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TRATADO DOS ESCRÚPULOS DE CONSCIÊNCIA
PELO
ABADE GRIMES
1854
CAPÍTULO V
CONSELHOS
GERAIS AOS ESCRUPULOSOS
I. Conhecer-se a si mesmo
O primeiro conselho que eu dou aos escrupulosos, um
dos mais importantes, e que é o fundamento de todos os outros, é que ele
reconheça de boa fé que está doente e que é escrupuloso, porquanto um mal
conhecido é um mal meio curado. Este axioma, verdadeiro em toda sorte de
doenças, é-o principalmente na do escrúpulo; pois esta não passa de uma ilusão
que cega o escrupuloso e lhe faz tomar os fantasmas e os devaneios de uma imaginação
doente, pelos sensatos raciocínios de uma consciência esclarecida. Persuada-se
ele, pois, de que essas razões são falsas, de que são imaginações e
escrúpulos, e não razões, e ei-lo curado. Ele não terá dificuldade em se
persuadir de que assim é, se observar as regras que já estabelecemos ao
explicarmos a natureza dos escrúpulos. Faça, pois, um exame sobre si mesmo e
sobre o seu passado; se reconhecer que muitas vezes sentiu temores acompanhados
de angústias, de perturbações e de perplexidades; que muitas vezes formou
dúvidas sobre uma ou várias matérias, e, tendo exposto seus temores e suas dúvidas
a uma pessoa esclarecida, esta julgou que elas eram fundadas em razões fracas e
frívolas, tenha por certo que é escrupuloso; e, se estiver de tal forma
obsesso que não possa crer na sua experiência, consulte um diretor sábio e
piedoso, e acredite no juízo dele.
Mas não basta, para o escrupuloso, conhecer a sua
doença; deve ele ainda descobrir a qualidade e os princípios dos seus
escrúpulos, para lhes aplicar os remédios convenientes.
Cumpre, pois, que examine a matéria e a forma dos
seus escrúpulos, se duvida em matérias graves ou leves, em questões de fato ou
de direito, se resiste às suas dúvidas ou se consente nelas. Deve ainda
examinar os princípios dos escrúpulos, se nascem de um espírito exterior ou de
um movimento interior, natural ou violento; porquanto estas diferentes espécies
de escrúpulos devem ser tratadas com remédios diferentes. Para descobrir
essas coisas é preciso consultar aquilo que dissemos ao falarmos das diversas
espécies de escrúpulos e dos meios de conhecer de onde eles provêm; mas,
sobretudo, é preciso escutar o seu diretor, que é o anjo de Deus a quem está
confiada a chave da ciência para conduzi-los.
II. Pedir a Deus a cura aos escrúpulos
Depois de haver o escrupuloso conhecido o seu mal,
o primeiro remédio, o remédio soberano que ele deve aplicar-se, é a oração; e,
conquanto esse remédio sirva geralmente para toda sorte de doenças, tem no
entanto uma virtude toda particular para esta; porquanto, vindo o escrúpulo
ordinariamente da malícia do demônio, só pode dissipá-lo Aquele que venceu
esse inimigo do gênero humano e que o acorrenta a seu talante. O Filho de Deus
é a luz do mundo, que pode aclarar as nossas trevas; é o Anjo do Grande
Conselho, que pode resolver todas as nossas dúvidas; é a força dos
pusilânimes, que pode tranquilizar os nossos temores. Cumpre, pois, rezar-lhe
com confiança e perseverança.
Parece que o Profeta-rei usava desse remédio
quando, sendo atormentado por mil temores, dizia: “Eu aguardava com confiança
aquele que me salvou do abatimento e do temor do meu espírito, e também da
tempestade que me envolvia”. Quando uma tempestade interior agita o escrupuloso,
este deve dizer com fé estas palavras de S. Pedro e dos outros apóstolos:
“Senhor, salvai-nos, que perecemos”; e o mesmo Salvador, aplacando a
tempestade, restituir-lhe-á a calma e a paz, ou pelo menos impedirá que ele
seja submergido consentindo na tentação.
