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TRATADO DOS ESCRÚPULOS DE CONSCIÊNCIA
PELO
ABADE GRIMES
1854
CAPITULO VI
REMÉDIOS
PARTICULARES. DIREÇÃO DOS ESCRUPULOSOS
Para usar com vantagem dos remédios particulares,
cumpre opô-los às diferentes fontes dos escrúpulos; cumpre também estudar os
defeitos, os subterfúgios, as aparências, os artifícios, as aflições dessas
pobres almas, entrar em argumentação com elas, escutar-lhes as penas,
esclarecê-las, dirigi-las, sustentá-las por sábios conselhos. É o que vamos
fazer nos diversos parágrafos deste capítulo.
Os principais objetos de escrúpulos, como dissemos,
são as orações, as confissões, as correções fraternas, os motivos das próprias
ações, a predestinação, as tentações, as comunhões. Ora, vejamos os remédios
que é preciso aplicar a cada um destes males.
1.º As orações. — Quando é a respeito das suas orações
que o escrupuloso é atormentado, cumpre primeiramente explicar-lhe em poucas
palavras o que é a oração, em que consiste, e o que Deus exige de quem ora;
depois disto, deve-se representar-lhe que, querendo aplicar-se de mais e
dilatar a cabeça, em vez de evitar as distrações a pessoa as multiplica, torna-as
mais incômodas, e coloca-se na impossibilidade de orar. Este temor perpétuo de
que a pessoa é empolgada, tiraniza, desanima, inquieta, e faz perder de vista
o objeto e o fim da oração. Deve-se, pois, mudar de rumo, visto agir-se em pura
perda e não se fazer senão gerar distrações ao invés de as dissipar.
Que partido deve tomar aqui o escrupuloso? Nenhum
outro senão o das pessoas sensatas e esclarecidas: contentar-se com uma atenção
segundo as suas forças, sem constrangimento, contentar-se com uma boa vontade;
fazê-lo com calma, em presença de Deus, de vez, sem rebuscar-se se fez bem, se
se cumpriu bem o próprio dever, se não se esteve distraído, dissipado, etc.
Cumpre representar ao escrupuloso que ele estaria em
grande erro se se persuadisse de que uma pessoa não é agradável a Deus
porque, na oração, não tem nem o coração nem a mente calmos e tranquilos. A boa
vontade para se desobrigar bem dela, a dor que se sente de não poder fazer
melhor, o cuidado que se emprega em banir as distrações, a humildade, a
obediência, eis o que é agradável a Deus e supre as faltas de perfeição das
nossas orações. E, para nos tranquilizarmos neste ponto, não temos o exemplo
dos santos? eles não foram afligidos pelas mesmas penas, pelas mesmas
dificuldades, sem deixarem de ser santos e agradáveis a Deus? Percorrei a vida
deles, e vereis que eles fizeram essas dificuldades e essas penas servir à sua
santificação, e fizeram delas um merecimento pela paciência.
Proibição, pois, ao escrupuloso, para se desfazer
das suas inquietações, de repetir suas orações, ou o seu oficio, ou qualquer
outro exercício de piedade, de qualquer obrigação que seja, por isto que,
supondo mesmo haver às vezes negligência de sua parte, não há lei que obrigue a
tal repetição tão onerosa e tão danosa... Cumpre que o escrupuloso se
contente, como dizia Santa Teresa, com desprezar as suas distrações, sem
ocupar a mente com elas; com continuar as suas orações sem pensar que é
distraído, sem examinar nem o que foi que causou as suas distrações, nem se se
ocupou delas, e ficar bem persuadido de que elas não são nem voluntárias nem
culpadas, e isto enquanto ele se incomodar de sofrê-las.
Por seu lado, deve o confessor regular os exercícios
de piedade dessas pessoas, com medo de que elas não se sobrecarreguem demasiadamente
deles; não lhes deve dar em penitência longas orações vocais, nem lhes
permitir facilmente entrar em várias confrarias particulares. Deve-se também
interdizer-lhes absolutamente todas as práticas singulares, votos, resoluções
exageradas, etc., sem a permissão expressa do confessor.
