domingo, 6 de janeiro de 2013

Doutrina Cristã - Parte 3

Monsenhor Francisco Pascucci, 1935, Doutrina Cristã
tradução por Padre Armando Guerrazzi, 2.ª Edição, biblioteca Anchieta.

Art. I. - Creio em Deus Padre, todo poderoso, Criador do céu e da terra. (Segunda parte)

Providência de Deus

Deus não abandonou a si mesmas as coisas criadas, mas tem delas cuidado e providência, conserva-as e dirige-as todas ao fim próprio, com sabedoria, bondade e justiça infinitas.
Dizem alguns: "Se há tal Providência divina, não devera existir o mal".
Responde-se, observando como esta dificuldade depende da nossa ignorância, que intitula mal a tudo o que nos faz sofrer e nos impele a procurar tudo o que é de nossa utilidade, sem considerar que parte tem uma dada ação, tida por mal, no plano universalíssimo de Deus onisciente, no governo do mundo.
Convém distinguir ainda entre mal e dor. Um só é verdadeiro mal: o pecado, e este o Senhor o tolera para não privar o homem do inestimável dote do livre arbítrio; mas também desse mal o Senhor sabe tirar o bem.
Os outros chamados males são antes fatores físicos (fome, frio, doenças, etc.) ou morais (aborrecimentos, angústias, aflições, etc.), consequências do pecado original e dos nossos pecados, ou simplesmente causados pelas nossas imprudências e pela imperfeição das criaturas. Nosso dever é tomar tudo das mãos amorosas da Providência, que nada mais procura senão o nosso bem; dirigir bem os sofrimentos para adquirirmos o céu, e não sentenciar com facilidades, atribuindo a castigos os sofrimentos do próximo.

Criação do homem

17. - Depois que Deus criou as demais coisas, criou também o homem, que devia ser delas rei e que tem por fim conhecer, amar e servir a Deus nesta vida para gozá-lO depois na outra. O Senhor formou do barro um corpo perfeito, depois criou e lhe infundiu a alma: do lado do homem tirou uma costela, com que formou a mulher, e deu esta ao homem, feita companheira e auxílio. O primeiro homem denominou-se Adão (da terra) e a primeira mulher - Eva (mãe dos viventes).
Ao conceito da criação direta, no século passado, se opôs a teoria da evolução ou transformismo, que pensa o homem derivar do bruto, sem intervenção de uma causa primeira e somente por força da lei da evolução.
Essa teoria, além de contrária à fé é contrária à razão, por que:
1.º- há diferenças essenciais entre o homem e o animal, diferenças que repelem a idéia de parentesco entre um e outro, não só pelo lado físico senão também, muito mais, pelo lado das nobres faculdades da alma humana. - a razão e a liberdade;
2.º- os autores dessa teoria não podem mostrar-nos os vestígios de tais evoluções nos homens das idades pré-históricas. E, de mais a mais, se a evolução tivera sido uma lei no passado, como se explica que a natureza haja perdido tal poder e não possa mostrar-nos também hoje casos, em que animais se tenham tornado homem?

