segunda-feira, 26 de abril de 2010

O interior de Maria

O interior de Maria


"Maria conservava todas estas palavras no Seu coração.”
(S. Lucas, cap. II)

Para bem julgar o interior de Maria, vejamos o que Deus fez por Ela e o que Ela fez por Deus. O Senhor, tendo-A predestinado para Mãe de Jesus Cristo;

1º) preservou-A do pecado original;
2º) enriqueceu-A com as maiores graças desde o momento da Sua Conceição;
3º) conferiu-Lhe muito cedo, e talvez desde o seio materno, o uso da razão;
4º) elevou-A á maternidade divina, deu-Lhe parte especial e única na Cruz e depois na glória do Seu Filho.

Maria correspondeu a essas graças de Deus:

1º) Vivendo com tão grande resguardo e tão contínua vigilância como se tivesse algo a recear da concupiscência e de suas conseqüências. Que atenção e cautela não devemos ter, nós que tantas vezes experimentamos os efeitos funestos da concupiscência!

2º) Aplicando-Se a seguir todos os impulsos e ditames da graça com tanta fidelidade, que jamais cometeu o mais leve pecado; mereceu em todos os instantes da Sua vida novo aumento de graça; nunca fez um só ato interior, uma única ação exterior cujo fim não fosse a mais estreita união com Deus.

Que modelo para a alma completamente entregue a Deus!

3º) Fazendo constantemente o mais perfeito uso da razão. E em que consistiu tal uso? Em constantemente submeter Maria a Sua razão ás luzes da fé; em trazê-la sempre sacrificada á razão suprema que é Deus; em nunca haver consentido num só raciocínio sobre os desígnios de Deus e o procedimento d'Este a Seu respeito, conquanto esse procedimento fosse cheio de mistérios e aparentes contradições.

Jamais avançaremos na vida interior, se não fizermos igual uso da nossa razão. Deus conduz as almas por caminhos opostos a todas as vistas humanas; compraz-se em destruir todos os nossos juízos, transtornar todas as nossas previsões, frustrar as nossas espectativas....

4º) Dispondo-se, sem o saber, á maternidade divina, pelo que devia humanamente privá-la para sempre dessa honra. Todas as filhas de Judá anhelavam o matrimônio, afim de contar o Messias em sua posteridade. Para elas era opróbrio a esterilidade; Maria julga-se indigna de pretender á qualidade de Mãe de Deus.

Desde a mais tenra idade, apresenta-Se ao templo para consagrar a Deus a Sua virgindade e, segundo as idéias de Sua nação, renuncia para sempre á mais alta pretensão das pessoas do Seu sexo e da Sua tribo.

Não é aspirando a grandes coisas, concebendo projetos grandiosos, tomando resoluções sublimes que alcançamos a santidade e nos dispomos aos desígnios de Deus, bem diferentes dos nossos; é humilhando-nos, abismando-nos na nossa baixeza e no nosso nada, reconhecendo-nos indignos de toda graça, temendo todo desejo de elevação e rejeitando-o como sugestão do espírito do orgulho.

Na Cruz de Jesus Cristo Maria teve tão grande parte que desde o nascimento até a morte do Seu Filho, n'Ela repercurtiu-se tudo quanto sofreu Ele, não só da parte dos homens, como da parte de Deus. Para termos idéia disso, basta considerarmos que Maria tinha por Seu Filho o maior amor de que seja capaz uma criatura: amava-O incomparavelmente mais do que a Si mesma...

Não vivia em Si mesma, mas no Seu Filho; todos os sentimentos de Jesus comunicavam-se ao coração de Sua Mãe com toda a força e na extensão ao alcance de uma simples criatura.

Elevemos-nos á meditação do que se passava na alma de Jesus Cristo, relativamente á glória do Seu Pai, ultrajada pelos homens, á santidade desonrada pelo pecado, á Sua justiça de que Ele era a vítima e a tantos milhões de almas, para as quais o Seu sangue seria inútil e até funesto em razão do abuso que dele fariam. E digamos afoitamente que a alma de Maria, guardadas as proporções experimentou as mesmas impressões.

Jesus Cristo sacrificou-Se na Cruz entregando-Se a todo o rigor da justiça divina. Maria sacrificou-Se também e mais do que a Si mesma, sacrificando Jesus Cristo e consentindo na realização dos desígnios de Deus, sobre a Redenção do gênero humano: os maiores sacrifícios da vida interior são incomparavelmente inferiores ao Seu, tanto pela extensão, como pela intensidade e pela incompreensível dor do Seu coração.