2.º Confissão. — Todos sabemos que o grande tormento
dos escrupulosos é a confissão. Eles criam mil quimeras, mil torturas sobre as
suas confissões passadas, sendo sempre perseguidos pela idéia de recomeçar.
Ora, como esses temores incessantes sobre as confissões passadas quase sempre
só se apoiam em razões frívolas e não têm fundamento sólido, não se deve
permitir aos escrupulosos voltar sobre as confissões passadas: essas repetições
não trariam nenhum remédio ao mal, e poderiam ter graves inconvenientes. A
reiteração das confissões dos pecados já confessados não é, para essas
pessoas, um meio de progresso; pelo contrário, detém-nas, desanima-as,
abate-as, e acaba por fazê-las abandonar tudo. Isto posto, não deve o confessor
render-se aos desejos deles de reiteração de confissão, a menos que tenha
fundamento para crer que, tendo levado uma vida desregrada ou tendo vivido na
ignorância, os escrupulosos tenham cometido faltas nas suas confissões passadas;
mas a ele é que compete ajuizar disso, e não aos penitentes.
Não deve permitir-lhes um longo exame de
consciência, nem escrever a sua confissão, mas fazê-los confessar de memória,
e obrigá-los a ficar tranquilos ainda mesmo quando pensassem ter faltado
alguma coisa à integridade da confissão, pois a experiência prova que um longo
exame e uma confissão escrita lhes são muito nocivos, fomentando-lhes e aumentando-lhes
a penas de consciência por meio de rebuscamentos e de reflexões que a fraqueza
do estado deles não pode comportar. Aliás, são meros pecados veniais que são
objeto de todas essas investigações; ora, não sendo esses pecados matéria
necessária de confissão, é inútil fazer deles, para si mesmo, um instrumento de
suplício.
O confessor advertirá o seu penitente de que,
havendo uma vez declarado os seus pecados de maneira inteligível, tanto quanto
o podia fazer razoavelmente, não deve mais repetir a acusação deles, a pretexto
de poder não ter sido compreendido; porquanto, se isto fosse verdade, o confessor
teria pedido uma explicação. Do mesmo modo, quando o confessor houver declarado
que tal coisa não é matéria de confissão, não deve mais permitir ao penitente
falar-lhe dela, consoante esta bela máxima de S. Bernardo: “Nas coisas que não
são abertamente contra Deus, devemos escutar, como sendo o próprio Deus,
aquele que consideramos como seu vigário”. Tão pouco permitirá o confessor ao
escrupuloso voltar sobre dificuldades que ele tiver uma vez resolvido.
Terminada a confissão, não deve mais o escrupuloso
ocupar-se dela; não deve perder o fruto da absolvição atormentando-se sobre os
pecados esquecidos; e, se ele quiser apresentar-se de novo ao tribunal, deve o
diretor absolutamente recusar ouvi-lo.
Quando se trata de bons escrupulosos, que temem
incessantemente haver pecado gravemente, é oportuno, para tranquilizá-los e
instruí-los, enviá-los a comungar sem lhes dar a absolvição, não obstante as
suas dúvidas e alguns pecados veniais.
Não falaremos da contrição, que também é um motivo
de novas perplexidades. Como não é ao penitente, que só julga pelo que é
sensível e pelo que o impressiona, que compete discerni-la, mas sim ao confessor,
este bem sabe por que meios e por quais efeitos pode reconhecê-la.