A alma

18. - O homem é um ser composto de duas substâncias distintas - corpo e alma - unidas numa só pessoa. A existência da alma nos é provada:
1.º- Pela revelação: "O Senhor Deus formou o homem do barro da terra, e inspirou no seu rosto um sopro de vida e o homem tornou-se alma vivente" (Gen. 11. 7). - Deus disse: "Façamos o homem á nossa imagem e semelhança" (Gen. I, 26): Deus é espírito: como o homem poderia ser imagem de Deus, se fosse matéria somente?
2.º- Pela razão. Há em nós duas espécies de fenômenos; uns fisiológicos, como a nutrição, a digestão, etc.; outros psicológicos, como o pensamento, o raciocínio, etc. Esses fenômenos de natureza diversa, não podem derivar do mesmo principio. É mister, pois, admitir no homem dois princípios diversos, um dos fenômenos fisiológicos e é o corpo, - outro dos fenômenos psicológicos e é a alma.
Realmente, nossa consciência percebe em nós um princípio, que, através das vicissitudes da nossa existência, permanece sempre idêntico: o nosso eu. Ora, esse princípio não é o corpo, que se vai transformando continuamente. Há, portanto, em nós um outro princípio, que permanece sempre o mesmo e constitui a nossa identidade pessoal. Esse princípio é a alma.
A alma do homem é espiritual, criada imediatamente por Deus, não possuindo os pais nem qualquer outra criatura o poder de tirá-la do nada. O corpo deriva dos pais pela geração.
A alma humana, feita à imagem de Deus, é imortal: corrompe-se tão só o que é composto de partes, que se logram separar; mas a alma humana, por ser espiritual, é simples, não tem partes, portanto; não pode corromper-se.
A alma poderia ser destruída somente por Deus; mas repugna à sabedoria, à bondade, à justiça divina reduzir a alma ao nada.
A alma humana é dotada de inteligência e de vontade, diversamente da alma dos animais, a qual, sendo mortal e privada de razão e vontade, deve seguir o instinto.
O homem dotado de livre arbítrio, pode escolher entre o bem e o mal; por isso, é capaz de merecer. Deus deixa livre o homem e deseja que este escolha o bem por si mesmo para premiá-lo, e quer que o homem fique longe do mal, para não lhe dever infligir o castigo.

Dons concedidos ao homem

19- Deus criou o homem no estado de justiça original e o enriqueceu de três espécies de dons naturais, preternaturais, sobrenaturais.
Dons naturais são as propriedades do corpo e da alma, exigidas pela sua natureza de homem.
Dons preternaturais são aqueles que não competem ao homem por necessidade da sua natureza, porém não excedem às exigências de outras naturezas criadas. Essas eram: a) imortalidade do corpo; b) imunidade ou isenção da dor; c) a integridade ou domínio sobre si e sobre as criaturas; d) a imunidade da ignorância.
Dons sobrenaturais são: - a predestinação a visão beatífica, e, para consegui-la, a graça santificante.

O pecado de Adão

20. - Adão e Eva, enriquecidos por Deus de todos esses dons, foram submetidos a uma prova. Colocados num paraíso de delícias para que o cultivassem e o guardassem, Deus lhes dera a comer de todas as plantas do paraíso, mas lhes havia simultaneamente proibido comessem dos frutos da árvore da ciência do bem e do mal, porque, se algum dia os comessem, teriam a morte.
Instigada pelo demônio, sob a forma de serpente, Eva colheu o fruto, comeu-o e foi oferecê-lo a Adão, que também dele se alimentou, desobedecendo assim, ambos, à ordem de Deus.
O pecado de Adão, pecado atual, porque fora cometido voluntariamente por ele com pleno uso da razão, foi o pecado de desobediência e o de soberba, pois quis ser semelhante a Deus; foi ainda um pecado de infidelidade, curiosidade e gula. Gravíssimo pecado, por causa da rebelião a Deus, Criador e Senhor, que tinha direito a ser obedecido pelas circunstâncias em que foi cometido por que Adão e Eva não sentiam a desordem das paixões, por isso eles podiam mais facilmente resistir: pelas consequências graves, que derivaram dele.
Efetivamente, o pecado de Adão o despojou da graça, assim como a todos os homens. Tornando-os sujeitos ao pecado e excluindo-os do céu; despojou-os também dos dons preternaturais, com sujeitá-los às más inclinações, à ignorância, às dores, à morte.
O pecado de Adão se transfundiu a toda a humanidade, de modo que todo homem, ao nascer, é privado da vida sobrenatural da graça, é réu diante de Deus e merece os mesmos castigos. Cometido no principio da humanidade, ele se transmite pela natureza a todos os homens na sua origem e por isso lhe chamam original.
Quanto a nós, consiste na privação da graça original que segundo a disposição de Deus, devêramos ter, e não temos, porque Adão, havendo-a perdido como seu pecado, não pôde transmiti-la a seus descendentes, como um pai não consegue transmitir aos filhos os bens que ele perdeu.
O pecado original, pois, é voluntário e culpável em nós porquanto Adão o cometera voluntariamente como cabeça da humanidade. Por isso, Deus não pune, mas simplesmente não premeia com o Céu a quem tenha apenas o pecado original.
A única privilegiada, entre todas as humanas criaturas, a que não teve jamais o pecado original, foi Maria Virgem, porque fora destinada a ser um dia a Mãe de Deus.