Não obstante, concito o escrupuloso a pedir com
paciência e resignação; pois às vezes Deus permite que ele seja açoitado pela
tempestade durante longo tempo, e mesmo durante toda a noite desta vida. Se
assim suceder, humilhe-se ele sob a potente mão de Deus que o fere, e
lembre-se de que Deus nos atende mais utilmente quando nos deixa a tentação e
nos dá a graça de resistir a ela, do que quando no-la tira. Lembre-se ainda de
que a tentação de escrúpulo serve para purificá-lo das suas faltas passadas,
para conservá-lo na humildade, e para lhe fazer dar em paciência o fruto da
tentação; só o consentimento na tentação é que é pernicioso: suporte ele,
pois, a tentação, as angústias, os temores e as dúvidas que o empolgam;
guarde-se, porém, de examiná-las cem e cem vezes na sua cabeça, e de se
persuadir de que pecou. A experiência prova que uma pessoa vence mais facilmente
os escrúpulos quando não se incomoda com eles, quando os despreza, quando os
deixa vir e passar, quando volve os seus pensamentos para outros objetos, do
que quando se impacienta com eles e quer repeli-los a viva força e com
contenção de espírito.
O escrupuloso, aliás, necessita de uma grande
confiança em Deus; na sua prece humilde e fervorosa, deve considerar a Deus não
como um amo irritado, mas como um Pai terno que quer salvar seus filhos. Nas
suas inquietações mais vivas, é a Deus que ele deve recorrer, antes que ao seu
confessor. É a oração feita com fé, confiança e abandono à misericórdia de
Deus, e não a confissão, que cura o escrupuloso. Diz S. Francisco de Sales:
Como o demônio só tem de poder aquele que Deus lhe concede, quanto mais
terríveis forem os seus assaltos, tanto mais necessário se torna redobrar de
confiança na Divina Providência; pois esta não permite ao inimigo assaltar e
atormentar continuamente senão esses entes pusilânimes que não confiam nela,
que desdenham haurir sua força nela, e que colocam em qualquer outra parte a
sua confiança.
III. Usar dos remédios naturais
Embora Deus seja a primeira causa da nossa salvação,
todavia Ele quer que nós mesmos trabalhemos nesta; não basta, pois, pedir a
Deus que cure os escrúpulos; é preciso, ainda, que o próprio escrupuloso
trabalhe na sua cura, usando de remédios em relação com a causa da sua doença.
Quando, por experiência e pelo aviso de um prudente diretor, ele reconheceu que
a causa das seus escrúpulos é natural, que estes vêm de um espirito enleado, de
um temperamento frio e melancólico, ou de qualquer outra causa deste gênero,
deve recorrer aos remédios naturais; pois pode-se dizer que ele precisa mais da
medicina do que da teologia. Diz Santa Teresa no capítulo sétimo das suas
Fundações: “É preciso purgar com frequência a melancolia, ocupar o doente nos
empregos exteriores para lhe divertir a imaginação, e suportar caridosamente
as faltas que ele cometer em razão do seu estado, tendo em mais consideração a
necessidade dele do que a nossa satisfação”. Se o escrupuloso está no mundo,
deve entregar-se a uma doce alegria, frequentar pessoas de uma piedade
desembaraçada, e, por todos os meios lícitos, por meio de recreações honestas,
de passeios, de viagens, trabalhar por vencer esse temperamento triste e melancólico
que o lança nesse estado, e que paralisa todas as faculdades de sua alma. Deve
renunciar às austeridades demasiado grandes, às privações que lhe debilitam o
físico e o moral, e reentrar no equilíbrio mais perfeito possível.
IV. Resguardar-se das pequenas faltas
Quando a causa dos escrúpulos é exterior, quando
eles vêm da parte do demônio, ou mesmo da parte de Deus, que se serve da malícia
do nosso inimigo para nos castigar, um remédio excelente é resguardar-se das
pequenas faltas voluntárias, principalmente do orgulho. É este o sentimento do
Cardeal Cajetan, porquanto, diz esse sábio doutor, quando um homem abandona o
cuidado da sua perfeição e da sua pureza, caindo facilmente, sem escrúpulos, em
faltas veniais, o seu bom anjo igualmente o abandona; depois do que, não é de
admirar que o demônio aflija essa alma, achando-a sem auxílio e sem defesa.