3.º Caridade, a correção fraterna. — Sobre este
ponto os escrupulosos incidem em mil erros ridículos; chegam até a acusar-se de
não estenderem a sua caridade aos animais. De que é que eles não se julgam
culpados para com seus irmãos, seus amigos e seus inimigos! Por isto, cada
palavra pronunciada nas suas visitas e nas suas conversas, cada notícia ouvida
a respeito do próximo, cada maledicência escutada, torna-se uma fonte abundante
de pensamentos e de agitações; eles acreditam sempre haver falado mal de
outrem, escandalizado, revelado os defeitos do próximo, achado prazer nas
maledicências. A correção fraterna faz-lhes temer também mil pecados,
causa-lhes mil incertezas.
Se o penitente escrupuloso não for instruído, é
preciso instruí-lo sobre o preceito da caridade e sobre os deveres que ela
impõe; se já o for, cumpre examinar se ele é realmente culpado ou se não é; uma
vez conhecida a sua posição, cumpre explicar-lha, traçar-lhe para o futuro a
sua regra de conduta, à qual deverá conformar-se, ou então não será mais escutado
sobre esta matéria.
1.º Importa fazer-lhe compreender bem que só se é
obrigado à correção fraterna quando há motivo de esperar que ela será útil, ou
que ao menos o próximo não ficará ofendido com ela; 2.º, que ele não deve
afastar-se da conveniência cristã e permitir-se corrigir aqueles que, pela sua superioridade,
posição ou idade, não estão sujeitas a essas observações; 3.º, que, antes de
falar, cumpre estar seguro de que a falta foi cometida, de que vale a pena
corrigi-la, e de que a correção não produzirá efeito contrário; 4.º, que é
preciso, antes de tudo, que a caridade nos leve a desculpar, a dissimular os
defeitos do próximo, e moderar um zelo não raras vezes demasiado ardente e
pouco esclarecido; 5.º, que é melhor avisar sobre o caso alguém que esteja no
direito e na posição de fazer a correção fraterna, do que corrigir por si
mesmo, se a necessidade não o exigir. Assim, cabe de preferência a um pai corrigir
seus filhos, a um superior repreender seus inferiores, a um patrão exercer a vigilância
sobre seus empregados, etc.
Quanto à maledicência, cumpre representar ao
escrupuloso que muitas vezes ele faria mais mal do que bem em querendo
impedi-la, que tornaria a piedade ridícula, e que muitas vezes acreditaria, sem
razão talvez, haver maledicência onde não a há. Deve-se, pois, concitá-lo a só
frequentar sociedades cristãs, bem reguladas, caridosas, de boa educação; que,
em todo caso, basta que ele não preste ouvido à maledicência, que não tome parte
nela, que o prove pelo aspecto do seu rosto, que se retire se preciso, e que dê
como lição, às sociedades malignas, a sua ausência.
Quanto ao exercício da caridade, esta virtude não
nos obriga a graves inconvenientes; para salvar a reputação do próximo, para
impedir um dano, para reparar um erro, é preciso que a obra seja da nossa
competência, conforme à nossa condição, faça parte dos nossos deveres, para
então se ser obrigado a exercê-la.
Deve, pois, o confessor tranquilizar o escrupuloso,
refutar-lhe todas as dúvidas, todos os pretensos juízos temerários, todas as
pretensões e maledicências, e só as escutar quando tiver razão para crer que há
aí pecado.
4.º Motivos das ações, sobretudo das que são
indiferentes ou de conselho. — Se acabam de dar esmola, os escrupulosos imaginam
ter sido levados a isso por um motivo de vaidade; se fizeram uma correção,
receiam tê-la feito por cólera; se comem, é por sensualidade; se faltam à missa
um dia na semana, é por preguiça; se são fervorosos na igreja, é para serem
vistos e notados pelos outros; já não ousam, mesmo, permitir-se as coisas mais
lícitas e mais inocentes, como o passeio onde são encantados pelas belezas da
natureza, pelo atrativo das flores, pelo seu perfume, etc.
O meio mais curto de se desfazer desses pensamentos
é desprezá-los, é agir com liberdade e confiança. Os motivos aparentes dessas ações
não são os verdadeiros motivos delas; não passam de quimeras, de vãos terrores,
de pensamentos extremados, exagerados; e, mesmo quando esses motivos
entrassem, em parte, nas nossas ações contra a nossa vontade, sendo a intenção
primária agradar a Deus e glorificá-lO, a ação não perde da sua bondade e do
seu merecimento aos olhos d’Ele.
