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TRATADO DOS ESCRÚPULOS DE CONSCIÊNCIA
PELO
ABADE GRIMES
1854
CAPITULO IV
DOS MAUS EFEITOS DOS ESCRÚPULOS
Não se podem deplorar bastante os danos que os
escrúpulos causam àqueles que os escutam e que lhes dão consentimento;
muitíssimas vezes, arruínam a saúde do corpo, alterando o cérebro, bestificando
o espírito, e, ademais, desolam a consciência. É uma espécie de martírio
inferior, diz Fénelon; vai até a uma espécie de dislate e de desespero, embora
o fundo esteja cheio de razão e de verdade. Quantos infelizes começaram pelo
escrúpulo e acabaram pela impiedade e pela libertinagem!
Em primeiro lugar um escrupuloso torna-se incapaz
de devoção, porque o Espírito Santo só ateia nas almas esse fogo celeste no
exercício da oração e na meditação das coisas santas, in meditatione mea exardescet ignis. E é disto que o escrupuloso
não é capaz, porque, tendo a mente perturbada pelos escrúpulos, examinando
incessantemente e rolando na cabeça se pecou ou se não pecou, é incapaz de
meditação e, por conseguinte, de devoção. Um escrupuloso não pode
desobrigar-se como convém dos exercícios de piedade, nem progredir nas
virtudes, não somente porque para isto é preciso uma grande aplicação de mente,
de que o escrupuloso não é capaz, como também porque, sendo essas práticas
acompanhadas de amarguras, não se poderia continuá-las por muito tempo se elas
não fossem abrandadas pelas consolações do Espírito Santo; e é esta, ainda,
uma coisa de que o escrupuloso não é capaz, porquanto, estando continuamente
imerso na angústia e na desolação, não pode ao mesmo tempo degustar alguma
consolação; e é isso talvez o que o profeta queria exprimir dizendo que a
turbação do espírito enfraquecia a virtude da sua alma: conturbatum est cor meum; dereliquit
me virtus mea (Sl 37). Meu coração está cheio de perturbação, toda a minha
força abandonou-me, e até mesmo a luz dos meus olhos não a tenho mais.
Porém um efeito bem funesto, ainda, é que o
escrupuloso está sujeito a procurar na carne e nos sentidos os prazeres e as
consolações de que precisa, seja para aliviar as penas que o acabrunham, seja
porque não se pode viver muito tempo sem experimentar algum prazer no espírito
ou no corpo; estando privado dos do espírito, ele é tentado a procurar os do
corpo.
Finalmente, por um desregramento e uma desordem
surpreendente, o escrupuloso faz às vezes escrúpulo daquilo que não é pecado,
mas não faz escrúpulo daquilo que é pecado, ou então o faz daquilo que ele
acredita ser pecado mortal, e não o faz daquilo que acredita ser pecado venial;
cai na “cegueira e nesse estado que Jesus Cristo exprobrava aos Fariseus: “Tem
medo de engolir um mosquito, e engole um camelo” (Mt 23, 24); perde o tempo
em combater inimigos imaginários, e lança-se nas mãos daqueles que são inimigos
reais e temíveis.
Eis aí algumas das mil devastações que os escrúpulos
causam nas consciências. É por isto que os doutores e os pais da vida
espiritual asseveram que um escrupuloso não somente não peca repelindo os seus
escrúpulos, porém peca consentindo neles; porque este consentimento o lança em
mil desordens e lhe fecha a porta da perfeição, e às vezes até mesmo a do céu.