Indigna escrava do Crucificado e da SS. Virgem,
Letícia de Paula
(Jesus Cristo falando ao coração do Sacerdote, ou meditações eclesiásticas para todos os dias do mês, escritas em italiano pelo Missionário e doutor Bartholomeu do Monte traduzidas pelo Pe. Francisco José Duarte de Macedo, ano de 1910)
I.
– Como é possível, filho, chegares ao excesso de assassinar a tua própria alma,
cometendo o pecado?
Tu certamente o não consideras; mas
reflete um pouco e vê como és desestimado dos seculares, como está
desacreditado o teu caráter, de sorte que já são muitos os que desejam ver
diminuído o número de Eclesiásticos, e desejariam vê-los empobrecidos e quase
de todo aniquilados. Sabe que são os teus pecados que te desacreditam.
Aqueles que em si aborrecem a virtude,
ainda assim a querem ver em ti, não podendo sofrer vícios em quem é destinado a
destruí-los.
Em alta voz murmuram de teus maus
costumes, escarnecem de ti, aborrecem-te; e por tua causa também andam em boca
e são desprezados todos os mais Sacerdotes.
Os Eclesiásticos recolhidos, virtuosos e
santos, sempre foram respeitados e temidos até dos grandes da terra; a ti porém
a mais infeliz plebe te insulta, por aquelas mesmas vaidades com que julgas
acreditar-te.
Os leigos fazem doações às igrejas e
conventos pelos bens espirituais que recebem ou esperam receber; porém, se
descobrem no clero avidez e ânsia pelos interesses temporais, sem os auxiliar
no espiritual; ou se, de mais a mais, vêem que o clero lhes serve de ruína
espiritual com seu procedimento escandaloso, não admira que faltem às oblações
e esmolas, e as queiram até retirar, podendo, quando a princípio lhas deram com
liberalidade.[1]
As tuas culpas, filho, corrompem os
seculares, e os tornam em instrumentos da Minha justiça para as castigar; e,
assim pervertidos por vós, Me obrigam a entornar sobre eles e vós os Meus
flagelos; por isso vês consternadas as cidades, desolados os campos, os
conventos despovoados, e o meu santuário esquecido e abandonado[2].
Pertence a ti aplacar-Me com verdadeiro
zelo e oração; mas como farás de mediador, se me irritas mais que os leigos,
procurando a tua ruína e a deles?
II.
– O temporal é o menos, filho; é da tua pobre alma que eu me compadeço; e é tal
a compaixão que Me merece, que devia encher-te de horror.
Infeliz! Onde estão os tesouros das tuas
graças que recebeste em maior abundância que os outros? Onde os merecimentos do
bem, que outrora praticavas com tanto agrado Meu e consolação tua?
Continuamente exerces os santos
ministérios; mas, por teus pecados, são ministérios áridos e sem fruto para ti
e para o teu próximo.
As vestes sagradas, os altares, o
púlpito, o confessionário, o Meu mesmo sangue te exprobram as tuas culpas.
Aqueles lugares sagrados, aquelas funções religiosas, que deviam santificar-te,
se convertem, pelo abuso que delas fazes, em torrentes de maldição contra ti e
muitas vezes contra os outros.
Ah! Filho, tu, que em Meu nome abençoas
o povo, e tens o poder de lhe distribuir as Minhas graças, quererás, por teus
pecados, obrigar-Me a aborrecer-te e a entornar sobre ti maiores maldições?[3]
tu, que abres as portas do Céu aos outros, quererás ser dele excluído para
sempre? Tu, mais abastecido em riquezas e mais elevado em dignidade que os
seculares, quererás precipitar-te com mais profunda queda? Ter-te-ei, pois
exaltado e enriquecido em vão? Ter-te-ei dado debalde os vasos cheios do Meu
precioso sangue? Ou quererás por isso mesmo amontoar sobre ti a ruína e a
condenação?
III.
– Que impressão te fazem estas verdades? Não te inflamam estas labaredas?
Eia, filho, não queiras ser como tantos
outros sacerdotes, que dizem saber tudo, e em nada pensam seriamente; que,
tendo a consciência já calejada pelo crime, chamam escrúpulos aos remorsos, aos
meus estímulos e impulsos; e, quando os leigos se apavoram e emocionam ao
cintilar só do relâmpago, eles nem ao ronco do mais pavoroso trovão despertam
ainda[4].
Eia, filho, abre já os olhos, ouve a Minha
voz, foge do horroroso perigo e da tremenda ruína que te ameaça.
Se, obstinado, desprezas hoje estes Meus
avisos, teme que sejam os últimos que te mando, e que deste momento principie
para ti o maior dos Meus flagelos, qual é abandonar-te à cegueira e
insensibilidade no meio das luzes e graças que recebeste.
Fruto.
– Pede continuamente a Deus que te dê luzes e graça para corresponderes aos seus
chamamentos e às tuas obrigações, a fim de não seres daqueles infelizes que
vendo, não vêem, e ouvindo, não ouvem nem entendem.
São Romualdo dizia ser mais fácil
converter um judeu, ainda que pérfido, do que um sacerdote vicioso.
Treme, se és insensível ou irresoluto; e
determina entregar-te todo deveras a Deus, que de tantos modos te busca, te
chama e exige de ti uma sincera emenda. Quem se não resolve, e endurece o
coração à voz divina, não se salva. Se não tremes, é porque tens o coração
endurecido; e quererás salvar-te permanecendo nesse estado?
[1]
Nunc, ad vos, ó sacerdotes: si
nolueritis ponere super cor, ut detis gloriam nomini meo, ait Dominus, mittam
vos inegestatem. (MALACH.II,1-2.)
Quanta devotio, et
reverentia principum et aliorum saecularium ad antiquos Praelatos! nimirum quia
videbant pompas, et mores saeculi vilipendere, atque fideles eos esse
dispensatores bonorum ecclesiae; ideoque et largissime eis communicabant
divitias suas. Postea vero, videntes eos in pompis eas consumere, non solum
retraxerunt manum, sed ipsa etiam ecclesiastica bona invaserunt. (BARTHOLOMEU
DOS MART.,Stim.)
[2]
Quanto autem mundus gladio
fereatur, aspicitis; quibus quotidie percutionibus intereat populus, videtis.
Cujus hoc, nisi nostro praecipue peccato agitur? Ecce depopulatae urbes, eversa
castra, ecclesiae, ac monasteria destructa. Sed nos pereunti populo auctores
mortis existimus. Ex nostro etenim peccato turba prostrata est. (A. GREG. Hom.
17. Evang.)
[3]
...Et maledicam benedictionibus vestris, et
maledicam illis: ecce ego projiciam, et dispergam super vultum vestrum stercus
solemnitatum vestrarum. (MALACH, II, 2-3.)
[4] Nihil
impossibilius, quam illum corrigere, qui omnia scit, et tamen contemnens bonum,
diligit malum... Nam quidquid illic (in Scripturis) terribile est, ei
usu vilescit. (CHRYSOST. Op.
imp.)