Quanto à pureza de intenção, sabemos que é, sem
dúvida, uma coisa muito importante que decide do valor das nossas obras e que
reclama a nossa vigilância e aplicação. Mas como devemos proceder sobre este
ponto para não cairmos em excessos perigosos? De nenhum outro modo senão
conforme fazem as pessoas verdadeiramente cristãs, instruídas, prudentes e
solidamente piedosas. Ora, qual é a regra dessas pessoas? É que essa aplicação
na orientação das nossas intenções deve ser calma, tranquila, confiante. É que,
quando uma pessoa ofereceu a Deus suas ações desde a manhã com uma intenção
pura, quando a renova algumas vezes, não é mais necessário, a cada ação
destacada, perguntar-se se renovou a intenção, se ela era boa, nem proibir-se
tudo o que há de mais inocente, e mesmo de necessário para a saúde, para a
naturalidade de uma piedade bem feita, bem compreendida.
De que serve pensarmos que não fazemos nada de bom,
nada por bons motivos, que todas as nossas obras são estéreis, inúteis,
merecendo a condenação, senão para tirar a nós mesmos toda a força, toda energia,
e para nos abeberarmos de angústias e de amarguras?
Cada um deve agir segundo seu alcance, sua vocação,
e segundo a trilha pela qual Deus quer conduzi-lo; o meio sábio para isso é,
pois, evitar os extremos e não se entregar a pretensões que às vezes só fazem
é preparar enormes quedas.
Finalmente, deve o confessor representar ao
escrupuloso que ele não está e nem pode estar atualmente nesse estado de
perfeição extraordinária; que, dada a sua doença, a fraqueza do seu espírito, a
delicadeza da sua consciência, ele não está obrigado a aplicar tanto cuidado
quanto outros ao cumprimento de seus deveres; que Deus não exige aquilo que
está acima das nossas forças; que é preciso saber humilhar-se e mortificar-se
naquilo que não se pode fazer melhor, e que, sendo suave e leve o jugo do
Senhor, não se deve torná-lo insuportável exagerando as vontades de Deus.
5.º O pensamento da predestinação. — Esta espécie de
escrúpulo é, de todas, a mais desoladora e a mais extravagante ao mesmo tempo:
a mais desoladora, nisto que destrói a esperança cristã nos corações e torna estes
infelizes; a mais extravagante, porque só vê abismos, horrores, perigos, lá
onde não os há, e lança a pessoa na consternação e no desespero. Essa idéia de
ser reprovado tira ao escrupuloso todas as suas forças, desnatura nele o
pensamento de Deus, envolve-o num sombrio manto de luto e de trevas; ele não
compreende o mistério da predestinação, quer sondá-lo, perscrutá-lo, e a sua
profundeza esmaga-o, a cabeça lhe tonteia, e ele se crê como um desgraçado à
beira de um precipício sem fundo, prestes a cair nele a cada instante. Cumpre
absolutamente interdizer a semelhante escrupuloso toda reflexão sobre esse
mistério profundo, dar-lhe depois altas idéias da bondade e da misericórdia
de Deus, ostentar diante dele as riquezas dos merecimentos de Jesus Cristo,
fixar-lhe a atenção sobre a esperança cristã, que nunca confunde os que a
trazem no seio: Spes non confunait (Rom 5, 5); provar-lhe que a falta de
esperança é o maior obstáculo à piedade, à oração, ao espírito de gratidão, ao
amor de Deus, e uma fonte de tentações perigosíssimas.
