Monsenhor Francisco Pascucci, 1935, Doutrina Cristã,
tradução por Padre Armando Guerrazzi, 2.ª Edição, biblioteca Anchieta.
Art. I. - Creio em Deus Padre, todo poderoso, Criador do céu e da terra. (Segunda parte)
Providência
de Deus
Deus não abandonou a si mesmas as coisas
criadas, mas tem delas cuidado e providência, conserva-as e dirige-as todas ao
fim próprio, com sabedoria, bondade e justiça infinitas.
Dizem alguns: "Se há tal Providência
divina, não devera existir o mal".
Responde-se, observando como esta
dificuldade depende da nossa ignorância, que intitula mal a tudo o que nos faz
sofrer e nos impele a procurar tudo o que é de nossa utilidade, sem considerar
que parte tem uma dada ação, tida por mal, no plano universalíssimo de Deus onisciente,
no governo do mundo.
Convém distinguir ainda entre mal e dor.
Um só é verdadeiro mal: o pecado, e este o Senhor o tolera para não privar o
homem do inestimável dote do livre arbítrio; mas também desse mal o Senhor sabe
tirar o bem.
Os outros chamados males são antes fatores
físicos (fome, frio, doenças, etc.) ou morais (aborrecimentos, angústias,
aflições, etc.), consequências do pecado original e dos nossos pecados, ou
simplesmente causados pelas nossas imprudências e pela imperfeição das
criaturas. Nosso dever é tomar tudo das mãos amorosas da Providência, que nada
mais procura senão o nosso bem; dirigir bem os sofrimentos para adquirirmos o
céu, e não sentenciar com facilidades, atribuindo a castigos os sofrimentos do
próximo.
Criação
do homem
17. - Depois que Deus criou as demais coisas,
criou também o homem, que devia ser delas rei e que tem por fim conhecer, amar
e servir a Deus nesta vida para gozá-lO depois na outra. O Senhor formou do
barro um corpo perfeito, depois criou e lhe infundiu a alma: do lado do homem
tirou uma costela, com que formou a mulher, e deu esta ao homem, feita
companheira e auxílio. O primeiro homem denominou-se Adão (da terra) e a
primeira mulher - Eva (mãe dos viventes).
Ao conceito da criação direta, no século
passado, se opôs a teoria da evolução ou transformismo, que pensa o homem
derivar do bruto, sem intervenção de uma causa primeira e somente por força da
lei da evolução.
Essa teoria, além de contrária à fé é
contrária à razão, por que:
1.º- há diferenças essenciais entre o
homem e o animal, diferenças que repelem a idéia de parentesco entre um e
outro, não só pelo lado físico senão também, muito mais, pelo lado das nobres
faculdades da alma humana. - a razão e a liberdade;
2.º- os autores dessa teoria não podem
mostrar-nos os vestígios de tais evoluções nos homens das idades
pré-históricas. E, de mais a mais, se a evolução tivera sido uma lei no
passado, como se explica que a natureza haja perdido tal poder e não possa
mostrar-nos também hoje casos, em que animais se tenham tornado homem?
A
alma
18. - O homem é um ser composto de duas
substâncias distintas - corpo e alma - unidas numa só pessoa. A existência da
alma nos é provada:
1.º- Pela revelação: "O Senhor Deus
formou o homem do barro da terra, e inspirou no seu rosto um sopro de vida e o
homem tornou-se alma vivente" (Gen. 11. 7). - Deus disse: "Façamos o
homem á nossa imagem e semelhança" (Gen. I, 26): Deus é espírito: como o
homem poderia ser imagem de Deus, se fosse matéria somente?
2.º- Pela razão. Há em nós duas espécies
de fenômenos; uns fisiológicos, como a nutrição, a digestão, etc.; outros psicológicos,
como o pensamento, o raciocínio, etc. Esses fenômenos de natureza diversa, não
podem derivar do mesmo principio. É mister, pois, admitir no homem dois princípios
diversos, um dos fenômenos fisiológicos e é o corpo, - outro dos fenômenos psicológicos
e é a alma.