Ademais, não somente o seu bom anjo se afasta dela, mas o próprio Deus se
retira e lhe oculta a beleza do Seu rosto, e, destarte, ela cai na perturbação
e na obscuridade, do mesmo modo que, quando o sol está oculto, o mundo se acha
imerso nas trevas. Bem o havia experimentado o profeta quando dizia: “Assim
que desviastes de mim a vossa face, fiquei repleto de perturbação”. Pode-se dizer
que, para se resguardar dos escrúpulos, é preciso resguardar-se das pequenas faltas,
porque elas são frequentemente a causa pela qual Deus nos deixa cair nos
escrúpulos; cerceando essas faltas, cerceiam-se as perturbações, do mesmo modo
que, tirando a causa, se tiram os efeitos.
V. Seguir os exemplos das pessoas sensatas
Excelente remédio contra os escrúpulos é, ainda,
seguir o exemplo das pessoas sensatas, e observar de que maneira se comportam
as pessoas doutas e piedosas, nas matérias que nos detêm e que nos metem tanto
medo; pois devemos crer que, sendo doutas, elas conhecem o mal, e, sendo piedosas,
não quereriam fazê-lo. Podemos, pois, sem receio, passar por onde elas passam
e andar-lhes nas pisadas; esta trilha é segura, visto o Sábio dizer-nos que foi
pelo bom exemplo dos outros que ele aprendeu a comportar-se: Exemplo didici disciplinam (Prov 24,
23). E, mais adiante, ele acrescenta que quem anda nas pisadas dos sábios anda
com segurança (Prov 13): Qui cum
sapientibus graditur, sapiens erit. Não se poderia, pois, aconselhar
demasiadamente aos escrupulosos frequentarem pessoas sensatas, doutas e piedosas,
examinar-lhes o procedimento, tomar conselho delas e imitá-las.
VI. Enxotar os primeiros pensamentos do escrúpulo
Ótimo remédio contra os escrúpulos é fechar a porta
aos primeiros pensamentos escrupulosos que se apresentem à imaginação;
porquanto, se lhes dermos entrada, não somente custaremos a enxotá-los, porém
eles arrastarão após si vários outros pensamentos, como diz o Cardeal Cajetano:
In hoc videtur consistere naturalis causa
scrupulorum, quod mota una phantasia, oportet multa consequi, ita quod non est
in potestate sua compescere sequentes commotiones. Portanto, mal se apresente
algum pensamento que se suspeite ser de escrúpulo, deve-se rejeitá-lo
prontamente.
VII. Seguir o conselho de um prudente diretor, e
obedecer-lhe em tudo
Um dos remédios mais eficazes que se possam aplicar
aos escrúpulos é descobri-los ao seu diretor e seguir cegamente o conselho e
juízo dele; porquanto a obediência, tão essencial a todo aquele que quer andar
com segurança pelas trilhas da salvação, é-o particularmente aos escrupulosos.
Ora, estes solapam esta virtude pelos fundamentos. A obediência é fundada na
vontade de Deus, vontade que devemos reconhecer na ordem daquele que nos
governa em seu lugar: Qui resistit
potestati. Dei ordinationi resistit. Mas, por isso que o escrupuloso receia
tudo, não receia somente ser enganado pelo seu próprio juízo, receia ainda
sê-lo pelo juízo do seu diretor. Para sossegar os seus temores, lembre-se ele
de que Deus deu aos diretores das almas a chave da ciência para conduzi-las, e
que da boca deles é que ele deve aprender as vontades de Deus. “Os alunos dos sacerdotes
são os depositários da ciência, e é da boca do Sacerdote que se deverá
procurar o conhecimento da lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos”.
Alhures Jesus diz: “Quem vos escuta, a mim escuta”. — “Vós sois a luz do
mundo”. Pode-se, pois, sem receio, seguir a decisão deles. Em verdade, se,
neste caso, Deus pudesse um dia censurar-nos por havermos tomado o mal pelo
bem, nós poderíamos ao mesmo tempo censurar- lhe o ser Ele mesmo a causa do
nosso engano, mandando-nos obedecer aos diretores.
