quinta-feira, 29 de abril de 2010

VI- A VESTE BRANCA

VI- A VESTE BRANCA


Jesus é arrastado, pela manhã, de Pilatos a Herodes: em que estado! A última parte da noite foi tão dolorosa! Aquela sala baixa de onde saímos, aquela coluna, venerada ainda hoje em Jerusalém, onde Ele se assentara, aquela oliveira do pátio de Caifás a que teria estado preso enquanto os soldados cobravam alento para a obra bebendo, outras tantas testemunhas daquela espantosa agonia!

Passa Ele pois pelas ruas, com as vestes sujas, o rosto inchado de bofetadas, a barba esquálida, embaraçada e cheia de escarros, sempre atado. Quando O vêem passar, desviam a cabeça... ousaremos dizê-lo? Depois do que disse o profeta, sim: é uma Face nojenta. Não está bastante ensangüentada para excitar a compaixão; está suja demais, por demais desfeita, para não suscitar o nojo.

Ó meu Deus, perdão por este termo repugnante, mas é o verdadeiro, nada se deve mudar ao que disse o Espírito Santo.

Tem Ele os braços amarrados, o rubor da confusão cobre-Lhe os pontos do rosto que não sujam os escarros e a poeira: não pode nem enxugar a Face nem esconder o pranto que corre.

Jesus deve ter chorado muitas vezes na Sua Paixão.

Ei-lO em presença de Herodes, de pé, pálido e desfeito; um arrepio de nojo percorre a elegante assembléia. Não podiam tê-lO modificado? Quando menos lavá-lO?

Atormentam-nO com perguntas; lisonjeiam-nO, gabam-nO; Ele se cala; desatam-Lhe as mãos para que execute passes. Jesus se cala, pendem-Lhe imóveis os braços. Instam então com Ele, a impaciência reponta:

“O quê?! Eu antecipei o meu levantar, atrapalhei o meu dia, convoquei a minha corte, pra Te ver, pra Te ouvir!”

E Jesus se cala. – “Que doido estúpido é este, ignorante das conveniências e usanças do mundo, que Pilatos me despachou?”

“É vosso rival, Herodes, intitula-se Rei dos judeus”.

“Belo Rei na verdade! Vamos vesti-lO de Rei, preciso tirar o meu proveito; prometi um divertimento à minha corte: já que Ele não nos quer divertir, divertir-nos-emos nós a custa dEle”.
Trazem a veste branca, passam-Lha, menosprezam-nO. E Jesus mantêm-se firme, face a Herodes, e despreza nEle o mundo.
Eis porque se cala.

Se houvesse diante dEle um simples pecador, oh!, por certo o Coração se Lhe fundiria, as mãos se Lhe atirariam no pó para retirá-lO. Mas há um zombador. Então Jesus se cala... aguardando a hora da justiça final. In eteritu vestro ridebo et subsanabo. Eu, a Sabedoria que tratais de loucura, a meu turno Eu me rirei de vós e brincarei convosco (Prov 1, 26).

Ó brinquedo terrível!

Há ainda vestes brancas que passam pelo mundo, justamente porque há sempre um mundo.

Todo o que quer amar a Deus acima de alguma coisa reveste um pouco dessa veste branca: se quiser amar a Deus acima de tudo, revesti-la-á toda. Eu posso, aos olhos de Deus, cobrir-me ainda com outra veste de humilhação: envolve-me a lembrança dos meus pecados, as tentações me assediam, os meus sentidos se revoltam.

Que veste humilhante! E eu só tenho esta para apresentar a Deus, pois perdi a outra, a primeira, a da minha inocência.

Ó Deus, ó Pai, afferte stolam primam, mandai que me tragam outra vez a minha veste, e com ela o anel, as sandálias e o vosso amor novo. Assim seja.

(“A subida do Calvário”, do Pe. Louis Perroy, SJ)

(Texto recebido por e-mail)