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NO CÉU NOS
RECONHECEREMOS
Pelo
Pe. F. Blot, da Companhia de Jesus
Versão 19.ª edição francesa
pelo
Pe. Francisco Soares da Cunha
I I
Provas da tradição: o
fato simplesmente afirmado por Santo Atanásio, S. Paulino, Santo Agostinho,
Honório e Berti – As consolações tiradas deste fato, por Santo Ambrósio para os
irmãos; por Fócio para os parentes; por S. Jerônimo, Santo Agostinho e, mais
ainda, S. João Crisóstomo, para as viúvas.
A luz despedida sobre este
objeto pela tradição católica é tão viva e constante que passa através de todas
as nuvens dos sofismas e da preocupação.
Os testemunhos podem
dividir-se em duas classes: os que afirmam simplesmente o fato, e os que dele
tiram uma consolação.
Entre as obras muitas vezes atribuídas a Santo Atanásio,
esta glória tão pura do IV século, encontra-se uma que tem por título: Questões necessárias que nenhum cristão deve
ignorar. Ora, na resposta à XXII questão lê-se: “Deus concede às almas
justas, no Céu, um grande bem, o de se conhecerem mutuamente”.[1]
No fim do mesmo século, S.
Paulino, que mais tarde foi Bispo de Nola, escrevia ao seu antigo preceptor, o
poeta Ausónio:
“A alma sobrevive ao corpo, e
é necessário que ela guarde os seus sentimentos e as suas afeições, tanto
quanto a sua vida. Ela não pode esquecer que é imortal. Para qualquer lugar que
Nosso Senhor me mande depois da minha morte, levar-vos-ei em meu coração, e o
fatal golpe que me separar do meu corpo não porá termo ao amor que vos
consagro”.[2]
No século V, o grande Bispo de
Hipona dizia a seu auditório: “Conhecer-nos-emos todos no Céu. Pensais vós que
me conhecereis, por me haverdes conhecido na terra, mas não conhecereis meu
pai, porque nunca o vistes? Repito-vos, conhecereis todos os santos. Eles se
conhecerão, não porque vejam a face uns dos outros, mas verão como os profetas
costumam ver na terra; ou ainda dum modo bem mais excelente. Verão divinamente.
Por isso que estarão cheias de Deus”[3].
“E vós, S. Paulo e Santo
Estêvão, o perseguidor e a vítima, não reinais juntamente com Jesus Cristo? Aí,
vede-vos ambos mutuamente, ouvis o nosso discurso; orai ambos aí, orai ambos
por nós. Aquele que vos coroou a ambos, vos ouvirá também a ambos”[4].
No século XII, Honório d'Antun
perguntava a si mesmo:
“Os justos conhecem-se na
glória?”
Eis a sua resposta:
“As almas dos justos conhecem todos os justos, até mesmo o
seu nome, a sua raça e seus merecimentos, como se tivessem vivido sempre com
eles. Conhecem também todos os maus, sabendo por que falta cada um deles está
no inferno. Os maus conhecem os maus, e ainda conhecem os justos que vêem, e
até sabem seus nomes, como o rico avarento sabia o nome de Abraão e de Lázaro. Os
justos oram por aqueles que amaram no Senhor ou que os invocam. Mas a sua
alegria só se completará depois da ressurreição, quando tiverem recuperado os
seus corpos e estivermos reunidos com eles; pois a nossa ausência causa-lhes,
por enquanto, alguma solicitude - De
abcentia lutem nostra sollicitantur”[5].
Se quisesse interrogar sobre
isto os teólogos modernos, seriam unânimes em responder afirmativamente. Que um
só fale em nome de todos: “Os Santos, diz ele, vêem-se reciprocamente; assim o
pede a unidade do reino e da cidade em que vivem na companhia do próprio Deus.
Revelam espontaneamente uns aos outros os seus pensamentos e as suas afeições,
como pessoas da mesma casa que estão unidas por um sincero amor.
Entre os seus concidadãos
celestiais, conhecem aqueles mesmos que não conheceram neste mundo, e o
conhecimento das belas ações leva-os a outro conhecimento mais pleno daqueles
que as praticaram”.[6]
Os maiores santos e os homens
mais eminentes da Igreja não receavam de recorrer a esta verdade, como a um
fecundo manancial, para daqui haurirem as cristalinas águas das celestes
consolações que distribuíam às pessoas aflitas.
Quem, pois, ousaria ainda
acusar de imperfeição este vivo desejo e esta doce esperança?