Desde o nascimento da Igreja, os fiéis sempre se
ativeram inviolavelmente a esta regra. Nosso Senhor fez conhecer a Santa Teresa
com que segurança se deve seguir o juízo dos diretores, quando, estando afligida
por perturbações, por angústias, por temores de ser iludida, muito semelhantes
aos dos escrúpulos, Ele lhe disse que ela não devia recear ser enganada, visto
que pessoas muito estimáveis e muito instruídas a haviam assegurado do seu
estado. Efetivamente, ela teve uma submissão tão perfeita ao juízo dos seus
diretores, que, sendo favorecida por várias visões de Nosso Senhor, com
perfeita certeza de que vinham d’Ele, mas lhe havendo o seu confessor, que as
acreditava falsas e as considerava como ilusões, mandado desprezá-las e
enxotá-las fazendo o sinal da cruz, ela obedeceu, embora com repugnância extrema.
Esta verdade é tão constante, que jamais houve
qualquer católico que haja duvidado dela, como muito bem o diz o erudito e
célebre geral dos Carmelitas João de Jesus Maria: “Este gênero de remédio não é
daqueles que só se fundam na opinião de certo número de doutores, como o vemos
em certos casos em que se pode dizer que os doutores estão divididos e repartidos
em diversos sentimentos; não: aqui a opinião é comum, universal, de todos os
doutores, os quais têm como a coisa mais evidente do mundo que, desde que o
penitente tenha escolhido um diretor bom, prudente, experiente, deve
submeter-se a tudo o que ele lhe diz e lhe aconselha”. E, com efeito, se Deus
não houvesse dado esta autoridade aos diretores das almas, não teria provido
suficientemente à nossa salvação, visto como, já que Ele não resolveu nas
Escrituras as dúvidas particulares que nos sobrevêm todos os dias, já que não
nos envia anjos para esclarecê-las, já que nós não temos bastantes luzes para
resolvê-las, e já que não se podem reunir concílios gerais para decidi-las, bem
necessário se torna que Ele tenha dado um poder absoluto aos diretores particulares,
do contrário teríamos de dizer que Ele nos deixou na impossibilidade de
conhecer as Suas vontades e de cumpri-las, o que não se pode dizer sem cair na
heresia.
Depois disto, não é verdade dizer que é uma
obstinação e uma teimosia horrível a dos escrupulosos que recusam obedecer ao
seu diretor? Deus nas Suas Escrituras, a Igreja nas suas decisões, os santos na
sua doutrina, os doutores nas suas assembléias, a razão, o senso comum,
estabelecem de comum acordo esta verdade. Mas, quando um escrupuloso, por uma
imaginação ferida e prevenida, a suspeita de erro e recusa segui-la, não é isto
ter falta de senso e tomar-se réu de uma falta grave de desobediência? Por isto
mesmo, vemos que Deus a pune muitas vezes com severidade pelas angústias e
pelas perturbações a que entrega os escrupulosos: de sorte que, como fala
Santo Agostinho, o pecado deles é o algoz que os castiga. Ora, diz S. Francisco
de Sales, “o melhor é andar às cegas, sob a guia da Providência Divina, por
entre as trevas e as perplexidades desta vida. É preciso contentar-se com
saber de seu pai espiritual que se anda bem, sem procurar ver isto. Ninguém
jamais se perdeu obedecendo”.
“Aquele que obedece ao seu confessor, dizia por seu
lado S. Filipe de Néri, está seguro de não dar contas a Deus das suas ações”.
“Ao contrário, dizia S. João da Cruz, não se tranquilizar sobre o que o confessor
diz, é orgulho e falta de fé”. Mas, para acabar de convencer sobre este ponto
os escrupulosos, mister se faz responder-lhes às objeções.
Respostas às objeções aos escrupulosos sobre o
sétimo conselho
A primeira
objeção que o escrupuloso faz é esta: é que, sendo persuadido pelas luzes da
sua consciência de que há pecado em alguma coisa, não pode renunciar às suas
luzes para seguir as do seu diretor que lhe diz o contrário.
Responder-lhe-emos primeiramente que, mesmo quando a
sua consciência lhe dissesse que há pecado naquilo que faz a matéria do seu
escrúpulo, ele pode e deve renunciar à sua consciência para seguir a de
outrem, porque a fé nos ensina que devemos renunciar ao nosso juízo para seguir
o do nosso diretor, e é este um ato de obediência que é uma das mais excelentes
virtudes cristãs.
