Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
1 - Representa-se esta virtude na figura
de uma virgem, de joelhos, e de olhos levantados para o Céu, apoiada numa
âncora e com uma das mãos sobre o peito.
2 - Está de joelhos e de olhos levantados para o Céu, fixos em Jesus com a sua cruz, para indicar que espera a salvação de Deus infinitamente bom, misericordioso e fiel nas Suas promessas, pelos merecimentos de Jesus Cristo.
- Apoia-se numa âncora para indicar a
firmeza da esperança que mantém fixo o batel da nossa alma, no meio das
agitações da vida, como a âncora mantém o navio. Os braços da âncora, formando
com o tronco uma espécie de cruz, insinuam que a esperança nasce da fé, de que
a cruz é símbolo. E de mão sobre o peito parece dizer como Jó: “Basta é a esperança
que está depositada no meu peito.” Em volta da figura simbólica floresceram as
virtudes, frutos da esperança.
Que é a esperança?
A esperança é uma virtude sobrenatural
que nos dá firme confiança de alcançarmos a felicidade eterna e de obtermos os
meios de consegui-la.
I.
- Natureza da esperança
A esperança é uma virtude, isto é, um hábito do bem exigindo esforço; é uma virtude sobrenatural: sobrenatural no seu princípio - a graça; no seu objeto - o Céu; no seu motivo - os atributos de Deus.
I - Princípio da esperança
A esperança, virtude sobrenatural, vem
de Deus. Deus deu à chama a necessidade de subir, ao animal o gosto pela alimentação
e o cuidado em procurá-la; no homem natural a inclinação para as coisas da
terra, ao homem sobrenatural dá a aspiração, o desejo do Céu e os meios de
consegui-lo, entre eles a graça.
II- Objeto da esperança
1 - Para a alma
Durante a vida. - De Deus esperamos: 1.º
- Os auxílios da graça. - O auxílio permanente da graça habitual que deposita
em nós um princípio superior de ação, uma fonte copiosa de virtudes e de
merecimentos; o auxílio passageiro da graça, a atual graça de luz para conhecer
o bem e o mal; graças de força para evitar o pecado, vencer a tentação e
levantar-se depois de ter caído; graças de perseverança para os justos; 2.º o perdão
prometido ao pecador arrependido; 3.º os cuidados paternais prometidos à nossa
fidelidade.
Depois desta vida. - De Deus esperamos o
paraíso prometido aos que vivem e morrem em estado de graça e que fizeram boas
obras. “Não temos aqui habitação fixa, diz São Paulo, esperamos uma outra.”
(Hebr. XII).
2
- Para o corpo
O objeto da esperança é também tudo o
que é necessário para merecer o Céu e cumprir a missão que Deus confiou a cada
um de nós.
Durante a vida. - Jesus Cristo
prometeu-nos os bens temporais indispensáveis à vida. “Não andeis cuidadosos na
vossa vida sobre o que comereis ou vestireis; porquanto o vosso Pai sabe que
tendes necessidade de tudo isto. Se Ele alimenta as aves do céu e veste os
lírios dos campos, tem ainda mais cuidado dos homens.” (Mat.,VI, 25,32).
Depois desta vida. - O corpo adquire os
dotes de corpo glorioso. “Eu sei que o meu Redentor vive, e que no último dia
ressurgirei da terra e serei novamente revestido da minha pele e na minha
própria carne verei o meu Deus.” (Jo. XIX, 27)
III- Motivos de esperança
1 - Motivos da esperança confiante
Podemos apontar quatro motivos de esperança
que lhe comunicam certeza absoluta.
1.º- A
bondade infinita de Deus. – A simples razão assim como a fé dizem-nos que
Deus, nosso Criador e Pai, é bom e poderoso. Por outra parte reconhecemos que
somos pobres e infelizes.
A Sua bondade e a nossa fraqueza
compelem, portanto, Deus há de conceder-nos os socorros que esperamos.
2.º- As promessas formais de Deus. Ele mesmo diz: “Eu serei a vossa
recompensa.” (Gen. XV, I).
Ele fez esta promessa, diz São Paulo, e jurou
cumpri-la para dar à nossa esperança mais força. (Gen. XXII). “E Deus não mente”.
(Tit, I, 2).