Realmente, nossa consciência percebe em
nós um princípio, que, através das vicissitudes da nossa existência, permanece
sempre idêntico: o nosso eu. Ora, esse princípio não é o corpo, que se vai
transformando continuamente. Há, portanto, em nós um outro princípio, que
permanece sempre o mesmo e constitui a nossa identidade pessoal. Esse princípio
é a alma.
A alma do homem é espiritual, criada imediatamente
por Deus, não possuindo os pais nem qualquer outra criatura o poder de tirá-la
do nada. O corpo deriva dos pais pela geração.
A alma humana, feita à imagem de Deus, é
imortal: corrompe-se tão só o que é composto de partes, que se logram separar; mas
a alma humana, por ser espiritual, é simples, não tem partes, portanto; não
pode corromper-se.
A alma poderia ser destruída somente por
Deus; mas repugna à sabedoria, à bondade, à justiça divina reduzir a alma ao nada.
A alma humana é dotada de inteligência e
de vontade, diversamente da alma dos animais, a qual, sendo mortal e privada de
razão e vontade, deve seguir o instinto.
O homem dotado de livre arbítrio, pode
escolher entre o bem e o mal; por isso, é capaz de merecer. Deus deixa livre o
homem e deseja que este escolha o bem por si mesmo para premiá-lo, e quer que o
homem fique longe do mal, para não lhe dever infligir o castigo.
Dons
concedidos ao homem
19- Deus criou o homem no estado de justiça
original e o enriqueceu de três espécies de dons naturais, preternaturais,
sobrenaturais.
Dons naturais são as propriedades do
corpo e da alma, exigidas pela sua natureza de homem.
Dons preternaturais são aqueles que não
competem ao homem por necessidade da sua natureza, porém não excedem às exigências
de outras naturezas criadas. Essas eram: a) imortalidade do corpo; b) imunidade
ou isenção da dor; c) a integridade ou domínio sobre si e sobre as criaturas;
d) a imunidade da ignorância.
Dons sobrenaturais são: - a
predestinação a visão beatífica, e, para consegui-la, a graça santificante.
O
pecado de Adão
20. - Adão e Eva, enriquecidos por Deus
de todos esses dons, foram submetidos a uma prova. Colocados num paraíso de delícias
para que o cultivassem e o guardassem, Deus lhes dera a comer de todas as
plantas do paraíso, mas lhes havia simultaneamente proibido comessem dos frutos
da árvore da ciência do bem e do mal, porque, se algum dia os comessem, teriam
a morte.
Instigada pelo demônio, sob a forma de
serpente, Eva colheu o fruto, comeu-o e foi oferecê-lo a Adão, que também dele
se alimentou, desobedecendo assim, ambos, à ordem de Deus.
O pecado de Adão, pecado atual, porque
fora cometido voluntariamente por ele com pleno uso da razão, foi o pecado de
desobediência e o de soberba, pois quis ser semelhante a Deus; foi ainda um
pecado de infidelidade, curiosidade e gula. Gravíssimo pecado, por causa da
rebelião a Deus, Criador e Senhor, que tinha direito a ser obedecido pelas circunstâncias
em que foi cometido por que Adão e Eva não sentiam a desordem das paixões, por
isso eles podiam mais facilmente resistir: pelas consequências graves, que
derivaram dele.
Efetivamente, o pecado de Adão o
despojou da graça, assim como a todos os homens. Tornando-os sujeitos ao pecado
e excluindo-os do céu; despojou-os também dos dons preternaturais, com sujeitá-los
às más inclinações, à ignorância, às dores, à morte.
O pecado de Adão se transfundiu a toda a
humanidade, de modo que todo homem, ao nascer, é privado da vida sobrenatural
da graça, é réu diante de Deus e merece os mesmos castigos. Cometido no
principio da humanidade, ele se transmite pela natureza a todos os homens na
sua origem e por isso lhe chamam original.
Quanto a nós, consiste na privação da
graça original que segundo a disposição de Deus, devêramos ter, e não temos, porque
Adão, havendo-a perdido como seu pecado, não pôde transmiti-la a seus descendentes,
como um pai não consegue transmitir aos filhos os bens que ele perdeu.