Cumpre concitá-lo a comportar-se como se estivesse
seguro de ser predestinado à glória; a tornar certa essa pré-eleição pelas suas
virtudes, como o diz S. Pedro (1, 1, 10), a agir na ordem espiritual como se
age na ordem natural. Qual é o lavrador a quem a incerteza da colheita impede
de semear suas terras? qual o doente que recusa empregar os remédios por não estar
seguro da cura?
Cumpre, enfim, refutar as suas pretensas tendências
invencíveis para o mal, e a sua pretensa impotência para o bem, dizendo-lhe
que “o reino dos céus sofre violência, e só os que se fazem violência é que
devem vir a obtê-lo um dia” (Mt 11, 12).
6.º As perguntas perigosas e as tentações. — O
escrupuloso não se limita a ser o joguete da sua cegueira e dos seus vãos
temores; vai até o ponto de armar ciladas a si próprio. Faz a si perguntas perigosas;
suscita tentações difíceis. Que faria eu, — diz ele, muitas vezes, a si mesmo,
— se me achasse em tal ou tal caso? se me falassem assim ou assado? se eu me
achasse em tal conjuntura? Estaria disposto a cumprir o meu dever, a afrontar
tudo, a fazer até mesmo o sacrifício da minha vida?
Vêm em seguida as tentações em que ele receia sempre
consentir, que não repele bastante depressa, nas quais acredita haver-se
comprazido. Ora, sobre estes dois pontos, eis aqui a regra dos homens sensatos:
1.°, é preciso declarar-lhe que isso são verdadeiras sugestões do demônio, e
que ele deve resistir-lhes com todas as suas forças; que é preciso deixar de lado
todas essas perguntas perigosas, não se prestar aos desígnios do inimigo,
responder ao tentador que não teme nada, que não teme a ele, que o socorro de
Deus nos basta, que não temos nenhuma relação com ele, e que toda a nossa consciência
está em Deus em tudo e para sempre. 2.° Deve-se fixar bem o escrupuloso sobre
a diferença que existe, na tentação, entre o sentimento e o consentimento. O
sentimento não depende da nossa vontade, ao passo que o consentimento
depende. O sentimento nunca pode tornar-nos culpado, só o consentimento o faz.
Basta, .pois, não consentir, para não se ter nenhum receio no meio das mais fortes
tentações.
Dizem os autores da Ciência do confessor que há
escrupulosos cuja imaginação é às vezes cheia de pensamentos abomináveis
contra Deus, contra a humanidade de Jesus Cristo, contra os mais santos mistérios;
esses escrúpulos os agitam com tanta violência, que lhes parece que eles proferem
blasfêmias. Depois de haverem esses pensamentos e essas loucas imaginações
rolado algum tempo na mente deles, eles querem repeli-las; porém não raras
vezes eles aumentam e se lhes imprimem tão fortemente, que eles acreditam
haver consentido neles, e se consideram como abandonados de Deus por causa
dos seus pecados passados. Às vezes parece-lhes que eles querem abandonar a
piedade e a prática exata da vida cristã, porque a imaginação pode
representar todas estas coisas: pensamentos, atos da vontade, palavras,
sensações, de sorte que os escrupulosos se enganam nisso.
Cabe ao confessor ajuizar disso, e pode-o
considerando as habituais disposições deles, a dor que eles sentem no meio das
tentações e dos combates; enfim, pode-o pelos efeitos exteriores, pois então
verá se é só pura imaginação, ou se houve algo de voluntário.
Certo que é sobretudo para com essas espécies de
escrupulosos que o confessor deve usar de paciência, de doçura, de compaixão,
que deve sustentá-los e consolá-los; pois eles são infinitamente para
lastimar, e sõ o confessor pode curá-los.
Deve este incutir-lhes bem que não há pecado onde
não há vontade, que não há vontade onde só há horror e detestação; que é
preciso desprezar essas tentações, em vez de se esforçar por combatê-las; que é
preciso prosseguir como se nenhuma tentação houvesse sobrevindo, e ter o
cuidado de elevar a mente para Deus, pedindo-lhe proteção e socorro.