Perdestes um irmão ou uma
irmã? Consolai-vos como Santo Ambrósio se consolava a si mesmo: “Ó meu irmão,
dizia ele, visto que me precedestes aí, preparai-me um lugar nessa habitação
comum, que daqui por diante será para mim a mais desejada. E assim como neste
mundo tudo foi comum entre nós, também no Céu desconheceremos a lei de
partilhas. Não façais esperar por muito
tempo, eu vos suplico, aquele que experimenta um tão vivo desejo de se vos
reunir. Esperai aquele que avança, auxiliai aquele que se apressa e, se vos
parece que ainda tardo muito, fazei-me ir com mais ligeireza. Nunca estivemos na terra
separados um do outro por muito tempo; mas éreis vós que costumáveis
visitar-me. Agora, visto que o não podeis
fazer, pertence-me ir para junto de vós. Ó meu irmão, que consolação me resta,
a não ser esta esperança de nos reunirmos o mais breve possível? Sim, consola-me a esperança de
que a separação que se efetuou entre nós pela vossa partida, não será de longa
duração, e que por vossas súplicas obtereis a graça de atrair a vós com mais
brevidade aquele que vos chora tão vivamente”[7].
Perdestes um filho ou uma
filha? Recebei as consolações que um Patriarca de Constantinopla dirigia a um
pai aflito.
Este Patriarca não pode ser
contado entre os homens eminentes, e ainda menos entre os santos. É Phócio, o
autor do cruel cisma que separa o Oriente do Ocidente. Mas suas palavras provam
tanto mais, quanto que indicam ser idêntico o parecer dos gregos e latinos
sobre este ponto. Ei-las:
“Se vossa filha vos aparecesse
e vos falasse, tendo a sua mão apertada na vossa e o seu risonho semblante
chegado ao vosso, não vos faria ela a descrição do Céu?
Depois acrescentaria: Por que
vos afligis, ó meu pai? Estou no paraíso, onde a felicidade não tem limites.
Ireis para lá um dia com minha querida mãe, e então achareis que nada vos disse
de mais deste lugar de delícias, cuja realidade excede muito as minhas
palavras.
Ó querido pai, não me
retenhais por mais tempo em vossos braços, mas deixai-me com satisfação voltar
para o Céu, onde me arrasta a violência do meu amor! – Expulsemos, portanto, a
tristeza, conclui Phócio, porque vossa filha está cheia de felicidade no seio
de Abraão. Expulsemos a tristeza; porque,
dentro de pouco tempo, a veremos ali exultar de alegria e contentamento”[8].
Perdestes vosso marido? Ai! os
vestidos de luto, que trajais continuamente, manifestam bem a desgraça que vos feriu,
e a afeição que sobrevive ao vínculo que a morte quebrou. Aproveitai-vos, pois,
das consolações que os Padres da Igreja ofereceram por tantas vezes às viúvas
cristãs.
S. Jerônimo escrevia a uma
viúva: “Chorai vosso Lucínio como um irmão, mas regozijai-vos por ele reinar
com Jesus Cristo. Vitorioso e seguro da sua glória, olha-vos do alto do Céu,
anima-vos nas vossas aflições, e prepara-vos um lugar junto de si, com tal amor
e caridade que, esquecendo-se do seu direito de esposo, começa ainda na terra
por vos considerar como sua irmã, ou antes, como seu irmão, porque uma casta
união não conhece esta diferença de sexo que se requer para o matrimônio”[9].
Santo Agostinho escrevia a
outra viúva:
“Não perdemos aqueles que saem dum mundo donde nós devemos
também sair; mas enviamo-los, primeiro que nós, para essa outra vida, onde nos
serão tanto mais queridos quanto mais conhecidos nos forem – Ubi nobis erunt quanto notiores, tanto
utique cariores. Vós víeis melhor o seu rosto, mas ele via melhor o seu coração.
Ora, quando o Senhor vier,
porá em plena luz tudo o que estiver envolvido nas trevas, e manifestará os
pensamentos do coração.
Então cada um saberá o que
disser respeito a todos, e não haverá distinção alguma entre os nossos e os
estranhos para revelar um segredo aos primeiros e ocultá-lo aos segundos, pois
na pátria celeste não haverá estranhos.
Mas qual será a natureza, qual
a intensidade da luz que assim manifestará tudo quanto o nosso coração encerra
agora na obscuridade? Quem poderá dizê-lo? Quem poderá somente concebê-lo?”[10].
