sábado, 24 de abril de 2010

A alma cristã chora adorando



A alma cristã chora adorando

Esclarecida pela Religião, a alma aflita chora; porém adorando. Ela diz:

"Ó meu Deus, Vós assim quisestes; a minha razão não compreende o bem que dessa angústia se deriva para mim; a minha natureza a repele. Meu Deus, se for possível, afaste de mim esse cálice de amarguras. Mas seja, no entanto, feita a Vossa vontade! Fiat voluntas tua!"

É certo que esse fiat só é proferido pelos lábios, e não pelo coração. E os lábios tremem ao pronunciá-lo. Á força, porém, de ser repetido, ele se transforma em suave bálsamo. Pouco a pouco a alma se fortalece; ela sobe mais alto, e diz: "Deus é bom; Deus faz tudo por bondade."

E diz ainda: "Deus é amor e tudo faz por amor." Ou, pelo menos, se essas plenas afirmações da fé são ainda possíveis para um coração dilacerado pela dor, ela diz, como uma jovem viuva torturada pelas mágoas e que procurava pouco a pouco levar aos lábios a palavra de fé: "Oh! sim, eu creio estar persuadida de que tudo o que fazeis, meu Deus, é bem feito."

Eis a primeira consolação que a Religião dá ás almas: a compreensão nítida da bondade infinita de Deus, e, na nuvem que nos envolve, sob o golpe que nos fere, a certeza do Seu amor.

Quando essa jovem viuva, da qual mais tarde falarei, se sentiu prestes a sucumbir sob o peso da cruz, o bom e piedoso padre Gerbet, que era o seu anjo consolador, compôs para alentá-la um ato de fé, a que chamou o Credo da dor.

Fazei para o vosso uso, apropriado, ao gênero de cruz que carregais, o vosso Credo da dor. Só há um Credo da fé, mas há mil sobre a dor. Fazei, pois, o vosso. Mas, de qualquer maneira que vós o componhais, incluí nele os seguintes artigos:

"Ó meu Deus, eu creio que sois bom; creio em todas as forças de minha alma, todas as intuições do meu coração, que Vós sois a bondade mesma!

Ó meu Deus, eu creio que Vós não sois unicamente bom, terno, clemente, indulgente, misericordioso; creio que sois o infinito amor; creio que todos os Vossos pensamentos, todos os Vossos atos têm a sua primeira e última inspiração no Vosso amor!

Ó meu Deus, eu amo meu pai, minha mãe, meus irmãos, minhas irmãs, meu esposo, meus filhos; amo ternamente, profundamente, todos os que eu amo; ó meu Deus, eu creio que o Vosso amor por mim ainda é mais forte.

Ó meu Deus, eu não desejaria molestar meu filho. Como poderia crer que vós me quereis magoar? É certo que o tenho punido algumas vezes; tenho-o mesmo batido; tirei-lhe das mãos objetos que lhe agradavam; e sem atender aos seus gritos, proibi-lhes divertimentos nos quais ele se comprazia. Mas, ó meu Deus, que procurava eu senão o seu bem?

Ah! protesto que nunca propositalmente provoquei as suas lágrimas, como jamais desejei revelar-lhe a minha superioridade; esse pensamento me seria penoso; sempre quis o seu bem, sempre o procurei.

Estou pronta a sofrer, a morrer para lhe proporcionar felicidade. Ó meu Deus, eis o meu coração, reflexo do Vosso. Eu beijo, pois, a minha cruz, e digo: Ela vem da bondade de Deus. É o seu amor que m'a envia. Eu não o vejo, toda a minha natureza freme; mas eu creio nele. Fecho os olhos, e, amargurada, dolorosamente ferida, repouso no coração de Deus.

Ó meu Deus, espero com impaciência, porém em paz, o grande dia da luz. Nesse dia os nevoeiros se dissiparão. Saberei porque Vós me tirastes meu pai e minha mãe; porque me tiraste meu esposo; porque, deste doce ninho que eu preparei para meus filhos, Vós arrancastes um, dois, três talvez.

Saberei porque foi preciso que eu não seja hoje compreendida, e viva abandonada, traída, talvez caluniada. Saberei porque foi preciso que a moléstia me prendesse tão longos anos num leito de sofrimentos. Saberei tudo isso, ó meu Deus...

Mas já o seu. A explicação das sombras são a mesma: Deus é bom, Deus é amor; Deus tudo faz por misericórdia e por bondade. Ó meu Deus, vós reunireis aqueles que hoje separais. Secareis as lágrimas, embalsamareis as dores. Eu espero, creio e amo" (1)

(1) - Ver no Récit d'une soeur o credo da dor, composta pelo padre Gerbet. Todas as palavras são tiradas da Santa Escritura.

(Excertos do livro: A Dor, do Mons. Bougaud)

PS: Grifos meus.