Nota do blogue: Meus agradecimentos para uma bela alma pela transcrição desse capítulo. Deus lhe pague, querida de Deus.
Indigna escrava do Crucificado e da SS. Virgem,
Letícia de Paula
(Jesus Cristo falando ao coração do Sacerdote, ou meditações eclesiásticas para todos os dias do mês, escritas em italiano pelo Missionário e doutor Bartholomeu do Monte traduzidas pelo Pe. Francisco José Duarte de Macedo, ano de 1910)
I.
– Não te basta, ó filho, ofenderes-Me tu, senão também seres causa de que
outros Me ofendam?!... Se dei todo o Meu sangue em preço pela redenção das
almas, não vês que, quem mas rouba, move contra mim perseguição mais feroz que
a daqueles mesmos, que tão barbaramente derramaram o Meu sangue no Calvário?!
E tu, ó sacerdote, que com o escândalo
estorvas o bem e promoves o mal, tens coração de ser tão ímpio contra o teu
Deus?!...
Fiz-te sacerdote para que zelasses a Minha
honra, e conduzisses a Mim as almas; e tu arrancas-mas do seio com tão horrenda
aleivosia?!...
Ah! Ninguém causa tanto dano à Minha
Igreja, e menoscabo à Minha honra, como o sacerdote que, destinado por Mim para
repreender e corrigir os outros, lhes dá exemplos de perversidade [1].
Se querias assim tratar-Me, para que
tomaste as Minhas insígnias? Para que vieste à Minha Igreja? Se houveras ficado
no estado laical, não Me fizeras tão graves injúrias, como assim Me fazes.
II.
– Todos põem em ti os olhos; mas, ainda que cometas alguma falta, ninguém se
atreve a repreender-te; e teu exemplo é tanto mais seguido, quando é maior a
tua honra em virtude da tua dignidade.
Tu, caindo no pecado, arrastas por assim
dizer os outros para que caiam; porque julgam ser-lhes lícito quanto vêem fazer
a ti; e pecam desenfreada e afoitamente vendo que tu pecas.
Desculpam-se com o teu exemplo na
liberdade do falar, na familiaridade, na crápula; nunca se emendam, porque
dizem em sua defesa: os sacerdotes e os religiosos também fazem o mesmo; e, o
que mais é, quando os seculares vêem um sacerdote mau, pensam que todos os
eclesiásticos são maus, o que redunda em detrimento da mesma Religião, chegando
até vacilar na fé, e a ter os sermões, os sacramentos, o evangelho na conta de
impostura ou invenção humana[2].
Ó força cruel do escândalo! Pobres
almas, assassinadas por aqueles mesmos que mas deviam guiar, corrigir e salvar!
III.
– Ai de ti, sacerdote! Tu, que a princípio não quiseras usar da língua, dos talentos,
das riquezas para o bem; depois não só fizeste uso das riquezas, dos talentos,
da língua, de enganos, de conselhos, de violências; mas até te serviste do teu
crédito e do mesmo sacerdócio, como de aguda espada, para me traspassares a Mim
e as almas, redimidas com o Meu sangue! Ah! Infeliz, também traspassaste a ti
mesmo!
Se um leigo, por mais tentado, por mais
ignorante, por mais desprezível que seja, quando danifica uma só alma e lhe dá
ocasião a um só pecado, merece ser lançado, com um penedo ao pescoço, no fundo
do mar; que merecerás tu que és ministro, e por isso muito mais criminoso,
muito mais cruel, atentas as luzes que recebeste, o estado em que te achas e as
obrigações especiais do teu sacerdócio?
Se tens sido, pois ocasião de ruína não
só de uma, duas ou três, mas de muitas e muitas almas, já fomentando abusos, já
promovendo a libertinagem, e não uma ou outra vez, mas por tanto tempo, e em
tantas espécies de pecados, sabe que és réu de tantas mortes espirituais,
quantos têm sido os maus exemplos que tens dado[3].
E, depois de tantos crimes, terás
coração de aparecer em Minha presença sem derramar rios de lágrimas, ou sem me
restituir tantas almas quantas Me tens roubado?!
Fruto.
– Lembra-te que és sacerdote, obrigado especialmente a dar exemplos que
edifiquem; e que aquilo que num secular passa por gracejo ou coisa de nenhum
valor, em um sacerdote se torna grave[4].
Examina-te escrupulosamente, e vê se, no
trato com os domésticos ou com os estranhos, particularmente com a mocidade,
deste alguma vez ocasião ao pecado com palavras ou maus exemplos; promovendo,
ensinando, cooperando, protegendo, etc.; com omissões de estudo, de vigilância,
de repreensão, etc.; com a facilidade em absolver, etc.
Todo o sacerdote deve procurar a
salvação das almas; mas aquele que deu escândalo, buscando a sua ruína e a do
próximo, tem de mais a mais a obrigação de reparar os danos que ocasionou,
procurando salvar a sua alma e as dos outros, com particular zelo e edificação.
S. RAYMUNDO DE PENNAFORT deu um mau
conselho a um jovem estudante, dissuadindo-o de entrar em Religião; foram porém
tais os remorsos que o agitaram, que, para reparar o seu erro, renunciou aos
maiores empregos e ao mundo, e se fez religioso com admiração de todos.
[1]
Nullum puto ab aliis majus praejudicium, quam a sacerdotibus tolerat Deus;
quando eos, quos ad aliorum correctionem posuit, dare de se exempla pravitatis
cernit: quando ipsi peccamus, qui compescere peccata debuimus. (S. GREG.,Homil.
Brev. 12 Martii.)
[2] Plurimi
considerantes clericorum vitam malam ex hoc vacillantes, imo multoties
deficientes in fide, non credunt quod illa, quae de nostra fide sunt scripta,
sint vera; sed scripta fuerint, non Dei spiramine, sed humana, et deceptoria
inventione; clavium virtutem non credunt, sacramenta despiciunt, vitia non
vitant, virtutes non reputant, non horrent inferos, caelestia non concupiscunt.
(S. BERNARDIN, SEN., Serm. 19.)
[3] Seire
enim debent sacerdotes, quia si perversa unquam perpetrant, tot mortibus digni
sunt, quot perditionis exempla transmittunt. (GREG., Pastor.)
[4] Inter
saeculares nugae, nugae sunt, in ore sacerdotis, blasphemiae. Consecrasti
os tuum Evangelio: talibus jam aperire illicitum; assuescere sacrilegum est. Verbum
scurrile, quod faceti, urbanique nomine colorant, num sufficit peregrinari ab
ore; procul et ab aure relegandum. Foede ad cachinos moveris, foedius moves.
(S. BERNARD., De Consid.)