segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

5. - Falsa confiança e presunção

Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950

O homem cuida que pode salvar-se por suas próprias forças sem os socorros da graça: oração e sacramentos.
Ora assim como um animal não pode andar sem pés, e uma ave não pode voar sem asas, assim também o homem não pode elevar-se para Deus sem auxílio do mesmo Deus, "Sem mim, diz o próprio Deus, nada podeis fazer".
A presunção consiste em contar com a felicidade do Céu sem se incomodar com os meios de a ganhar.
Eu quero entregar-me às minhas paixões, mas espero salvar-me; não quero renunciar ao pecado, mas espero o perdão dele; agora não quero converter-me, mas espero converter-me mais tarde. Na hora da morte espero que Deus, pela Sua infinita misericórdia, me perdoará todas as minhas falias.

Presunção Luterana. - Dominado por esta presunção o homem julga que obtém a remissão dos seus pecados e a felicidade eterna unicamente pelos merecimentos de Jesus Cristo, sem nenhuma cooperação da sua parte, isto é, unicamente pela fé sem obras nem observância dos mandamentos.

Presunção Pelagiana. - Com esta presunção o homem pensa que merece a graça pelas suas próprias forças. Assim como nenhum homem pode dar a si mesmo a existência ou merecê-la. porque antes de existir nada pode fazer, assim também nenhum homem pode dar a si mesmo a graça ou merecê-la. O dom da graça não é devido à nossa natureza, nem susceptível de ser por nós merecido. É, pois, um dom que nos vem da pura bondade de Deus.  

Presunção cega. - E o estado de espírito de muitos pecadores que têm uma venda sobre os olhos e espessas nuvens na consciência. Não vêem, não pensam, não sentem, e é com uma inconsciência inqualificável que seguem os caminhos que conduzem aos abismos. Esta cegueira é dupla: Nalguns não há remorso algum, a alma é privada de toda a luz e de todo o sentimento sobrenatural. Noutros há lampejos de fé e rebates de consciência, mas depressa a paixão sufoca tudo.
Acreditamos na vida futura, acreditamos no inferno, sabemos que cada um de nós pode lá cair, sabemos que o estado de pecado mortal é um estado de condenação, vemos muitos pecadores viver como réprobos, somos talvez deste número, e contudo obstinamo-nos em esperar a vida permanecendo na morte! Quantas vítimas desta incompreensível afoiteza, desta temeridade.

Meio de combater esta presunção cega. - O meio de combater este terrível inimigo é a lembrança das verdades eternas. Hoje, em dia, fala-se pouco das verdades eternas, fala-se de uma religião sem eternidade. Os padres devem empregar todos os meios, para que o cristão não esqueça as coisas da outra vida; e a sua voz, como a dos sinos das nossas igrejas, tem não sei que tom que desperta nas almas os mais graves pensamentos.
Presunção consciente. - Nesta há reflexão e cálculo: Dá-se conta do mal, compreende-se que se expõe a ele, sabe-se que, se Deus exercesse a Sua justiça, seria uma catástrofe irremediável; mas vive-se tranquilo no pecado devido à presunção. Presume-se da misericórdia de Deus: Diz-se que Deus é bom e não castiga logo, ou que; mais tarde, se faz a reconciliação com Ele.
Esta temeridade é mais grave porque há nela formal e direto abuso da misericórdia divina. Esta adorável perfeição é o pretexto do pecado, o pecador usa dela contra Deus. É o mesmo que tratarmos mal um amigo, porque ele é bom para conosco.
Ora, quando as perfeições de Deus são diretamente e especificamente atacadas, Deus castiga porque não permite nem pode permitir que se traje impunemente a Sua majestade o que seria prejudicial a nós e desonroso para Deus.
É próprio da presunção irritada a misericórdia divina, inspirando-lhe o que São João chama a ira do Cordeiro. (Apoc. VI, I6).
Está presunção reveste três formas: A impenitência em todos os seus graus, a demora da conversão e a falsa segurança nas causas ou ocasiões de pecado.

