quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Natureza da Esperança

Nota do blogue: Acompanhar esse Especial AQUI.

Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950

1 - Representa-se esta virtude na figura de uma virgem, de joelhos, e de olhos levantados para o Céu, apoiada numa âncora e com uma das mãos sobre o peito.
2 - Está de joelhos e de olhos levantados para o Céu, fixos em Jesus com a sua cruz, para indicar que espera a salvação de Deus infinitamente bom, misericordioso e fiel nas Suas promessas, pelos merecimentos de Jesus Cristo.
- Apoia-se numa âncora para indicar a firmeza da esperança que mantém fixo o batel da nossa alma, no meio das agitações da vida, como a âncora mantém o navio. Os braços da âncora, formando com o tronco uma espécie de cruz, insinuam que a esperança nasce da fé, de que a cruz é símbolo. E de mão sobre o peito parece dizer como Jó: “Basta é a esperança que está depositada no meu peito.” Em volta da figura simbólica floresceram as virtudes, frutos da esperança.
Que é a esperança?
A esperança é uma virtude sobrenatural que nos dá firme confiança de alcançarmos a felicidade eterna e de obtermos os meios de consegui-la.

I. - Natureza da esperança

A esperança é uma virtude, isto é, um hábito do bem exigindo esforço; é uma virtude sobrenatural: sobrenatural no seu princípio - a graça; no seu objeto - o Céu; no seu motivo - os atributos de Deus.

I - Princípio da esperança

A esperança, virtude sobrenatural, vem de Deus. Deus deu à chama a necessidade de subir, ao animal o gosto pela alimentação e o cuidado em procurá-la; no homem natural a inclinação para as coisas da terra, ao homem sobrenatural dá a aspiração, o desejo do Céu e os meios de consegui-lo, entre eles a graça.

II- Objeto da esperança

1 - Para a alma

Durante a vida. - De Deus esperamos: 1.º - Os auxílios da graça. - O auxílio permanente da graça habitual que deposita em nós um princípio superior de ação, uma fonte copiosa de virtudes e de merecimentos; o auxílio passageiro da graça, a atual graça de luz para conhecer o bem e o mal; graças de força para evitar o pecado, vencer a tentação e levantar-se depois de ter caído; graças de perseverança para os justos; 2.º o perdão prometido ao pecador arrependido; 3.º os cuidados paternais prometidos à nossa fidelidade.
Depois desta vida. - De Deus esperamos o paraíso prometido aos que vivem e morrem em estado de graça e que fizeram boas obras. “Não temos aqui habitação fixa, diz São Paulo, esperamos uma outra.” (Hebr. XII).

2 - Para o corpo

O objeto da esperança é também tudo o que é necessário para merecer o Céu e cumprir a missão que Deus confiou a cada um de nós.
Durante a vida. - Jesus Cristo prometeu-nos os bens temporais indispensáveis à vida. “Não andeis cuidadosos na vossa vida sobre o que comereis ou vestireis; porquanto o vosso Pai sabe que tendes necessidade de tudo isto. Se Ele alimenta as aves do céu e veste os lírios dos campos, tem ainda mais cuidado dos homens.” (Mat.,VI, 25,32). 
Depois desta vida. - O corpo adquire os dotes de corpo glorioso. “Eu sei que o meu Redentor vive, e que no último dia ressurgirei da terra e serei novamente revestido da minha pele e na minha própria carne verei o meu Deus.” (Jo. XIX, 27)

