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A Mãe segundo a vontade de Deus ou Deveres da Mãe Cristã para com os seus filhos,
do célebre Padre J. Berthier, M.S
Edição de 1927
XII-
Do espírito do mundo
O
amor de Deus e o espírito de Nosso Senhor não podem estabelecer a sua morada
num coração onde reinam o espírito e o amor do mundo; ora tudo o que cerca as
crianças junta-se às suas próprias inclinações, para as levar para o amor deste
mundo perverso, que é o inimigo jurado de Jesus Cristo «Em volta da crianças,
diz o judicioso Rollin, não há senão louvores aos que amontoam grandes riquezas,
que têem grandes equipagens, que vivera principescamente, que têm ricos
palacetes... Carecem, pois, estas crianças dum monitor fiel e assíduo, dum
advogado que defenda, junto delas, a causa da verdade, da honra e da razão,
que lhes faça notar a falsidade que reina em quase todos os discursos, e
conversações dos homens.» Carecem dum guia inteligente, que as arranque a
esses jardins íloridos que o mundo lhes apresenta, e que só servem para a sua
perdição, afim de que possam entrar no caminho espinhoso das virtudes cristãs,
que conduz à eterna felicidade. Quem será esse monitor fiel, esse benfazejo
guia, senão uma atenta mãe, que faça notar a seus filhos a vaidade de tudo o
que passa, repetindo-lhes muitas vezes: — «Não ameis o mundo, meus filhos, porque
o mundo só vive de falsidades. Não há no mundo senão concupiscência da carne,
concupiscência dos olhos e orgulho.» Três fontes envenenadas de todos os
nossos males e de todas as nossas iniquidades, que é preciso extirpar do coração
das crianças. «Quem não sabe que, na grande obra da educação, temos a lutar
contra a tríplice concupiscência, nada sabe, e nada pode, diz o ilustre bispo
d’Orleans.»
É
pois a sensualidade o primeiro inimigo que temos a combater, isto é o amor do
que lisonjeia o corpo, a moleza, a ociosidade com o vício que a segue de
perto. Já neste livro nos insurgimos contra certas mães que concedem e procuram
a seus filhos tudo o que pode lisonjear os seus gostos; inútil será tornar a
falar sobre este ponto. Mas por quantas outras facilidades se não intertêem
estas fraquezas nas crianças! Satisfazem-se todos os seus caprichos, para que
nada tenham a sofrer; até lhes chegam a tirar o ar, com medo que tenham muito
calor no verão, e muito frio no inverno. Mal se acusam da mais pequena dor,
logo lhes tiram o estudo, e à menor indisposição, pai, mãe e criados andam numa
roda viva, prodigalizando-lhes mil atenções e cuidados. Deixam-nas dormir até
tarde na cama; talvez até as deixam estar na cama, sem dormir, e lamentam-nas,
pelo que sofrem no colégio.
Parecem
fúteis estes pormenores, mas têm um grande alcance, pelas fantasias que se
sofrem aos meninos e que tão legítimas se julgam. No entretanto o conjunto de
todas as estas sensualidades tira-lhes toda a energia, e toda a força física e
moral, não lhes deixando ardor senão para o pecado.
«As
crianças que passam os primeiros anos no meio das delícias, escreve Mgr.
Dupanloup, repelem com repugnância todas as verdades que lhes incutem,
apoderando-se com deplorável instinto de tudo o que é falso, ou as lisonjeia.
