Porque é que sou católico,
Jean Guiraud
redator chefe de "La Croix"
1930
Aí está como estabelece o cristianismo o
problema da natalidade, dando-lhe uma solução clara e inelutável.
Fácil é de ver-se que é a única eficaz,
comparada às que nos apresentam economistas e moralistas leigos.
Os economistas vêem na natalidade um fato
de observação. Induzem-nos as suas estatísticas a acompanharem a marcha
ascendente ou descendente dos nascimentos, e dos seus resultados tiram eles
conclusões de ordem utilitária que longe estão os de desprezar ou rejeitar.
Há superpopulação? Preconizam a
emigração, a criação de colônias de povoamento destinadas a receber os enxames
da mãe pátria. Outras vezes, são os primeiros a pregar, eles também a restrição
voluntária da população, com todas as desordens físicas ou morais que daí
provém.
Há decrescimento de população? É,
desgraçadamente, em proporções funestas, o caso da França - excogitam eles
meios puramente materiais para compelir à natalidade. Ensinar-se-á a higiene
aos esposos, como ensinada já foi aos rapazinhos da escola e aos moços do
quartel, fora de qualquer idéia moral e sobrenatural. Multiplicar-se-ão as leis
em favor das mulheres grávidas e das puerperais, bem como socorros médicos
gratuitos para elas em casa e na fábrica. Além disso, subvenções que as ajudem
a criar os filhos, prêmios para cada um deles, afim de que os haja em
quantidade. Esses prêmios elas os conservarão enquanto tiverem filhos a seu
cargo e serão completados para as famílias numerosas com isenções parciais de
impostos, abatimento nos preços de viagens e outros proventos materiais. Enfim,
para maior honra e glória das mães fecundas, medalhas e condecorações. Os
moralistas leigos ou neutros - por esses últimos entendo aqueles que, sendo católicos
por conta própria, não ousam declarar-se tais na vida política e social - acrescentam
a essas vantagens materiais considerações de ordem moral. A restrição da natalidade
é antipatriótica; priva de soldados a defesa nacional e de braços a lavoura.
Mister se torna chamar à vida filhos numerosos para que possua a França um
poderoso exército e contenha as fábricas operários em abundância. Proclama-se
então que se os casais não se derem por achados com semelhantes advertências
que lhes chovem dos congressos e reuniões acadêmicas, adeus França! -
ultrapassada pela concorrência, e brutal ou pacificamente invadida pelos países
de mais forte natalidade.
Não contradigo em nada a essas estatísticas,
a essas reformas e a essas exortações; tudo isso é a pura verdade. Pensam,
porém, que esses prêmios todos e esses sermões leigos e patrióticos farão
nascer uma criança, - sejamos largos! - muitas crianças mais?
Minha fé me deu a resposta. Criei dez
filhos, um dos quais morreu pela França; ora, nunca, ao chamar um deles à vida,
ao saudar jubiloso o seu nascimento, me passaram pela cabeça prêmios que me poderiam
caber ou rebate de preço a que teria direito quando viajasse. Nem sequer pensei
eu no aumento do nosso exército ou da nossa classe operária, porquanto alguma
unidade a mais no meu lar não lhe teria feito crescer sensivelmente o número.
Uma consideração, uma só me fez aceitar o encargo, os cuidados, as
responsabilidades de uma família numerosa, como os fez aceitar também aquela
que mais pesadamente ainda os deveria sentir: a consideração desses dois
preceitos divinos: Crescite et
multiplicamini. Crescei e multiplicai-vos. Não farás do casamento uma
devassidão: non moechaberis. Foi a
certeza de que se violasse eu esses artigos certos de uma lei moral
indiscutível, mentiria à minha fé e me excluiria eu próprio de toda a vida cristã.
