Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
A desconfiança é a perda parcial da
esperança e a desesperação é a perda total da esperança.
Tenho a convicção de que devo ganhar o
Céu e evitar o inferno, cuidar da salvação da minha alma, mas a virtude é muito
difícil de alcançar porque as minhas paixões são muito fortes e os obstáculos
são muitos e insuperáveis e Deus é multo severo.
I - Origem da desconfiança e da desesperação
A nossa inclinação para a desconfiança, para o, desespero, vem de três causas:
1. º Do pecado original. - Da mesma
maneira que depois da prevaricação de Adão, o animal receou aproximar-se do
homem, assim também o homem receou aproximar-se de Deus. Adão vendo ao longe o
Senhor escondeu-se.
2. ° Dos pecados atuais. - Depois da
nossa degradação original vêm as nossas inumeráveis faltas atuais. Ora esta
incessante culpabilidade, incessantemente nos perturba, desconcerta e nos faz
duvidar das misericórdias do Senhor.
3. ° Do demônio. – Enfim, o demônio vem
também inquietar-nos e não admira porque ele é o pai do desespero.
A história das almas é a de uma perpétua
agitação causada pelas apreensões sobre Deus, sobre a nossa vida passada,
presente e futura.
II- Estragos da desconfiança e da desesperação
A desconfiança e a desesperação
privam-nos de dois estimulantes que nos fazem caminhar:
- A graça de Deus e o esforço da
vontade. Uma alma desconfiada, abatida, desesperada, é uma alma que não ora ou
ora mal, e que por consequência, se priva dos socorros divinos; é uma alma
incapaz do mínimo esforço. Qual não seria o nosso ardor em empregar todos os meios para alcançar perdão
dos nossos pecados se tivéssemos a esperança do perdão; qual não seria o nosso
ardor contra as paixões, se tivéssemos a esperança de as vencer; qual não seria o nosso
ardor pela prática da virtude, se tivéssemos a esperança de adquiri-la; qual
não seria o nosso ardor para nos aproximarmos de Deus, se tivéssemos a
esperança de ser bem acolhidos! Mas privados da confiança somos privados, da vida,
somos homens feitos cadáveres.
O desespero referente às coisas da
salvação é pecado grave, quando não deixa confiança nenhuma na bondade e na
misericórdia de Deus. Este pecado é a causa da ruína de muitas almas. Os
desesperados contando só com a justiça divina, julgam-se irremediavelmente perdidos
e repetem como Caim: - O meu pecado é demasiado grande para que possa ser
perdoado. (Genes. IV, 13).
III- Meios de evitar a desconfiança e a desesperação
Merecemos esta amarga censura de Jesus
Cristo: «O homens de pouca fé, porque duvidais!»
Temamos tudo do pecado e esperemos tudo
de Deus. Esta regra é absolutamente prática: 1.º Manda-nos fugir de todo o
pecado voluntário; 2. ° Dá tranquilidade ao nosso espírito e ao nosso coração.
Ao nosso espírito: Que coisa mais razoável do que falar assim a Deus: Meu Deus,
já que só quero esperar em Vós, eu quero também evitar tudo o que Vos
desagradar.
- Ao nosso coração: «Esperemos tudo do
Senhor, mas não Lhe desagrademos.» Há nestas palavras, uma mistura de respeito, de prudência, de delicadeza e de amor, diz Desurmont, que satisfaz a alma.
Então a alma satisfeita e alegre pode exclamar: viva a minha esperança pois que
tem por garantia a inocência! viva a minha inocência, porque tem por tesouro a
esperança!
Antes do pecado devemos sempre temer a
justiça de Deus, depois do pecado devemos confiar na Sua misericórdia. Deus
nunca despreza um coração contrito e humilhado.
Devemos
tornar, esta virtude bem sólida nos seus fundamentos e fecunda nos seus resultados.
Para a tornar sólida nos seus fundamentos é necessário meditar, a miúdo, sobre
os motivos em que se funda: no poder de Deus, na Sua bondade e nas magníficas
promessas que nos faz.
-
Para tornar a nossa esperança fecunda devemos trabalhar com Deus na obra da nossa santificação. «Pela graça de Deus, diz o Apóstolo São Paulo, é que sou o que
sou, mas a sua graça não tem sido vã em mim, antes tenho trabalhado mais
copiosamente que todos eles, não eu, contudo, mas a graça de Deus comigo».
Não há dúvida de que na obra da santificação,
tudo depende de Deus; mas é preciso trabalhar como se tudo dependesse somente
de nós. É que de fato diz Tanquerey, Deus não nos recusa jamais as Suas
graças, e, por consequência, na prática, não temos que nos preocupar senão do
nosso esforço pessoal.
Reflexões e resoluções. - Agora, com os
olhos da minha alma fixos em Jesus Crucificado, faço reflexões sobre a virtude
da esperança cristã e tomo as resoluções de esperar sempre em Deus, ainda mesmo
que Ele me guie por vias que para mim sejam incompreensíveis e dolorosas, e de
evitar a falsa confiança, a presunção, a desconfiança e desesperação. Maria Santíssima, minha boa Mãe, ajudai-me a ser fiel a estas resoluções. Assim seja.