domingo, 15 de novembro de 2009

Difundir bons livros - Dom Bosco


Turim, 19 de março de 1885,
Festa de São José.

Caríssimos filhos em Jesus Cristo,

Deus é que sabe quão grande é o meu desejo de vê-los, estar com vocês, falar das nossas coisas, desfrutar a confiança que nos une os corações. Infelizmente, caríssimos filhos, minhas poucas forças, as seqüelas de velhas doenças, negócios urgentes que me chamam à França, impedem-me de secundar, ao menos por ora, os impulsos do afeto que tenho por vocês.

Não podendo, então, visita-los pessoalmente, faço-o por carta, certo de que apreciarão a lembrança constante que guardo de vocês, que são minha esperança, minha glória e arrimo. Por isso, desejando vê-los crescer cada dia mais em zelo e merecimentos diante de Deus, não deixarei de sugerir-lhes, de quando em quando, os meios que julgo melhores para que o ministério de cada um se torne sempre mais frutuoso.

Um deles, que pretendo recomendar-lhes vivamente, para a glória de Deus e a salvação das almas, é a difusão dos bons livros. Não receio chamar divino a este meio. O mesmo Deus se valeu dele para regenerar o homem. Foram os livros inspirados que levaram ao mundo a verdadeira doutrina. Quis ele em que em todas as cidades e aldeias da Palestina houvesse suficiente quantidade de exemplares, e que fossem lidos todos os sábados nas assembléias religiosas.

Eram, a principio, patrimônio exclusivo do povo judeu. Quando, porém, as tribos foram levadas em cativeiro à Assíria e à Caldeia, a Sagrada Escritura foi traduzida em língua sírio-caldaica, desta maneira toda a Ásia Central pôde tê-la na própria língua. Ao prevalecer o poderio grego, os judeus plantaram colônias em todos os recantos da terra. Com elas, multiplicaram-se ao infinito os Livros Santos. Com sua versão os Setenta enriqueceram as bibliotecas dos povos pagãos. Desta maneira, oradores, poetas, filósofos da época colheram na Bíblia muitas verdades. Deus ia preparando o mundo para a vinda do Salvador, principalmente com seus livros inspirados.


Cabe a nós imitar a obra do Pai Celeste. Os livros bons, espalhados entre o povo, são um dos meios apropriados para manter o reino do Salvador em muitos corações. Os pensamentos, os princípios, a moral de um livro católico são substância extraída dos livros divinos e da tradição apostólica. São tanto mais necessário na medida em que a impiedade e a imoralidade se servem dessa arma para destruir o rebanho de Cristo, para levar e arrastar à perdição os incautos e os desobedientes.

Necessário se faz, pois, opor arma a arma. Acresce ainda que se o livro não tem a força viva da palavra, oferece, entretanto, em determinadas circunstâncias, vantagens ainda maiores. Entra nas casas onde não pode entrar o sacerdote. Toleram-no os maus, como lembrança ou presente.  Ao apresentar-se não enrubesce. Posto de lado, não inquieta. Lido, ensina com calma a verdade.

Desprezado, não se lamuria, mas semeia o remorso, que pode despertar o desejo de conhecer a verdade, sempre pronto a ensinar. Por vezes deixa-se ficar empoeirado numa mesa ou biblioteca, sem que ninguém se interesse por ele. Mas, ao sobreviver a hora da solidão, da tristeza, da dor, do tédio, da necessidade de lazer ou da preocupação para o futuro, este amigo fiel sacode o pó, abre as páginas, e se renovam as admiráveis conversões de Santo Agostinho, do Beato Columbano e de Santo Inácio.

Compreensivo com os inibidos pelo respeito humano, entretém-se com eles sem que ninguém perceba; para os bons é de casa, disposto sempre a dialogar; acompanha-os em qualquer momento ou lugar. Quantas pessoas foram salvas pelos livros bons, quantas preservadas do erro, encorajadas ao bem. Quem dá um livro bom, outro mérito não tivesse que o de despertar um bom pensamento, já muito mereceria diante de Deus. Entretanto, resultados ainda maiores se colhem. Se numa família o livro não for lido por aquele ao qual é destinado ou doado, sê-lo-á pelo filho ou pela filha, pelo amigo ou pelo vizinho. Um livro passa, às vezes, por dezenas de mãos.

Só Deus conhece o bem que faz um bom livro em certos ambientes, numa biblioteca circulante, numa sociedade operária, num hospital, quando oferecido com prova de amizade. Não devemos recear que um livro não seja aceito só pelo fato de ser bom. Pelo contrário. Um nosso irmão de Congregação, sempre que ia ao porto de Marselha, levava provisão de bons livros para dá-los aos carregadores, aos estivadores, aos marinheiros. Pos bem, todos recebiam com alegria e gratidão esses livros, que algumas vezes eram logo lidos com viva curiosidade.

Postas estas observações, e deixando de lado muitas outras que vocês já conhecem, vou apontar-lhes os motivos pelos quais se devem empenhar com todas as forças e meios na difusão dos bons livros. Não só como católicos, mas especialmente como salesianos.

1. Foi este um dos principais empreendimentos que a Divina Providência me confiou. Todos sabem como nele me empenhei com incansável vigor, não obstante tantas outras ocupações. O ódio raivoso dos inimigos do bem, a perseguição contra minha pessoa provam que o erro vê nos bons livros um temível adversário, uma iniciativa de Deus.