A Redenção

21. - Cometido o pecado de Adão, poderia Deus abandonar o homem à própria culpa e as consequências desta; teria apenas manifestado justiça: e poderia perdoar-lh'a, sem dele exigir satisfação alguma; teria apenas manifestado misericórdia, Deus, porém, que é a um tempo justiça e misericórdia infinita, quis perdoar ao homem, mas com a condição de receber uma reparação. 
A culpa do homem, embora finita por parte de quem a cometera, era infinita em relação a Deus, contra quem fora cometida, e a reclama. Portanto uma reparação infinita. A sabedoria divina veio em auxilio do homem; e Deus, no mesmo instante em que pune a Adão e o expulsa do paraíso, lhe promete o Reparador, que devia ser Seu próprio Filho.
Eis as palavras ditas por Deus à serpente: "Porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar" - (Gen. III, 15). - Foram sempre interpretadas essas palavras como a promessa de um futuro Redentor, a nascer da Mulher modelo, que, inteiramente pura e imaculada, esmagaria a cabeça à serpente infernal. O Redentor não viria logo, mas, como diz São Paulo, na plenitude dos tempos. O homem devia, com a experiência, reconhecer a própria miséria em que tombara pelo pecado e assim avaliar profundamente o beneficio da redenção. Deus queria, ainda, através das promessas, figuras e profecias, que o homem pudesse reconhecer esse Redentor, não obstante se apresentasse Ele sob a humilde condição da natureza humana.

1.º- As promessas. - Depois da primeira promessa feita no Paraíso terrestre, Deus a renovou a Abraão dizendo: "Multiplicarei a tua estirpe como as estrelas do céu, e como a areia que há sobre a praia do mar: a tua descendência possuirá as portas de seus inimigos, e na tua descendência serão benditas todas as nações da terra" (Gen. XXII, 17, 18).
A mesma profecia foi renovada a Isaac, a Jacob e, finalmente, por várias vezes, ao povo hebreu, pelos Profetas.

2.º- As figuras. - Deus não se contentou com prometer um Messias, mas quis que o Redentor e Suas obras fossem representadas primeiro por meio de homens e por objetos simbólicos. A história do Antigo Testamento nos apresenta muitos personagens, que foram figura do Messias, como Abel, Isaac, Moisés, Elias, etc., e muitos objetos simbólicos, figuras d’Ele e de Suas obras, como a arca de Noé, o cordeiro Pascal, a serpente de bronze, o maná, etc.

3.º - As profecias. - Profecia é a previsão certa e o anúncio de uma coisa futura livre e contingente que se não pode conhecer por meios naturais. A profecia, conseguintemente, não pode vir senão de Deus, porque só Ele pode conhecer o futuro contingente e livre. Os profetas anunciaram, muito tempo antes, todas as circunstâncias da vinda do Redentor, de Sua vida oculta e pública, de Sua paixão e ressurreição. Jacob, antes de morrer, disse que não seria tirado o cetro a Judá, enquanto não viesse aquele que devia ser mandado (Gen. XLIX, 10). Daniel falou em 70 semanas de anos, que transcorreriam do edito da reedificação do templo à morte do Messias (Dan. IX, 24-27). Miquéias anunciou que o Messias nasceria em Belém (Miq., V, 2); Isaías que nasceria de uma Virgem (Is. X, 1) etc.

Através das promessas, das figuras e das profecias, os homens teriam assim podido reconhecer o Redentor, o Messias, isto é, o ungido do Senhor.