O mesmo se diga da maior parte dos pais
e mães de famílias numerosas. Não lhes é mister larga e profunda reflexão para
reconhecerem que uma subvenção, uma isenção fiscal não representam mais que uma
ínfima parte das despesas que ocasiona a vinda de um filho, a sua mantença, a
sua educação, o seu estabelecimento na vida, e ainda quando exonerados fossemos
de todas as despesas que acarreta, quem nos pagaria a nós os cuidados de toda a
sorte que nos traz: cuidados de saúde que debruçam a mãe à beira de um bercinho donde uma frágil vida ameaça evadir-se, cuidados de educação, cuidados da
formação do caráter, cuidados da orientação material e moral, que a gente lhes
quer dar a vida. Nada disso pode ser representado por uma soma em dinheiro nada,
e havemos de chegar a essa conclusão que as vantagens materiais que se oferecem
com razão aos lares fecundos, ajudam-nos, é certo, no seu pesado encargo, mas
criar esses lares, não os criam.
Certo universitário que consagrou toda a
vida a causa das famílias numerosas, e que o fazia como estatístico e moralista
leigo, Rossignol, reconheceu-o com lealdade que lhe é honrosa, mas que lhe valeu,
da parte de Herriot, a cassação do seu título de professor honorário. Proclamou
assim que o problema da natalidade é antes de tudo um problema religioso e que
é a fé, com a sua moral sobrenatural, que povoa os lares. Confirmam-no as
estatísticas, a seu modo, uma vez que constatam que os países de forte
densidade são os crentes, os que põem os atos de acordo com as crenças, ao
passo que os países que se despovoam são aqueles que perderam a fé ou se acham
prestes a perdê-la. Assim, a vida da natureza brota da vida sobrenatural!
“Nem sempre quem faz a festa paga o pato”,
- dizem às vezes os nossos adversários, exprobrando à moral que aconselha tão
energicamente a natalidade, não dar também à família os meios de lhe suportar
os encargos.
Erro proveniente de uma visão superficial
desse grave problema! O que traz a depopulação é um certo grau de civilização
em que o amor do prazer e a procura de gozos materiais se estenderam a todas as
classes da sociedade. Nesse caso, o materialismo suprimiu ou singularmente enfraqueceu
todo ideal e os sacrifícios que ele impõe. A esse ponto chegaram a maior parte
dos países, mas obrigam-nos as estatísticas a reconhecer que, mais do que
qualquer outro, está a França alcançada nas próprias fontes da vida por essa
sede do prazer e essa preamar do materialismo.
Escutai-me só essa jovem noiva, a
declarar cinicamente tanto ao noivo como aos pais que filhos ela não os quer!
Não é lá para isso que se casa, senão para gozar a mais ampla independência.
Levar a sua vidinha como ela muito bem o entende, ir aos lugares, aliás já
muito raros, aonde não põe ainda os pés uma moça solteira, music-halls, bailes sugestivos. Quer levar vida mundana, matinês, soirées, receber, ser recebida; levar vida esportiva, andar de
auto, guiar, viajar, caçar no outono, partir para o Carnaval de Nice, fazer
cruzeiros. Que sei eu ainda? A mulher moderna quer ter todos os prazeres do
homem, sem abrir mão está claro, dos que lhe eram, até hoje, particularmente
reservados. Ora, não é nada fácil praticar tudo isso, quando a gravidez
desmancha a cintura, embaraça os movimentos e condena por vezes à imobilidade
essa juvenil criaturinha que vive a sonhar com a agitação e o bulício. Um filho
em perspectiva, mas que calamidade!...
Se lhe é mister que tenha um, para satisfazer
uma necessidade todo material de afeição, brincar com ele de boneca
arrebicando-o como um animalzinho de luxo vá lá mas quando se tiverem esgotados
todos os outros prazeres! Muitas jovens senhoras se tornam mães, como muitos
rapazes se casam, para, porem um paradeiro e recolher-se à invalidez; mas ainda
assim com a condição de não recomeçar. Uma vez, a gente ainda tolera, por uma
necessidade de afeto e para alegrar a casa com um pimpolhinho engraçado - contanto,
já se entende, que não venha dar por aí muito trabalho.
Prestai agora atento ouvido a essa
mulherzinha do comércio. Filhos, meu caro senhor, como quer que os tenha? Meu
marido necessita de distrações, depois da faina diária. Quem passou horas e
horas na loja a aturar fregueses, pode lá suportar, à noite, choradeira de criança?