Nada pode dar uma idéia do que pode suceder, na vida, a essas crianças que são
amimadas no seio de todas as vontades. Porque as acariciam, porque lhes
testemunham ternura muito sensível, porque lhes concedem quanto lisonjeia o
seu apetite, o seu olhar, a sua preguiça... parecem-nos de ordinário uns lindos
meninos, graciosos, prazenteiros, gracejadores; se os virdes de relance
parecer-vos-ão encantadores; mas se repentinamente descobrirdes a sua fraqueza
e malícia, se experimentardes uma resistência, se lhes exigirdes o menor
trabalho, a mais ligeira aplicação, logo o mau humor, o seu silêncio pesaroso e
ruim vos revelarão que essas crianças tão amáveis são apenas enganadoras ... É
certo que não gosto das crianças secas, duras e altivas, mas as que são ternas,
insinuantes, meigas, para serem amáveis à primeira vista, não são menos
ingratas a meus olhos... E o que aumenta o perigo, é que são fáceis os enganos;
os mais hábeis são completamente iludidos... É necessário observar, diz
Fénelon, que há naturezas de crianças que fazem enganar; parecem-nos ao princípio
bonitos, porque as primeiras graças da infância são formadas dum verniz que
ilude. E que acontece depois divertem-se, deixam-se lisongear por toda a gente,
por mulheres servis, que... seguem todas as suas fantasias, satisfazem todas as
vontades, e animam as suas pequenas paixões depravadas. Dentro em pouco
desaparecem as graças enganadoras da infância... perde-se a ternura aparente
do seu coração, e mostram, com espanto, uma desoladora secura da alma, e por
fim de contas, estas lindas crianças tornam-se verdadeiramente horríveis; só
tarde é que se conhece, que não há ente mais duro, mais mau, mais altivo, mais
violento, mais egoísta, mais ingrato, mais injusto e mais odioso do que uma
criança acostumada a fazer todas as suas vontades.» As atenções que se têem com
as crianças doentes, as vontades que, por essa ocasião, se lhes fazem,
prejudicam-nas duma forma deplorável. Nada há que seja mais funesto a uma criança,
do que ser, durante muitos anos o objeto constante de todos os cuidados, de
todas as preocupações dum pai, duma mãe e de todos os criados duma casa... É um
mal quase inevitável, mas é certo que é um mal. É preciso, pelo menos, evitar
tudo quanto puder evitar-se. Deve-se procurar não servir este querido doente inutilmente,
e nada lhe fazer, senão quando realmente careça dos seus serviços. Creio que,
mesmo na mais tenra idade, se devem evitar com as crianças essas ternuras
apaixonadas, que não servem senão para fazer as crianças mal educadas. Sem
dúvida que é preciso ter com elas uma profunda e terna bondade, para que
conheçam que são amadas, mas nem, por esse fato, devem os pais mostrar-se
fracos e pusilânimes. É preciso que se recordem de que os filhos devem
respeitar a dignidade materna, que é necessário que se respeite, para poder ser
respeitada.
Os
próprios pagãos tinham compreendido que uma educação efeminada era incapaz de
fazer homens de dedicação e de sacrifício, e cidadãos generosos. Por isso
habituavam os filhos, desde a mais tenra infância, a suportar o frio e o calor,
a endurecer-se no trabalho e nas canceiras. Poderíamos dar interessantes
pormenores acerca dos exercícios laboriosos e da vida pesada que levavam os
jovens de Sparta e de Athenas, nos belos dias destas duas repúblicas; mas
preferimos falar dos exemplos dos santos. M.me Acarie educava os filhos nesse
espírito de mortificação que caracteriza o verdadeiro cristão. Se o serviço dum
criado lhes agradava mais do que o de qualquer outro, colocava junto deles o
criado com que menos simpatizavam. Nas suas doenças, obrigava-os a tomar, sem
mostrarem repugnância, as bebidas amargas, que o médico lhes receitava. Para
lhes fazer odiar a sensualidade, fazia-lhes servir à mesa comidas vulgares, e
quase sempre um único prato.
Lemos
na vida de S. Francisco de Sales que sua mãe se aplicou a educar o filho dessa
maneira severa e varonil, que dá energia ao corpo e à alma, ensinando-o a
contentar-se com pouco, a livrar-se das exigências do bem estar, e a sofrer de
boa vontade o sacrifício, a privação e a dor. Quis que tudo fosse simples, sem
luxo, sem moleza, no vestir, no comer, no dormir, e em tudo. Imitai estes
nobres exemplos, piedosas mães, desde o berço, diz Rollin; acostumai vossos
filhos a reprimir os desejos e as fantasias. Se lhes não dessem nunca o que eles
pedem gritando e chorando, acostumar-se-iam a passar sem esses brinquedos...
não se tornariam odiosos e incomodativos a eles e aos outros... Nunca se deve
satisfazer ao que pedem, gritando; e se redobram de importunidades, para
receberem o que desejam, é preciso fazer-lhes compreender que nada se lhes dá
por esse mesmo fato. Em algumas casas vêem-se crianças à mesa, que não pedem
nada... noutras há-as, que pedem tudo quanto vêem, e que querem ser servidas
antes de todos. Donde provém uma diferença tão notável? da diferente educação
que receberam de seus pais.