Dir-lhe-emos, em seguida, que a própria razão ensina
que nos devemos afastar do juízo de um homem ignorante e apaixonado, para
seguirmos o de um homem erudito e sem paixão; porquanto, sendo ignorante, o
primeiro se enganará; sendo apaixonado, o fogo da paixão impedi-lo-á de ver
coisas as mais claras. Porque lá diz a Escritura: O fogo caiu do alto sobre eles
e eles não viram o sol.
Ora, a humildade cristã deve fazer crer ao
escrupuloso que ele é um ignorante, e a experiência deve fazer-lhe sentir que
ele está prevenido por uma paixão violenta de temor e de apreensão, que o
cega. Os diretores, ao contrário, são uns doutores eruditos, visto como, além
dos seus estudos, são esclarecidos por Deus; são sem paixão, visto não terem
nenhum interesse naquilo que faz a dúvida do escrupuloso, e não haveriam de
querer sobrecarregar a sua consciência para descarregar a dele. Pode-se,
pois, e mesmo se deve, renunciar às suas próprias luzes para seguir as do seu
diretor.
A segunda
objeção do escrupuloso é que, sendo o diretor um homem como os outros, pode
enganar-se e dar-lhe um mau conselho.
A esta segunda objeção respondemos dizendo ao
escrupuloso ser verdade que o diretor pode enganar-se dando um mau conselho;
mas que um escrupuloso não pode ser enganado seguindo esse conselho, como fala
S. Bernardo: e isto se vê claramente pelo exemplo de Santa Teresa de que falamos
mais acima. Sem dúvida que o confessor que aconselhou a ela desprezar a visita
de Nosso Senhor lhe deu um péssimo conselho; não obstante, Nosso Senhor disse a
essa santa, como ela mesmo refere, que ela não tinha cometido falta
seguindo-o, porque uma pessoa não pode cometer falta quando segue as regras da
prudência. Ora, não há regra de prudência mais certa do que a de agir segundo o
conselho do seu diretor.
Não queremos com isto dizer que um escrupuloso seja
obrigado a consultar o seu diretor tantas vezes quantas lhe vêm escrúpulos;
não, certamente. Mas, quando o tiver feito em algum caso particular, pode
determinar-se por si mesmo, quando o mesmo caso ou outros semelhantes se apresentarem.
É a doutrina de Vasquez (Disp. 67, c. 2). Podem eles, mesmo, aplicar a casos
particulares as regras gerais que lhes foram dadas. Não julguem ser demasiado
largos nisso, visto não serem de pior condição do que os que não são
escrupulosos e que procedem desse modo.
É mesmo bom adverti-los aqui de que, depois de comunicarem
os seus escrúpulos ao seu diretor e receberem o conselho dele, o demônio, para
tornar inútil essa ação, lhes sugerirá haverem eles omitido alguma
circunstância essencial, que o diretor não compreendeu bem, etc.; e, se eles
abrirem a mente ou o ouvido a essas sugestões, ei-los tão perturbados quanto
antes. Guardem-se, pois, bem de escutar todos esses ardis, e persuadam-se de
que se explicaram suficientemente, e de que, aliás, sendo o confessor
experiente nessas matérias, compreendeu tudo só com uma meia palavra.
Eis aqui como S. Afonso de Ligório refuta, por sua
vez, as objeções dos escrupulosos:
“S. Bernardo diz que, seguindo o confessor, ninguém
jamais se engana. E o B. Henrique Suso diz que Deus não pede conta daquilo que se
faz por obediência.
Mas o escrupuloso replica: “Se eu tivesse S.
Bernardo por confessor, obedeceria cegamente; mas o meu confessor não é S.
Bernardo”. Não é S. Bernardo, sim, prossegue o nosso santo; porém é mais do que
S. Bernardo, pois ocupa o lugar de Deus. Escutai ainda o sábio Gerson a este
respeito: “Vós, que assim falais, estais no erro; porquanto não confiastes num
homem porque ele é douto, mas porque Deus vo-lo deu por guia. Obedecei-lhe,
pois, não como a um homem, mas como ao próprio Deus”.
“Mas, dizeis vós, eu não sou escrupuloso, meus
receios são fundados”. Respondo com Santo Afonso de Ligório: Nenhum louco se
acredita louco, e a sua loucura consiste justamente em não se conhecer.
Digo-vos igualmente: Sois escrupulosos porque não vedes o quanto são vãos os
vossos escrúpulos; pois, se soubésseis que eles são vãos, desvencilhar-vos-íeis
deles. Tranquilizai-vos e obedecei ao vosso confessor, que conhece melhor do
que vós a vossa consciência.
