Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI
NO CÉU NOS
RECONHECEREMOS
Pelo
Pe. F. Blot, da Companhia de Jesus
Versão 19.ª edição francesa
pelo
Pe. Francisco Soares da Cunha
PRIMEIRA
CARTA
I
É permitido afligir-nos pela morte dos
nossos parentes, contanto que não cessemos de esperar. – Testemunho de Santo
Agostinho. – Prática da Igreja – Palavras de S. Paulino. – Exemplo de Jesus Cristo.
SENHORA,
A morte descarregou o seu
terrível golpe junto de vós, sobre as pessoas que vos eram mais caras. A vossa
dor é extrema, e é legítima, ainda que não duvideis da eterna salvação daqueles
cuja falta lamentais.
Por que motivos vos será
proibido chorar por vossos parentes e amigos que adormecem no Senhor, contanto
que, seguindo o conselho do Apóstolo, vos não entristeçais como os que não têm
esperança? (I Thess. IV 12).
Santo Agostinho comentava
assim estas palavras:
“É natural entristecermo-nos
com a morte daqueles que nos são caros, pois que a natureza tem horror à morte,
e a fé nos ensina que ela é um castigo do pecado.
A tristeza é uma necessidade: Hinc itaque necesse est ut tristes simus, quando aqueles que amamos
deixam de existir. Porque, ainda que saibamos que nos não abandonam para sempre,
como aconteceria se devêssemos ficar sempre na terra, mas que nos precedem pouco
tempo, porque estamos destinados a segui-los talvez muito breve; todavia, como
não contristaria o sentimento do nosso amor a inexorável morte que se apodera
do nosso amigo?
Que seja permitido, pois, aos
corações amantes entristecerem-se com a morte das pessoas amadas, contanto que
haja um remédio para esta dor e uma consolação para estas lágrimas, na alegria
que a fé nos faz gozar, assegurando-nos da sorte de nossos queridos defuntos,
que se apartam somente por algum tempo de nós e passam a melhor vida.”[1]
A Igreja, pelo seu exemplo,
permite-nos chorar, e pelo seu ensino ordena-nos esperar.
Como nós, toma luto por
ocasião da morte de nossos parentes, e a sua voz, como a nossa, é cheia de
tristeza.
Com o tato, que é particular
às mães, e que elas sabem empregar em todas as coisas para se tornarem mais
persuasivas, a Igreja, tem-se dito, pede de empréstimo à dor as suas lúgubres
harmonias, tão bem adaptadas ao estado da alma aflita, que crê mitigar a sua
dor nutrindo-se da mesma dor.
Mas, misturando os seus
gemidos com os nossos gemidos e as suas lágrimas com as nossas, declara-nos, em
nome de Deus vivo, que o que julgamos ser uma morte, não é mais do que uma separação
momentânea, um ponto fixo de reunião que a pessoa tão chorada nos dá na
habitação da vida, onde a reencontraremos em breve tempo para não mais a
perdermos.
Acrescenta que, “mesmo na
terra, não acabou tudo entre nós e esta alma; que ainda podemos amá-la e sermos
dela amados, apesar da morte”.
A mesma Igreja ainda no-lo
mostra na morada dos sofrimentos, implorando com voz aflitiva o fraternal
tributo de nossas esmolas, de nossas orações e de nossas boas obras. Ou então,
no-la faz ver já revestida da incomparável beleza do Céu, e repousando no seio
de Deus, donde sobre nós lança olhares duma doçura e ternura inefáveis; faz-nos
vê-la, preparando-nos com amor um lugar a seu lado, e oferecendo a Deus
incessantemente as suas mais ferventes orações a fim de obter-nos o merecimento
de possuí-la e de nunca mais a perder”[2].
S. Paulino, Bispo de Nola,
consolou a Pamáquio, por ocasião da morte de Paulina, sua mulher, filha de
Santa Paula e irmã de Santa Eustáquia.
O virtuoso esposo vertia lágrimas
tão abundantes como as suas esmolas. Que vai fazer o seu amigo? Irá censurar
estas lágrimas? Louva-las-á pelo contrário, e colherá nas Sagradas Escrituras
todos os exemplos de santas lágrimas vertidas por ocasião da morte duma pessoa
querida.
Depois acrescentará: “Para que
censurar as lágrimas dos santos mortais? Não chorou o mesmo Jesus a morte de
Lázaro, a quem amava?”
Não se dignou Ele condoer-se
da nossa desgraça, até derramar lágrimas sobre um morto? Não se dignou chorar,
acomodando-se à fraqueza humana, aquele a quem ia ressuscitar por um efeito da
sua divina virtude?
“Eis o motivo, ó meu irmão, por que vossas lágrimas são
piedosas e santas”: Idcirco et tuae, frater,
lacrymae sanctae et piae. Porque uma semelhante afeição as faz correr; e se
chorais uma digna e casta esposa, não é porque duvideis da ressurreição, mas
porque vosso amor tem pesares e desejos[3].
Diante daqueles que vos repreenderem de vossas lágrimas,
abri, pois, o Evangelho, e por única resposta, apontai-lhes com o dedo estas
palavras de S. João: Et lacrymatus est
Jesus – e Jesus chorou; e ainda as seguintes: Et turbavit seipsum – e se perturbou a si mesmo. (Joan., XI, 33, 35
).
Mostrai-lhes estas linhas dum
escritor que há bem merecido de todas as pessoas aflitas:
“Jesus quis privar-Se desta
doçura que se encontra no sossego da aflição, quis ser perturbado. A Sua
natureza divina não Lhe permitia sê-lo senão tanto quanto Ele mesmo concorresse
para esta perturbação; foi isso o que fez; assim no-lo diz o Evangelho.
Depois dum semelhante exemplo,
não mais atribuamos à nossa imperfeição as lágrimas que a aflição nos arranca,
nem a perturbação em que ela nos lança: Jesus chorou, Jesus perturbou-Se.
É necessário, porém, que esta
perturbação não degenere em inquietação, para se não perder a semelhança com Jesus.
Não é do agrado de Deus que eu
desaprove as lágrimas de um esposo que, depois de ter levantado os olhos ao Céu
para aí ver a sua esposa coroada de imortalidade, os sente encherem-se de
lágrimas quando, abaixando-os para a terra, não encontra já esta companheira
muito amada.
O sentimento que faz chorar a
pessoa cuja companhia formava a nossa felicidade, não poderia ser condenado,
quando não é o único motivo das lágrimas que vertemos na sua perda. Este desejo
de gozar da sociedade da pessoa que se ama, é de tal sorte natural ao homem,
que Deus lhe propõe o seu complemento como eterna recompensa de sua fidelidade
em o amar durante a vida”.[4]
[1]
Santo Agostinho, Serm. 172, no. 13.
[2]
Marc, Le ciel, apêndice sobre o amor beatífico, cap. I.
[3] S.
Paulino, Epist. XIII, no. 4, 5.
[4]
Luiz Provana de Collegno – Consolações da
religião na perda das pessoas que nos são queridas, Carta I.