Se as tentações versam sobre a castidade, é preciso
usar com elas do mesmo processo, desprezá-las, passar adiante, não lhes dar
atenção; velar sobre os sentidos, temer o perigo, fugir deste tanto quanto
possível, e lembrar-se de que o demônio da impureza não passa de uma criança
para todos os que o desprezam, mas é um gigante para os que o temem. Assim,
longe de procurar lembrar-se de uma tentação contra a castidade, quando ela já
passou, para ver se consentiu nela, deve-se repelir-lhe a simples idéia; pois
seria constituir-se voluntariamente em grande perigo, fazendo reentrar na
mente pensamentos que fizeram sobre ela uma impressão viva. Lembre-se, pois,
bem o escrupuloso de que a prudência não permite um longo exame sobre estas
matérias, e que uma vista d’olhos, quando muito, deve bastar, se tanto for
necessário.
Se as tentações se relacionam com a fé, como
acontece muitíssimas vezes, o meio de curá-las não é raciocinar, procurar
convencer-se, é mui simplesmente submeter-se à Igreja, e crer tudo o que ela
nos ensina, fazendo um bom ato de fé. E, se for sobre a própria verdade divina
da Igreja que incidem as dúvidas e as tentações do escrupuloso, o confessor
explicar-lhe-á em poucas palavras os fundamentos da nossa crença e a
instituição da Igreja por Jesus Cristo, e concitá-lo-á a dizer nesses momentos:
“Creio tudo o que a Igreja crê. Uno-me à sua fé. Renuncio a ti, Satanás, autor
das dúvidas contra a fé; volvo-me para Jesus Cristo, meu Salvador”. Poderá
também fazer o sinal da cruz na testa, na boca e no coração. É este um poderoso
exorcismo contra a tentação. Poderá, enfim, dizer muitas vezes: “Creio,
Senhor; mas aumentai a minha fé”. Entretanto, tudo isso deve dizer-se sem
grande contenção de espírito.
Sem embargo, será mister dedicar um interesse todo
particular aos escrupulosos trabalhados por estas espécies de tentações que
vêm manifestamente do demônio. Convirá assegurar-se das disposições deles, e
das faltas que eles possam ter come- tido no meio dessas perturbações, examinar
se se trata de verdadeiras dúvidas ou de escrúpulos, se há ignorância e teimosia,
ou submissão e humildade.
Digamos, enfim, que há escrupulosos que, apesar de
todo o ódio que têm aos pecados, quer grandes quer pequenos, contudo se deixam
de vez em quando arrastar pela violência do seu temperamento natural ou pela
leveza da sua mente, que lhes faz esquecer as suas boas resoluções e os faz
cair em grandes crimes, tais como blasfêmias, juras, impurezas enormes, etc.
Apenas cometeram eles esse mal, choram-no, arrependem-se, ralam-se de dor e de
compunção, formando resoluções, obedecendo ao confessor; e, no entanto, depois
de perseverarem longo tempo, tornam a cair ainda, para sua grande desolação. Se
alguém é digno de compaixão, sem dúvida são esses; deve então o confessor
examinar se, nesses casos tão graves, há culpa da parte deles, se é apenas o
arrebatamento ou a violência das suas paixões, se eles deixaram de tomar as
precauções necessárias; e, conforme os conhecimentos que tiver adquirido, será
mister consolá- los, sustentá-los, admiti-los à comunhão para lhes emprestar
forças; levantar-lhes o ânimo em vez de desanimá-los, e exortá-los a
entregar-se à oração, à confissão frequente, ao trabalho, ao conhecimento da sua
fraqueza, enfim a recorrer a alguns remédios naturais.
Tais são as diversas espécies de escrúpulos a que
se podem referir todos os outros. Podemos apenas indicar os preservativos
deles, os antídotos, os calmantes mais eficazes; ao confessor, conforme as circunstâncias
e os; caracteres do mal, compete aplicar os remédios com sabedoria, prudência,
sagacidade e precaução.