1 - A impenitência em todos os seus graus

A impenitência dos imperfeitos, os quais Deus quer fazer santos e recusam-se a sê-lo; todavia esperam a continuação das graças divinas; a impenitência dos tíbios que obstinadamente têm o hábito do pecado venial, e, todavia têm-se na conta de amigos de Deus; enfim, a impenitência dos pecadores, cuja existência é uma mistura de remorsos e de recaídas sem arrependimento e uma segurança ilusória.

2 - A demora na conversão

Não se renuncia completamente a idéia de se voltar para Deus, de se converter, mas será mais tarde e esperando, confia-se na misericordiosa paciência. Se não fosse esta, não se pecaria durante tanto tempo nem com tanta audácia.
Esta corrupção da esperança é a causa da perda de muitas almas, porquanto os presunçosos, contando só com a misericórdia divina, pecam sempre na esperança de serem perdoados: ora quem peca na esperança de ser perdoado é indigno de perdão.

3 - Falsa segurança nas ocasiões de perigo de pecado

Presumimos das próprias forças, desprezamos os meios e expomo-nos às ocasiões e perigos de pecado.
Vejamos.

I - Presumimos das próprias forças

Está-se no Cenáculo. Fala-se da Paixão. O Mestre adverte os Seus discípulos da prova que os espera, do escândalo que os ameaça, da sua dispersão, da sua defecção moral. "Todos vos escandalizareis comigo esta noite. Está escrito: darei a morte ao pastor e as ovelhas dispersam-se." (Mat. VI, 31). A advertência é feita pessoalmente a São Pedro: "Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou com instância para vos joeirar como se faz ao trigo." (Luc. XXII, 31). Neste momento há consternação geral e silêncio. Mas, Pedro fala para dar um desmentido ao divino Mestre: "Ainda que todos se escandalizem eu não me escandalizarei." (Mat. XXVI, 33). Pedro eleva-se acima dos outros. É quase como que o fariseu: "Eu não sou como os outros homens. 
Esta presunção, diz Longhaye, não se cura pela palavra, é precisa a lição das coisas, uma prova humilhante e dolorosa.

II- Desprezamos os meios

Era no Jardim das Oliveiras. Pedro, Tiago e João assistem à agonia do mestre. Jesus pede-lhes que façam com Ele e por Ele uma espécie de velada de armas. "A minha alma está numa tristeza mortal; demorei-vos aqui e vigiai comigo." (Mat. XXVI, 38).
Nada consegue. Jesus Cristo queixa-Se sobretudo de São Pedro: "Não pudeste vigiar uma hora comigo! Nem vigilância nem oração! Pobre Pedro! querias seguir-Me na prisão, dar todo o teu sangue por Mim, e, afinal não és capaz de dar-Me uma hora do teu sono!
"Vigiai e orai, ao menos por vós, para não cairdes em tentação, diz o divino Mestre, o espírito é forte, a carne é fraca."
Recomendação inútil. Os apóstolos continuam a dormir. Eis a presunção negativa, indolente, pretende, de fato, conseguir o fim sem empregar os meios, resistir às tentações sem as prever e prevenir.
Jesus nos diz como aos apóstolos: "Vigiai, guardai com grande cuidado os sentidos, sobretudo, olhos, ouvidos e língua. Orai para alcançardes a graça porque só ela pode sustentar a vossa natureza, a fim de não cairdes em tentação.

III- Expomo-nos ao perigo e ocasião de pecado

Quando Jesus caiu nas mãos de Seus inimigos, os Seus discípulos abandonaram-nO, fugiram todos. Pedro levado pela curiosidade de ver o que fariam ao divino Mestre, seguia-O de longe. E em casa do Sumo Sacerdote, mistura-se com os inimigos de Jesus sem precaução alguma.
Assim procedemos nós, talvez, envolvendo-nos em relações mundanas por curiosidade e prazer, entregando-nos a leituras frívolas e perigosas para a fé e bons costumes, esquecidos de quê quem se expõe ao perigo. nele sucumbe; esquecidos de que Nosso Senhor promete a vitória mas com a condição de que saibamos vigiar e orar.