Quando tivermos passado pelas últimas provações, se Deus nos conceder tal graça, teremos pálida idéia do que sofreu Maria. Mas a maior parte dos cristãos só vê na Paixão de Jesus Cristo os tormentos do corpo e em Maria a Sua compaixão pelos sofrimentos do Filho.

O interior de Maria foi a cópia, mas a cópia mais fiél do interior de Jesus Cristo. Como Jesus Se imolou constantemente ao Pai, durante todo o curso da Sua vida, também Maria imolou continuamente a Jesus o Seu coração e imolou-Se com Ele ao Pai Celestial...

Como Jesus amou os homens, até lhes dar não só a vida do corpo, mas até a vida da alma. Maria amou os homens até lhes dar em Jesus Cristo o que lhe era mais caro do que a Sua própria vida e a Sua alma.

Que direi agora da oração de Maria?
Quem poderá dignamente descrevê-la?

Jesus foi o único objeto do Seu amor: desde a Ressurreição, só corporalmente permaneceu Ela sobre a Terra; Sua alma seguiu Jesus por assim dizer, até ao Céu. Não fez senão consumir-Se de amores pelo Filho e suspirar por Ele com inexprimível veemência, inefável enlevo. A sua única distração, se assim póde chamar-se, foi interessar-se pelo progresso da Igreja nascente e orar em prol da mesma.

Com sentimentos tão elevados quem era, quanto ao exterior, como pessoa, a SS. Virgem?

Uma mulher do povo, paupérrima, que vivia do Seu trabalho manual, durante trinta anos dedicada ao governo de uma pequena casa em Nazareth, mais tarde confiada a São João que com Ela repartia as espórtulas dos fiéis.

Que nome grangeou no mundo? Por que grandes feitos salientou-se aos olhos dos homens? Por ventura pôs-Se em evidência e contribuiu exteriormente, visivelmente, para a propagação do Evangelho? Era, entretanto, a Mãe de Deus, a mais santa e a mais pura das criaturas; foi quem teve a parte mais importante na Redenção da humanidade, e no estabelecimento da Religião cristã.

Quão diversas das nossas são as idéias de Deus!
Quão diferentes dos nossos os caminhos por Ele tomados para alcançar os Seus fins!

Como a obscuridade, o retraimento, o retiro, a solidão, a prece em silêncio Lhe agradam e mil vezes maiores são aos Seus olhos do que toda sorte de ações brilhantes!

Ah! como é ser tudo diante do Senhor - ser nada, nada pretender, aspirar apenas a viver ignorado, esquecido, desprezado, reputado o que há de mais vil e abjeto!

Se a vida da Santíssima Virgem não nos ensina esta verdade, se não provoca o nosso amor, abafando em nós todo desejo de sermos alguma coisa, se não convence da necessidade de perdermo-nos por completo, em nós mesmos, afim de nos encontrarmos de novo em Deus, que exemplo mais sensível, que lição mais poderosa será capaz de persuadir-nos?

Jesus e Maria demonstram a todo cristão que Deus só tira verdadeira glória neste mundo do nosso aniquilamento; provam ainda que quanto maior houver sido o nosso aniquilamento na Terra, tanto mais felizes, enaltecidos, poderosos seremos no Céu.

Qual é, pois a sólida devoção á SS. Virgem?

Tomarmos o Seu interior para modelo do nosso: procurarmos imitá-lA no baixo conceito que de Si mesma fazia; no amor á obscuridade, ao silêncio, ao retraimento; na atração que sentia pelas pequenas coisas; na fidelidade á graça; na simplicidade do recolhimento e da oração, cujo único objeto foi Deus e a Sua vontade, Jesus Cristo e o Seu amor; no sacrifício contínuo de si mesma e do que amava e devia amar mais do que a Si mesma.

Peçamos-Lhe quotidianamente que nos sirva de guia e modelo na vida interior, que nos obtenha as graças necessárias para correspondermos aos desígnios de Deus sobre nós. Esses desígnios são indubitavelmente desígnios de morte e destruição.

(Excertos do livro: Manual das almas interiores, do Pe. Grou)

PS: Grifos meus.