III- Motivos de esperança

1 - Motivos da esperança confiante

Podemos apontar quatro motivos de esperança que lhe comunicam certeza absoluta.
1.º- A bondade infinita de Deus. – A simples razão assim como a fé dizem-nos que Deus, nosso Criador e Pai, é bom e poderoso. Por outra parte reconhecemos que somos pobres e infelizes.
A Sua bondade e a nossa fraqueza compelem, portanto, Deus há de conceder-nos os socorros que esperamos.
2.º- As promessas formais de Deus. Ele mesmo diz: “Eu serei a vossa recompensa.” (Gen. XV, I).
Ele fez esta promessa, diz São Paulo, e jurou cumpri-la para dar à nossa esperança mais força. (Gen. XXII). “E Deus não mente”. (Tit, I, 2).
3.º- Os méritos de Jesus. - De antemão Nosso Senhor pagou a graça e a glória, que esperamos, não com ouro ou prata, mas com o preço do Seu Sangue. “Deus, diz São Paulo, dando-nos Seu Filho, deu-nos tudo.” (Rom. VIII, 32). “Mas este Filho tendo oferecido Seu Sangue e vida por nossa salvação, vem a ser a base segura da nossa esperança.” (Tim., I,1). Satisfez, pois, pelos pecados de todos e mereceu-nos todas as graças de que temos necessidade para alcançar a salvação.
4.º- A mediação de Jesus Cristo. - A intervenção meritória de Jesus junta-se a Sua intervenção mediadora. Ele interpõe-Se entre Deus e nós; ora por nós; e vem, como mediador, viver em nós e conosco.
“Está sempre vivo a interceder por nós.” Recordemos aqui as três palavras mais sublimes da liturgia do Sacrifício depois das da consagração: - Por Ele, com Ele e n'Ele, tudo é possível.

2 - Motivos da esperança tímida

A esperança cristã deve ser acompanhada de um temor salutar do pecado. “Deus, diz São Paulo, quer que cuidemos da nossa salvação com temor e tremor.» (Filip. 11, 12).
Para formarmos a nossa alma na esperança tímida devemos considerar: o foco do pecado que há em nós, a malícia e astúcia dos nossos inimigos, a justiça de Deus que mede as graças a conceder e os pecados a perdoar; o horror que causa a Deus a presunção e, finalmente, os castigos eternos.

1.º- O foco de pecado que há em nós. - O nosso interior é um vulcão donde irrompem todas as paixões. A cada instante pode haver erupção, e, por consequência, a ruína da nossa alma. Um movimento de fúria precipitou David no adultério. Um instante de medo fez de São Pedro um renegado. O mal está em nós, a febre ataca-nos, temos a peste. E este foco de corrupção é tão intenso que, se Deus nos não protegesse, bastaria um só dia, diz Santo Agostinho, para percorrermos todo o círculo da perversidade humana.
2.º - A malícia e astúcia de nossos inimigos. - É certo que o inferno se ocupa de cada um de nós. Sabemos que Satanás destina um demônio para nos perder. “Anda em volta de nós, diz São Pedro, como um leão faminto para nos devorar." O mundo é uma imensa máquina de guerra organizada para nos atacar e vencer. As nossas paixões conspiram também contra nós.
3.º- A justiça de Deus que mede as graças a conceder e os pecados a perdoar. - Deus regula tudo com número, peso e medida. A este, diz Ele, concederei graça e proteção durante dez anos; se abusar destes benefícios no undécimo ano, abandono-o. - Aquele perdoo-lhe noventa e nove pecados; se cometer um cento abandono-o. A este exijo uma última prova de boa vontade; se a recusa, abandono-o. Para com aquele tento um último esforço de misericórdia; se resiste, eu abandono-o.

Sobre este abandono convém fazer algumas considerações importantes.

1.º - O abandono de Deus em que consiste? Umas vezes é um castigo, por exemplo, a morte repentina numa noite que começou por um último pecado; outras vezes é a subtração de uma graça, de maneira que a alma, podendo fazer o bem, não o faz. A um doente cheio de fraqueza é necessária uma alimentação particularmente tônica; a esta alma enfraquecida pelas suas faltas são necessárias graças especiais; mas, Deus não lhas dará porque a sua medida está cheia, completamente cheia.
2.º - O abandono de Deus é único e de um só gênero? Não, é múltiplo e graduado. Há almas que, depois de terem sido chamadas à perfeição e viverem obstinada na vida imperfeita, acabam por esgotar a paciência de Deus e não receberão d’Ele mais nenhum convite à santidade.
Há outras almas que vivem há muito tempo na tibieza; chega, porém, um momento em que Deus as lança fora, como um vômito que revolta e aflige as entranhas, e, até à morte, serão tíbias e muito pior do que isso. Há cristãos que, há muitos anos, sendo pecadores, grandes pecadores, à força de abafarem os remorsos, se tornam pecadores endurecidos e morrem no seu pecado.
3.º- O abandono de Deus é absoluto e irrevogável? Não, nesta vida Nosso Senhor pode misericordiosamente revogar os decretos da Sua justiça. Há um milagre, um prodígio de graça. Estes prodígios são ordinariamente confiados à Santíssima Virgem, a Esperança dos desesperados. 

Continuará...