Aos domingos, sente ele falta do seu girozinho de automóvel, da sua excursão,
ou então do seu teatro ou do seu cinema; e eu tenho de acompanhá-lo, senão
toca-se para os clubes e aí temos, já se sabe, antigos hábitos, antigas
relações que reaparecem. Como fazer tudo isso com um filho pequeno? Para ser
verdadeiramente companheira do homem, deve a mulher renunciar à maternidade, ou
não aceitá-la senão tardiamente... uma única vez.
E, depois, filhos custam dinheiro. Têm
de andar vestidos direitinho, precisam de nurses
e amas secas, que estão pela hora da morte. A sua formação física e a sua
educação eis aí o pior dos cativeiros. Quem quiser, verdadeiramente, ocupar-se
disso, deverá renunciar a tudo mais, como uma moça que se mete a freira. Basta
alterar um nada algumas palavras e aí teremos a linguagem do marido, fazendo eco
à da mulher. E, quanto mais rico mais quer gozar e mais se quer desvencilhar do
que seria para ele um obstáculo permanente ao gozo: um filho.
Assim é que, cada vez mais, as mais
abominadas práticas vão tornando infecundos numerosos lares, onde reina a
abastança, não só, mas a riqueza e o luxo.
O aborto - já que é mister chamá-lo pelo
nome - o aborto está hoje espalhadíssimo nas altas classes sociais e certa “faiseuse d’anges" só não foi
processada porque viria, com suas revelações, comprometer e lançar ao
descrédito público damas da alta sociedade, quiçá esposas dos próprios juízes
encarregados de a julgar. Fácil nos fora um rol de nomes, em abono dessa
afirmativa.
Quando semelhantes espetáculos de
desmoralização são dados por esposos que, dispondo embora de todos os recursos
materiais para educarem numerosos filhos, preferem reservá-los para a exclusiva
satisfação dos seus prazeres egoísticos, que dizer dos que devem dia e noite
labutar para o granjeio do pão quotidiano? Esses, antigamente, não, eram
calculistas, e ainda hoje em dia, nos países que conservaram com a fé cristã as
antigas tradições, dizem eles que Deus abençoa as famílias numerosas; mas, com
Deus, eliminadas foram as Suas bênçãos e nada mais resta senão o calculo egoístico,
o interesse pessoal.
Escutemos, pois, aquela operária que não
quer saber de filhos, aquele operário que se tornou pai, mal grado seu, porque
se "enganou"! "Como quer o senhor que tenhamos filhos? Cá a
mulher tem de trabalhar como eu para ganhar a vida. Se agora me vai ficar como
um estafermo em casa, nos 4 meses que antecedem um nascimento e se o pimpolho
lhe consome o tempo, aí estão outros tantos recursos que se vão, justamente
quando a presença do recém-chegado nos vem aumentar as despesas! Além disso, o
jovem trabalhador "consciente", não dispensa também as suas
distrações do domingo: o cinema, a pesca, o esporte, o futebol, o passeio ao
campo, o pic-nic, e a mulher, naturalmente, quer acompanhá-lo. Acaso não tem
ela os mesmos direitos que o marido? Porque então, enquanto se põe ele ao
fresco iria ela ficar aferrolhada em casa diante de um berço? O homem é fraco e
mister se torna guardá-lo, mormente hoje em dia, quando as relações são tão
fáceis e as ligações também.
Aí tendes as razões pelas quais, nos meios
populares, se declara impossível ao "trabalhador" ter filhos e educá-los
e são olhados com tamanho desprezo os que dão prova de imprevidência,
encarregando-se de uma prole mormente quando numerosa. Aí também, nesse meio,
se vão multiplicando, cada vez mais, as práticas nefandas que atiram muitas
vezes a mulher ao hospital e dali ao cemitério e seus cúmplices à barra dos
tribunais, que as mais das vezes, os absolvem. Seria preciso punir tanta gente
que quase já não há mais a audácia de processar!