Mas acrescentais: “Meu confessor é bom, porém eu não
sei me exprimir. É por isso que ele não compreende bem o estado de minha alma”.
Fazeis mil escrúpulos fora de propósito, e não
fazeis escrúpulo de tratar vosso confessor de ignorante e de sacrílego! Assim,
no receio de que ele não vos haja compreendido ou de que tenha julgado mal os
vossos escrúpulos pela palavra pronunciada, ides até o ponto de fazer dele
esse juízo falso. O erudito Perelli dizia um dia a uma alma escrupulosa que
acusava de heresia o seu confessor: “Mas afinal me diga, minha irmã, em que
universidade estudou a teologia, a sra, que sabe mais do que o seu confessor?
Vá para a sua roca, por favor, e não fale mais assim”. Não vos responderei como
esse bispo; mas exorto-vos a vos aterdes a tudo o que vosso confessor vos
disser. Quando ele vos diz: Não quero saber de mais; calai-vos e ide comungar,
etc., obedecei-lhe, e acreditai que ele vos compreendeu.
Mas, dizeis vós, “se eu me condenar obedecendo, quem
me tirará do inferno?” Isso não é possível, pois a obediência leva ao paraíso,
e nunca ao inferno.
Os santos doutores (Santo Antonino, Navarro, Suárez
e outros) concedem comumente dois privilégios às almas escrupulosas, no
tocante às suas confissões passadas, às suas dúvidas, aos seus maus pensamentos,
ao seu consentimento, etc., etc.:
1.º- Que elas não pecam agindo contra os escrúpulos,
quando o fazem por obediência;
2.º- Que, depois da ação, devem crer que não
consentiram nos seus maus pensamentos, se não estiverem certas de haver
realmente dado pleno consentimento ao pecado cuja malícia inteira conhecem.
Quando duvidarem disso, a sua própria dúvida prova que elas não acederam à
tentação por sua vontade, pois, se não fosse isso, não duvidariam.
“Mas, dizeis vós, quero agir com a certeza de que
não desagrado a Deus”. A maior certeza de Lhe agradardes é obedecerdes ao
vosso diretor e vencerdes o vosso escrúpulo.
Se quereis andar direito e com segurança, obedecei
pontualmente a todas as ordens do vosso diretor. Rogai-lhe que vos dê regras,
não somente particulares, mas gerais, e atende-vos a elas. Termino repetindo
sempre: Obedecei, obedecei, e por caridade não trateis a Deus de tirano”.
Assim fala Santo Afonso de Ligório, esse santo, tão
erudito nos caminhos de Deus e tão experiente sobre as doenças da alma.
Finalmente, para dar mais peso às nossas provas,
vamos citar, no oitavo conselho, as autoridades mais próprias para convencer
os escrupulosos.
VIII. Agir contra os escrúpulos
O último e o mais eficaz conselho, sem o qual os
outros de nada serviriam, é explicar todas as dúvidas em favor de si mesmos, e
passar por cima delas quando se desconfiar que são escrúpulos. Por exemplo, um
escrupuloso teve pensamentos de blasfêmia, de impureza, de juízos temerários;
sente dúvidas e temores violentos de haver consentido neles; todavia, não
ousaria assegurá-lo, desconfia, mesmo, de se tratar aqui de um escrúpulo.
Neste caso e noutros semelhantes, deve persuadir-se de não haver consentido, e,
sem perder tempo em discutir mais, deve rejeitar prontamente esse pensamento
como um pensamento criminoso, contrário à paz e ao repouso de sua alma.
Mas, como o escrupuloso poderia achar violento e
perigoso este remédio, e por conseguinte poderia recusar-lhe o uso, eis aqui um
feixe de provas imponentes, uma reunião de doutores aos quais não se pode
resistir sem loucura.
Primeiramente, todos os teólogos, tanto escolásticos
quanto místicos ou espirituais, ordenam este remédio como um remédio seguro.
Limitemo-nos a citar alguns deles, os mais famosos.
Gerson, chanceler de Paris, diz no seu Tratado da
preparação para a missa, cons. 6º: Os escrupulosos (falando dos padres que
receiam sempre não haver pronunciado bem as palavras da consagração ou outras)
“devem ousadamente ir contra tais escrúpulos; do contrário nunca terão a paz da
alma”.