S. João Crisóstomo, numa das
suas homilias sobre o Evangelho de S. Mateus, dizia a cada um de seus ouvintes:
“Desejais ver aquele que a
morte vos arrebatou? Segui a mesma vida que ele no caminho da virtude, e muito
brevemente gozareis desta santa visão. Mas quereríeis vê-lo aqui
mesmo? Ah! quem vos poderá estorvar? Se sois prudente, é-vos permitido e fácil
vê-lo; porque a esperança dos bens futuros é mais clara do que a própria vista”.
Este sublime orador
encontrava, na sua própria história, tudo o que podia torná-lo mais sensível às
tristezas da esposa que perdera seu marido. Filho único de uma viúva, que vivia
no meio da sociedade, entregue à fraqueza de sua idade e do seu sexo, tinha
sido ele o confidente das suas lágrimas e da sua dor, até que a deixara só,
como em segunda viuvez, fugindo ao seu amor para encerrar-se na solidão. Ele
mesmo nos contou que Libânio, orador pagão, sabendo que sua mãe conservava casta
viuvez desde a idade de vinte anos, e nunca tinha querido passar a segundas núpcias,
exclamou, voltando-se para os que o cercavam: “Oh! que mulheres que são as
cristãs!”[11].
A Providência soube
proporcionar a Crisóstomo a ocasião de aproveitar estas disposições do seu
coração, consolando outra jovem, que só tinha vivido cinco anos com Terásio,
seu marido, um dos principais homens do seu tempo. Escreveu a seu respeito dois
tratados, que são tidos na conta dos seus mais notáveis livros. Entre outras
muitas mais consoladoras, diz-lhe:
“Se desejais ver o vosso
marido, se quereis gozar da vossa mútua presença, fazei brilhar em vós a mesma
pureza de vida que resplendecia nele, e estai certa que ireis assim fazer parte
do mesmo coro angélico em que ele está.
Habitareis em sua companhia,
não por espaço de cinco anos, como na terra, mas por toda a eternidade. Tornareis
então a encontrar vosso marido, não já com aquela beleza corpórea de que era
dotado neste mundo, mas com outro esplendor, com outra beleza, que excederá em
brilho os raios do Sol.
Se vos tivessem prometido de
dar a vosso esposo o império de toda a terra, com a condição de vos separardes
dele por espaço de vinte anos; e se, além disto, prometessem restituir-vo-lo
passado este espaço de tempo, ornado com o diadema e a púrpura, colocando-vos
no mesmo grau de honra; não vos resignaríeis a esta separação, observando a
castidade? Veríeis mesmo nesta proposição um insigne favor e um objeto digno de
todos os vossos desejos.
Suportai, pois, agora, com
resignação e paciência, uma separação que dá a vosso marido a realeza, não da
Terra, mas do Céu; suportai-a para o encontrardes entre os bem-aventurados
habitantes do Paraíso, coberto, não dum manto de ouro, mas dum vestido de
glória e de imortalidade. Portanto, pensando nas honras de que Therásio goza no
Céu, ponde termo às vossas lágrimas e aos vossos suspiros. Vivei como ele viveu,
ou ainda com mais perfeição, para que, depois de haverdes praticado as mesmas
virtudes, sejais recebida nos mesmos tabernáculos, unindo-vos novamente com ele
por toda a eternidade, não pelo vínculo do matrimônio, mas por outro ainda
melhor. O primeiro une somente os corpos, entretanto que o segundo, mais puro,
mais agradável e mais santo, une também as almas”[12].
[1]
Questiones ad Antiochum principem, q. XXII.
[2] S.
Paulino, Poema, XI, V. 59-67.
[3]
Santo Agostinho, Sermo 243, cap. VI.
[4]
Ibid., Sermo 316, cap. V.
[5]
Honorius d’Autun, Elucidarium, lib.
III, no. 7, 8.
[6] Berti, De Theologicis disciplinis, lib. III c. XIII, no. 2
[7]
Santo Ambrósio, De Excessu fratris sui,
lib I, nos. 78, 79
[8]
Ibid., lib. III, no. 135
[9]
Phócio, Epistol. t. III, epist. 63, Tarasio, patrício, fratri
[10]
Santo Agostinho, Epis., 92, nos. 1,2
[11]
S. João Crisóstomo, Ad Viduam juniorem,
tract. I, no. 2
[12]
S. João Crisóstomo, Ad Viduam Juniorem,
trat. I, nos. 3 e 4.