sexta-feira, 30 de abril de 2010

Trechos do sermão 13 (São Cesário de Arles)

Trechos do sermão 13
(São Cesário de Arles)


Eu vos rogo, irmãos caríssimos, que reflitamos sobre o significado de sermos cristãos e sobre o sinal da cruz de Cristo que trazemos na fronte. Não nos basta - bem devemos saber - termos recebido o nome de cristãos se não agimos como cristãos, conforme disse o próprio Senhor no Evangelho: “De que adianta dizer: ‘Senhor, Senhor’, se não fazeis o que eu digo?” (Lc 6,46). Se mil vezes te proclamas cristão e fazes o sinal da cruz, mas não dás esmola de acordo com tuas possibilidades e não queres ter amor, justiça e pureza, de nada te aproveitará o nome “cristão”.

Sim, é uma grande coisa o sinal de Cristo e a Cruz de Cristo, mas, precisamente por isso, grande e preciosa deve ser também a realidade assinalada por tão precioso sinal. De que adianta fazer um selo de ouro, se o que está por dentro é palha podre? De que adianta andar com o sinal de Cristo na fronte e na boca se o que ele encerra são nossos pecados e delitos? Pois, quem pensa mal, fala mal e age mal e, se não quiser corrigir-se, a cada sinal da cruz seu pecado não só não diminuirá como aumentará.

É o caso de muitos que, ao furtar, adulterar ou agredir a pontapés, fazem o sinal da cruz e nem por isso deixam de fazer o mal. Ignoram esses infelizes que, com isso, atraem mais demônios para dentro de si em vez de expulsá-los.

Já quem, com a ajuda de Deus, afasta de si os vícios e os pecados, lutando por pensar o bem e realizar o bem, este imprime de verdade o sinal da cruz sobre seus lábios: pois esse agir, sim, é digno de receber o sinal de Cristo. E já que está escrito: “O reino de Deus não consiste em palavras mas em virtudes” (I Cor. 4,20) e também: “A fé sem obras é morta” (Tg 2,26), não usemos, pois, o nome de cristãos para nossa condenação, mas para nossa cura e dediquemo-nos às boas obras enquanto ainda podemos lançar mão dos remédios.

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Memorizai o Símbolo e o Pai-Nosso, e ensinai-os a vossos filhos, pois não sei como pode alguém dizer-se cristão e não se empenhar sequer em saber os poucos artigos do Símbolo e o Pai-Nosso.

Sabei que sois responsáveis diante de Deus pelos filhos, que trouxestes ao Batismo: deveis ensinar e corrigir tanto os vossos próprios filhos como os afilhados para que vivam uma vida pura, justa e sóbria. E vós mesmos agi de tal maneira que, querendo vossos filhos imitar-vos, não acabem ardendo convosco no fogo eterno mas, a vosso lado, atinjam o prêmio da vida eterna...

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Aos domingos, reuni-vos na igreja. Se os infelizes judeus celebram o sábado com tamanha devoção que nesse dia não realizam nenhum trabalho, quanto mais não deve o cristão dedicar o domingo somente a Deus e vir à igreja em benefício de sua alma? Quando vierdes às reuniões da igreja, orai por vossos pecados e não entreis em discussões nem provoqueis discórdias ou escândalos. Quem vem à igreja para tais coisas agrava a ferida de sua alma, precisamente onde, pela oração, poderia curá-la.

Na igreja, não fiqueis tagarelando, mas ouvi pacientemente as leituras da palavra de Deus. Quem fica conversando na igreja deverá prestar contas, não só do mal que causa a si mesmo, mas também do que causa aos outros: pois nem ele ouve a palavra de Deus nem deixa que os outros a ouçam.

Dai o dízimo de vossos proventos à Igreja. Aquele que foi soberbo seja humilde; o que era adúltero seja casto; o que costumava furtar ou apropriar-se das coisas alheias que comece a dar de seu próprio patrimônio aos pobres. Quem foi invejoso seja benevolente; seja paciente o iracundo, quem ofendeu apresse-se a pedir perdão e o ofendido apresse-se em ser misericordioso.

Toda vez que sobrevier uma doença, o que a sofre receba o corpo e o sangue de Cristo; peça humildemente e com fé ao sacerdote a unção com o óleo bento a fim de que se cumpra nele o que está escrito: “Algum de vós está doente? Chame os presbíteros para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo, e a oração da fé salvará o enfermo, elevando-o ao Senhor. Se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão remitidos” (Tg 5,14-15).

Vede, irmãos, como quem recorre à Igreja em sua doença obtém a saúde do corpo e a remissão dos pecados. Se é possível, pois, encontrar este duplo benefício na Igreja, por que há infelizes que se empenham em causar mal a si mesmos, procurando os mais variados sortilégios: recorrendo a encantadores, a feitiçarias em fontes e árvores, amuletos, charlatães, videntes e adivinhos?

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Como disse há pouco, exortai vossos filhos e parentes a viver uma vida pura, justa e sóbria. Não só com palavras mas também com a força do bom exemplo.

Antes de mais nada, onde quer que estejais, em casa, em viagem, comendo ou em reuniões, não profira vossa boca palavras torpes e obscenas, e exortai os vizinhos e vossos próximos a que falem sempre o que é bom e belo, e não palavras más ou maledicência. Evitai as danças organizadas nas festas religiosas, com suas canções torpes e obscenas: a língua, com a qual o homem deveria louvar a Deus, é então usada para ferir a si mesmo.

Esses infelizes e miseráveis que, sem vergonha e sem temor, promovem seus bailes e danças bem diante das próprias basílicas dos santos, tendo vindo à igreja como cristãos, dela saem como pagãos: pois tais bailes são restos de paganismo. E dizei-me que tipo de cristão é esse que veio à igreja para orar, mas se esquece da oração e não se envergonha de entoar cânticos sacrílegos pagãos. Considerai ainda, irmãos, se é justo que a boca cristã, que recebe o próprio corpo de Cristo, entoe cânticos obscenos, um veneno do diabo.

E, principalmente, fazei aos outros tudo o que quiserdes que os outros vos façam, e não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam. Se cumprirdes isto, podereis preservar vossas almas de todo o pecado. E todos, mesmo aqueles que são analfabetos, devem guardar estas duas sentenças na memória e, com a ajuda de Deus, podem e devem pô-las em prática.

Nós, caríssimos irmãos, conscientes de nossa responsabilidade, advertimo-vos com solicitude paterna: se de bom grado nos ouvirdes, dar-nos-eis uma grande alegria e chegareis felizmente ao reino de Cristo. Que Ele se digne vo-lo conceder, Ele que, com o Pai e o Espírito Santo, vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.

(Grifos meus)