2. A admirável difusão desses livros é, com efeito, um argumento para provar a assistência especial de Deus. Em menos de trinta anos, montam a cerca de vinte milhões de fascículos ou volumes que difundimos entre o povo. Se algum livro foi posto de lado, outros terão tido uma centena de leitores cada um, e assim, o número de pessoas às quais nossos livros fizeram bem pode ser avaliado com certeza muito maior que o de volumes publicados.

3. A difusão dos bons livros e um dos fins principais da nossa Congregação. O artigo 7 do parágrafo primeiro das nossas Regras diz que os salesianos “se empenharão em difundir bons livros entre o povo, usando todos os meios que a caridade cristã inspirar. Procurarão, com palavras e escritos, erguer um dique contra a impiedade e a heresia que de tantas maneiras tenta insinuar-se entre os rudes e ignorantes. Para tal fim devem orientar-se as pregações que de tanto em tanto se fazem ao povo, os tríduos, as novenas e a difusão dos bons livros.”

4. Entre os livros por divulgar, proponho escolher os que são tidos como bons, morais e religiosos, dando-se preferência às obras que saem das nossas tipografias, quer porque a vantagem material que se obtém transforma-se em caridade com a manutenção dos nossos meninos pobres, quer porque as nossas publicações tendem a formar um sistema ordenado, que abraça em vasta escala todas as classes da sociedade. Não me detenho neste ponto.

Destaco, porém, com verdadeira complacência, uma classe apenas, a dos meninos, à qual procurei sempre fazer o bem, com a palavra viva e com a imprensa. Mediante as Leituras Católicas, além de instruir o povo, visava entrar nas casas, tornar conhecido o espírito reinante em nossos colégios e atrair os meninos à virtude, especialmente com as biografias de Sávio, Besucco e outros.

Com o Jovem Instruído, queria levá-los à Igreja, instilar-lhes o espírito de piedade atrai-los à freqüência aos sacramentos. Pela coleção dos clássicos italianos e latinos expurgados, a História da Itália e outros livros históricos ou literários, desejei sentar-me ao lado deles na aula e preservá-los de tantos erros e paixões que lhes seriam fatais no tempo e na eternidade.

Desejava, com o tempo, ser-lher companheiro nas horas de recreio; planejei, então, uma série de livros amenos, que espero não tardem avir à luz. Com o Boletim Salesiano, finalmente, entre as muitas finalidades, tive também esta: manter vivo nos meninos que voltavam às suas famílias o amor ao espírito de S. Francisco de Sales e às suas máximas, e fazer deles próprios os salvadores de outros meninos. Não afirmo haver atingido perfeitamente meu ideal; digo-lhes, sim, que toca a vocês coordená-lo de modo que se complete em todas as suas partes.

Peço-lhes e esconjuro-os, pois, que não descuidem esta parte importantíssima da nossa missão. Comecem-na não só entre os meninos que a Providência nos confiou, mas, com a palavra e com o exemplo, façam deles outros tantos apóstolos da difusão dos bons livros.

No princípio do ano, os alunos, os novos sobretudo, se entusiasmam com a proposta de nossas assinaturas, tanto mais quanto vêem que se trata de quantia bem diminuta. Procurem, porém, que elas sejam espontâneas, de maneira alguma impostas.

Com exortações convincentes, levam os jovens a serem assinantes, não só em vista do bem que os livros lhes farão, mas também com relação ao bem que podem fazer aos outros mandando-os para casa, ao pai, à mãe, aos irmãos, aos benfeitores, à medida que vão sendo publicados. Também os parentes pouco praticantes da religião se comovem à lembrança de um filho, de um irmão distante.

Procurem, porém, que essas remessas não tomem nunca a aparência de sermão ou de lição aos parentes, mas sempre e somente de um carinhoso presente e de afetuosa lembrança. Quando em casa, presenteando-os aos amigos, emprestando-os aos parentes, dando-os com retribuição de um serviço, cedendo-os ao pároco para que os distribua, procurando novos assinantes, estarão aumentando o mérito das boas obras.


Convençam-se, meus filhos queridos, de que tais iniciativas haverão de atrair sobre vocês e nossos meninos as mais escolhidas bênçãos de Deus.

Vou terminar. Tirem vocês mesmos a conclusão desta carta, procurando que nossos jovens venham haurir os princípios morais e cristãos principalmente em nossas publicações, evitando desprezar os livres dos outros. Devo, porém, dizer-lhes que meu coração ficou magoado quando soube que em algumas das nossas Casas eram desconhecidas algumas vezes ou tidas em nenhuma conta as obras que editamos justamente para a juventude. Não amem nem façam com que outros amem aquela ciência que no dizer do Apóstolo inflat (incha).

Lembrem que santos Agostinho, já bispo, conquanto mestre exímio em letras e orador eloqüente, preferia as impropriedades de linguagem e a pouca elegância de estilo ao risco de não ser compreendido pelo povo.

A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre com vocês.
Rezem por mim. Muito afeiçoado em Jesus Cristo

João Bosco

(Publicado em - "Boletim Salesiano" - Edição Brasileira nº 3 – Maio/Junho 1989)
PS: Grifos meus