3.º- Os
méritos de Jesus. - De antemão Nosso Senhor pagou a graça e a glória, que
esperamos, não com ouro ou prata, mas com o preço do Seu Sangue. “Deus, diz São
Paulo, dando-nos Seu Filho, deu-nos tudo.” (Rom. VIII, 32). “Mas este Filho
tendo oferecido Seu Sangue e vida por nossa salvação, vem a ser a base segura
da nossa esperança.” (Tim., I,1). Satisfez, pois, pelos pecados de todos e
mereceu-nos todas as graças de que temos necessidade para alcançar a salvação.
4.º- A
mediação de Jesus Cristo. - A intervenção meritória de Jesus junta-se a Sua
intervenção mediadora. Ele interpõe-Se entre Deus e nós; ora por nós; e vem,
como mediador, viver em nós e conosco.
“Está sempre vivo a interceder por nós.”
Recordemos aqui as três palavras mais sublimes da liturgia do Sacrifício depois
das da consagração: - Por Ele, com Ele e n'Ele, tudo é possível.
2 - Motivos da esperança tímida
A esperança cristã deve ser acompanhada
de um temor salutar do pecado. “Deus, diz São Paulo, quer que cuidemos da nossa
salvação com temor e tremor.» (Filip. 11, 12).
Para formarmos a nossa alma na esperança
tímida devemos considerar: o foco do pecado que há em nós, a malícia e astúcia
dos nossos inimigos, a justiça de Deus que mede as graças a conceder e os
pecados a perdoar; o horror que causa a Deus a presunção e, finalmente, os
castigos eternos.
1.º- O
foco de pecado que há em nós. - O nosso interior é um vulcão donde irrompem
todas as paixões. A cada instante pode haver erupção, e, por consequência, a
ruína da nossa alma. Um movimento de fúria precipitou David no adultério. Um
instante de medo fez de São Pedro um renegado. O mal está em nós, a febre
ataca-nos, temos a peste. E este foco de corrupção é tão intenso que, se Deus
nos não protegesse, bastaria um só dia, diz Santo Agostinho, para percorrermos
todo o círculo da perversidade humana.
2.º - A malícia e astúcia de nossos inimigos. - É certo que o inferno se
ocupa de cada um de nós. Sabemos que Satanás destina um demônio para nos
perder. “Anda em volta de nós, diz São Pedro, como um leão faminto para nos
devorar." O mundo é uma imensa máquina de guerra organizada para nos
atacar e vencer. As nossas paixões conspiram também contra nós.
3.º- A
justiça de Deus que mede as graças a
conceder e os pecados a perdoar. - Deus regula tudo com número, peso e
medida. A este, diz Ele, concederei graça e proteção durante dez anos; se abusar
destes benefícios no undécimo ano, abandono-o. - Aquele perdoo-lhe noventa e
nove pecados; se cometer um cento abandono-o. A este exijo uma última prova de
boa vontade; se a recusa, abandono-o. Para com aquele tento um último esforço
de misericórdia; se resiste, eu abandono-o.
Sobre este abandono convém fazer algumas
considerações importantes.
1.º - O abandono de Deus em que consiste? Umas vezes é um castigo, por
exemplo, a morte repentina numa noite que começou por um último pecado; outras
vezes é a subtração de uma graça, de maneira que a alma, podendo fazer o bem,
não o faz. A um doente cheio de fraqueza é necessária uma alimentação
particularmente tônica; a esta alma enfraquecida pelas suas faltas são
necessárias graças especiais; mas, Deus não lhas dará porque a sua medida está
cheia, completamente cheia.
2.º - O abandono de Deus é único e de um só gênero? Não, é múltiplo e
graduado. Há almas que, depois de terem sido chamadas à perfeição e viverem obstinada
na vida imperfeita, acabam por esgotar a paciência de Deus e não receberão d’Ele
mais nenhum convite à santidade.
Há outras almas que vivem há muito tempo
na tibieza; chega, porém, um momento em que Deus as lança fora, como um vômito
que revolta e aflige as entranhas, e, até à morte, serão tíbias e muito pior do
que isso. Há cristãos que, há muitos anos, sendo pecadores, grandes pecadores,
à força de abafarem os remorsos, se tornam pecadores endurecidos e morrem no
seu pecado.
3.º- O
abandono de Deus é absoluto e irrevogável? Não, nesta vida Nosso Senhor
pode misericordiosamente revogar os decretos da Sua justiça. Há um milagre, um prodígio
de graça. Estes prodígios são ordinariamente confiados à Santíssima Virgem, a Esperança
dos desesperados.
Continuará...