A moral católica não se contenta com a condenação
de semelhantes extravios, mas trata ainda de preveni-los, extirpando o mal pela
raiz. No fundo de todos esses raciocínios malthusianos, lá está sempre a ânsia
dos prazeres e o desejo de alcançá-los a todo o transe. Mostrar a vaidade desses
prazeres que entre tantas outras penas, custam, na idade madura, a mágoa de um
lar sem filhos; provar que a maior parte das exigências que se julgam de
primeira necessidade são apenas fictícias, mero resultado de seduções, às quais
não tivemos coragem de resistir, e que, afinal, vivia a gente, e até com grande
sossego de alma e de coração, quando não havia nem auto, nem cinema, nem
corsos, nem matches, nem rubgy, nem tênis; capacitar-se um homem de que as alegrias domésticas são
muito mais profundas, para quem as sabe apreciar, do que esses prazeres em voga,
produtos quase sempre da pedanteria e do esnobismo, aí estão alguns do pensamentos
da Igreja.
Mas, sobretudo, por sua doutrina, suas
práticas religiosas, seus sacramentos, opõe a Igreja, como um dique, a essa
vaga de sensualismo grosseiro, o espírito de sacrifício e a confiança em Deus.
Se há uma Providência que nutre as avezinhas
do céu, como deixaria de havê-la para as famílias que têm a galhardia de
assumirem o encargo de filhos numerosos?
Não se contenta ela com distribuir-lhes
o sustento quotidiano, tal como, outrora, a São Bento, no seu ermo, fazia
chegar, por meio de um corvo, um pão, todos os dias; ascende no coração dos pais
e das mães a coragem, a energia para o trabalho, a privação e o sofrimento, se
mister for, para assegurar aos filhos o necessário à própria subsistência. Ensina-lhes
o espírito de sacrifício e de devotamento, mostrando-lhes que neste mundo estamos
não para gozar e corromper pelo prazer e o egoísmo o nosso coração, mas para
nos dedicarmos aos outros e, sobretudo àqueles que são o fruto de nossas mais
caras afeições, os filhos.
Aos olhos dos pais ainda expõe, com a
Imagem do Crucificado, os sublimes exemplos e ensinamentos d'Aquele, cuja vida
inteira não foi mais que um sacrifício continuado que teve por termo o mais
doloroso de todos: o sacrifício do Calvário. As resoluções que assim inspira,
ela as sustenta, dia a dia, mediante a prática desses socorros divinos que se
chamam os Sacramentos, com esse manjar celeste que se chama o Pão dos fortes, o
pão vivo que dá a vida ao homem “parus vivus
vitam praestans homini"
Aí está como não se contenta a fé cristã
com apresentar aos lares cristãos a lei da natalidade; combate ainda todos os
maus sentimentos todas as paixões más que a ela se opõem e desperta na alma dos
esposos santas energias que lhes dão força para executá-la, mal grado todos os óbices
materiais.
Fato surpreendente e que deve provocar
as reflexões de todo homem que pensa: promovendo assim o bem moral e
sobrenatural da família, promove-lhe a fé, muitas vezes, o próprio bem estar
material. As energias que nela desenvolve, couraçando-a para as lutas da vida e
para o trabalho, sustentam-lhe a coragem, em meio das dificuldades e das
decepções, sugerem-lhe felizes iniciativas, prosseguidas com confiança e
tenacidade, e de tudo isso sai muitas vezes a prosperidade e até mesmo a
riqueza. Não estará aí o segredo dessa potência econômica que ostentam as
famílias numerosas do Norte da França? Favoreceu-as, dir-se-á, um conjunto de circunstâncias,
tiveram o gênio do comércio e da indústria. Que dúvida! Mas aqueles que as
fundaram e levaram a sua prosperidade tão alto que se espalha hoje pelo país
inteiro, esses tiveram, primeiro que tudo, confiança na Providência, amor ao
trabalho, o senso do esforço, qualidades todas que hauriram da sua fé, dia por
dia, nas práticas religiosas, que lhes comunicaram a um tempo a força de fundar
um lar fecundo e de lhe proporcionar quanto era necessário, com superabundância.