O pecado original, pois, é voluntário e
culpável em nós porquanto Adão o cometera voluntariamente como cabeça da
humanidade. Por isso, Deus não pune, mas simplesmente não premeia com o Céu a
quem tenha apenas o pecado original.
A única privilegiada, entre todas as
humanas criaturas, a que não teve jamais o pecado original, foi Maria Virgem,
porque fora destinada a ser um dia a Mãe de Deus.
A
Redenção
21. - Cometido o pecado de Adão, poderia
Deus abandonar o homem à própria culpa e as consequências desta; teria apenas
manifestado justiça: e poderia perdoar-lh'a, sem dele exigir satisfação alguma;
teria apenas manifestado misericórdia, Deus, porém, que é a um tempo justiça e misericórdia
infinita, quis perdoar ao homem, mas com a condição de receber uma
reparação.
A culpa do homem, embora finita por
parte de quem a cometera, era infinita em relação a Deus, contra quem fora
cometida, e a reclama. Portanto uma reparação infinita. A sabedoria divina veio
em auxilio do homem; e Deus, no mesmo instante em que pune a Adão e o expulsa
do paraíso, lhe promete o Reparador, que devia ser Seu próprio Filho.
Eis as palavras ditas por Deus à
serpente: "Porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua posteridade e
a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu
calcanhar" - (Gen. III, 15). - Foram sempre interpretadas essas palavras
como a promessa de um futuro Redentor, a nascer da Mulher modelo, que,
inteiramente pura e imaculada, esmagaria a cabeça à serpente infernal. O Redentor
não viria logo, mas, como diz São Paulo, na plenitude dos tempos. O homem
devia, com a experiência, reconhecer a própria miséria em que tombara pelo pecado
e assim avaliar profundamente o beneficio da redenção. Deus queria, ainda,
através das promessas, figuras e profecias, que o homem pudesse reconhecer esse
Redentor, não obstante se apresentasse Ele sob a humilde condição da natureza
humana.
1.º- As promessas. - Depois da primeira
promessa feita no Paraíso terrestre, Deus a renovou a Abraão dizendo:
"Multiplicarei a tua estirpe como as estrelas do céu, e como a areia que há
sobre a praia do mar: a tua descendência possuirá as portas de seus inimigos, e
na tua descendência serão benditas todas as nações da terra" (Gen. XXII,
17, 18).
A mesma profecia foi renovada a Isaac, a
Jacob e, finalmente, por várias vezes, ao povo hebreu, pelos Profetas.
2.º- As figuras. - Deus não se contentou
com prometer um Messias, mas quis que o Redentor e Suas obras fossem
representadas primeiro por meio de homens e por objetos simbólicos. A história
do Antigo Testamento nos apresenta muitos personagens, que foram figura do
Messias, como Abel, Isaac, Moisés, Elias, etc., e muitos objetos simbólicos, figuras
d’Ele e de Suas obras, como a arca de Noé, o cordeiro Pascal, a serpente de
bronze, o maná, etc.
3.º - As profecias. - Profecia é a previsão
certa e o anúncio de uma coisa futura livre e contingente que se não pode
conhecer por meios naturais. A profecia, conseguintemente, não pode vir senão de Deus, porque só Ele pode conhecer o futuro contingente e livre. Os profetas anunciaram, muito tempo antes, todas as circunstâncias da vinda do Redentor, de Sua vida oculta e pública, de Sua paixão e ressurreição. Jacob, antes de morrer, disse que não seria tirado o cetro a Judá, enquanto não viesse aquele que devia ser mandado (Gen. XLIX, 10). Daniel falou em 70 semanas de anos, que transcorreriam do edito da reedificação do templo à morte do Messias (Dan. IX, 24-27). Miquéias anunciou que o Messias nasceria em Belém (Miq., V, 2); Isaías que nasceria de uma Virgem (Is. X, 1) etc.
Através das promessas, das figuras e das
profecias, os homens teriam assim podido reconhecer o Redentor, o Messias, isto
é, o ungido do Senhor.