim, dar-lhe
ocasião a méritos.
Os demônios podem, com a permissão
divina, invadir o corpo humano, e, nesse caso, as ações externas, determinadas
pelos mesmos no homem, não são imputáveis a este, porque não são ações livres.
Os Livros Sagrados referem inúmeros
casos de possessão corpórea e de libertação operada por Jesus Cristo e pelos Apóstolos,
e a Igreja tem o poder de exorcizar os obsessos.
Criação do mundo
15. - Além dos puros espíritos, pelos
nomes de céu e "terra" se entende tudo o que há no universo, a saber,
o sol, a lua, os astros e, entre estes, a terra que habitamos, com tudo o que nela
se encontra - minerais, plantas, animais e o homem.
A história da criação, temo-la no
primeiro livro da Escritura, que se chama Gênesis, porque precisamente narra à
origem de todas as coisas.
Moisés nos diz que Deus, em seis dias, criou
o céu e a terra com tudo o que neles se encontra: a luz, o firmamento, o ar e
os mares; as plantas, o sol, a lua, as estrelas, os peixes e os pássaros; os animais
terrestres e, finalmente, o homem.
O escopo do escritor sacro era o de
inculcar ao povo a idéia da criação, de ensinar-lhe que Deus criara o universo
no principio dos tempos, que nada há que não seja obra de Deus, que essa obra é
boa e deve inspirar ao homem sentimentos de gratidão e assim proclamar a
obrigação do culto e a maneira de prestá-lo.
Não estamos, pois, diante de um tratado
rigorosamente científico, mas diante de uma narração histórica popular. Nessas
narrações, há duas verdades de fé:
1.º Que Deus criou o céu e a terra,
todas as coisas visíveis e invisíveis:
2.º Que Deus criou o homem à Sua imagem
e semelhança; desse homem, chamado Adão, formou a mulher; e desses dois
primeiros descenderam todos os homens que hoje povoam a terra.
Quanto ao mais, a Igreja deixa ampla
liberdade de interpretação. Os seis dias podem ser entendidos como seis épocas indeterminadas,
mais ou menos longas, durante as quais o universo criado por Deus se veio
transformando sucessivamente até à organização da terra, para ser esta a morada
do homem.
Pondo em confronto o que é de fé no
ensino da Igreja e os dados certos da ciência, resulta que nenhum conflito pode
haver entre o ensino da ciência e da fé. Os pretensos contrastes nascem, geralmente,
ou de não serem entendidos e expostos os dogmas da fé segundo a mente da
Igreja, ou de se ter, como ditames racionais e científicos, opiniões errôneas.
(Conc. Vatic., Cap. IV da fé e da razão).
Fim da criação
16. Todo ser inteligente e livre opera
sempre por um certo fim. Que fim se propôs Deus na criação? Podemos considerar
um fim primário e absoluto e um fim secundário e condicionado.
Fim primário e absoluto da criação é a
gloria externa de Deus. Deus, feliz em Si mesmo, não tem necessidade de coisa
alguma, mas quis criar, para fazer reluzir nas coisas criadas as Suas
perfeições: criou os seres inteligentes - o homem e os Anjos, - para que Lhe
conhecessem as obras e, louvando-O, Lhe dessem glória.
Fim secundário e condicionado da criação
dos seres inteligentes e livres - é a felicidade destes, mas com a condição de
que eles queiram consegui-la e façam nesse sentido quanto for necessário: as
criaturas inferiores devem, pois, ajudar o homem a conseguir esse fim.
Continuará...