Santo Antonino, Livro de Consciência, página 10,
regra 6.ª, diz: “É um conselho salutar agir as mais das vezes contra os leves
escrúpulos e contra os ataques de tibieza, etc.”.
O Cardeal Cajetano, falando, na sua Suma, dos
escrúpulos ordinários sobre a matéria das confissões, diz que, quando alguém
duvida de se ter esquecido de confessar algum pecado, se tem alguma crença
ligeira de o haver confessado deve tomar essa crença por certeza e depor a sua
dúvida.
Vásquez diz que o escrupuloso nunca deve crer haver
pecado mortalmente se isso não lhe aparece tão claramente que ele não tenha
dúvida alguma a respeito, e, às vezes, mesmo se não estiver pronto a jurar.
Enfim, todos os teólogos místicos ou espirituais, o
Beato João de Jesus Maria, esse homem tão esclarecido; o Beato Afonso Cabrera,
célebre dominicano; os Padres Jamin, Surin, Rodriguez, Louis de Blois, Avila,
Henrique Suso, Tomás a Kempis, S. Francisco de Sales, S. Filipe de Néri, Santa
Teresa, S. João da Cruz, S. Inácio, Dionísio o Cartuxo, etc., dizem que “é preciso
combater generosamente e agir contra o escrúpulo, depondo a própria consciência;
porquanto quem consente no escrúpulo, embora seja sobre coisa leve, alimenta-o
e entretém-no, de tal sorte que com isso é mais atormentado nas coisas
importantes; e, ao contrário, quem é fiel em resistir à tentação do escrúpulo
torna-se mais forte, pelos bons hábitos que adquire resistindo”, como diz o
apóstolo S. Tiago: Resistite diabolo, et
fugiet a vobis; resisti ao demônio, e ele fugirá de vós.
Que responderá o escrupuloso a tantas autoridades
imponentes? Dirá que todos esses doutores se enganam? Para isto seria mister
haver perdido todo o respeito para com a Igreja e os seus doutores.
Dirá que esses doutores só avançam essa doutrina
para aliviar as consciências timoratas? Mas quereriam esses doutores, para
exonerar-a consciência dos outros, ensinar o erro onerando a sua própria
consciência?
Dirá, enfim, que eles falam em favor dos
escrupulosos, e que ele não é do número destes? Para responder a isto, basta
provar-lhe, consoante as regras precedentes, que ele não o é senão em demasia.
Receará ele colocar-se mal com Deus agindo desse
modo? A experiência prova que aqueles que assim agem são agradáveis a Deus,
visto vermos que Deus os faz sempre progredir em graça e em virtude, e que Ele
deixa cair em grandes faltas os que consentem no escrúpulo.
Responderá que está convencido de todas essas
verdades, mas que, nessas ocasiões, é possuído de um temor tão violento que
não pode abafá-lo? Então eu digo que, se ele não pode evitar o temor, visto que
nisto consiste a tentação, deve resignar-se a suportá-la em paz, com paciência,
e resguardar-se de consentir nela.
Replicará ele, enfim, que receia pecar agindo com
esse temor e contra a sua consciência? Ser-lhe-á então respondido que, embora
ele aja com temor e, mesmo assim agindo, se engane, pensando não existir pecado
onde o há, contudo ele não peca, segundo o sentimento geral dos teólogos, e em
particular de Santo Antonino.
Devemos, entretanto, antes de findar este artigo, expor
um ponto essencial aos escrupulosos: e é que, aconselhando-lhes explicarem em
seu favor as dúvidas que lhes advêm, e passarem adiante, entendemos isto de
toda sorte de dúvidas e de questões de fato: por exemplo, se se consentiu em
maus pensamentos, se se pronunciaram as palavras da consagração, se se
confessou um pecado ou não, etc,; mas, nas questões de direito, por exemplo, se
um contrato é usurário ou não, se se está obrigado a restituir ou não, etc.,
cumpre entender estas matérias com alguma distinção, mormente entre pessoas pouco
instruídas, pouco inteligentes, naturalmente interessadas e que pudessem
aplicar mal as regras. Sobre isto, cumpre consultar o diretor e seguir o juízo
dele.