A Sociedade só pode viver segundo as normas do bem ou do mal. Estas normas podem, no entanto, perder-se. Noutros tempos, os homens sabiam a razão por que qualquer coisa era boa ou má. Podiam apresentar as causas pelas quais os indivíduos que procediam de certa maneira eram afastados da sociedade.
É, no entanto, curioso que a nossa era esqueceu as razões. Bem e mal são largamente tratados como casos de sentimento, e até quando se diz que alguma coisa é "má em si", como o homicídio, parece que poucos serão capazes de dizer a razão por que assim é, de fato. A moralidade fica assim reduzida a qualquer coisa de tão pessoal como o paladar; o espírito, à semelhança do estômago, prefere o bem ao mal, como se estivesse a preferir pepinos de conserva, em vez de pepinos frescos.
"Tudo depende do nosso ponto de vista".
Tucídides, o antigo historiador grego, ao falar da luta de classes em que a sua sociedade degenerara, observou:
"O significado das palavras já não é o mesmo em relação às coisas, pois alteraram-no, conforme muito bem lhes pareceu. Ao atrevido e ousado, atribui-se coragem leal; a demora prudente é desculpa para a covardia; a moderação, o disfarce da fraqueza do homem efeminado; a energia frenética, a verdadeira qualidade do homem. O conspirador que precisa de se pôr a salvo, é um traidor disfarçado; o amante da violência é sempre digno de confiança, e o seu antagonista é suspeito".
Os falsos princípios que se ocultam por detrás desta teoria do sentimento do bem e do mal são deveras evidentes: em primeiro lugar, sustenta-se que toda e qualquer experiência reverte em benefício do indivíduo, quer se trate de experiência sexual, política, social ou economica. A experiência não contribui para a salvação de quem quer que seja, porque ela não é mais do que o próprio "eu".
Em segundo lugar, se tentarmos ser os juízes da nossa própria experiência, esse julgamento será feito numa base - é se ela é, ou não, realmente agradável ao nosso "eu", "se nos proporciona bem-estar, é porque está bem".
Finalmente, desde que o prazer, ou emoção, ou utilidade são os únicos padrões do julgamento, segue-se que, quanto mais intensa for a emoção, ou maior for a utilidade de qualquer coisa, tanto melhor ela será para o nosso "eu".
Em contraste com este aspecto, comparemo-lo com aquilo que pode chamar-se a sensiblidade da inocência. Esta sensibilidade não representa ignorância, nem tão-pouco "não se ter vivido". É então um conhecimento do que é bom e verdadeiro porque se evitou o que era falso e mau.
O gramático que conhece o bom estilo, é deveras sensível aos erros de ortografia ou de linguagem; o médico é sensível à doença e a qualquer desvio das normas da saúde; o filósofo pode descobrir rapidamente um processo de falso raciocínio; o regente de uma orquestra, embora tenha diante de si um grande número de músicos, ouve a nota errada desferida pelo instrumento mais pequeno e mais insignificante.
E porque assim é também na ordem moral, quando a Divina Inocência se sentou à mesa com um traidor, disse: "Um de vós está prestes a atraiçoar-me". A Santidade descobre rapidamente as manobras ocultas.
A reação instintiva das crianças boas para o mal não provém do raciocínio prematuro, mas sim da maturidade da sua inocência. Os julgamentos da inocência e da pureza são absolutamente diferentes da suspeita.
Esta pode ser muitas vezes um reflexo das próprias faltas. "Não julgues e não serás julgado". Os pecados que muitas vezes condenamos no próximo são aqueles que secretamente mais no dominam ou constituem a nossa maior fraqueza. A pureza nunca é desconfiada, mas procura terreno onde possa depositar a sua confiança.
Ela tem um poder de apreensão, penetração, uma vista interior e uma capacidade de compreensão psicológica que não é dada àqueles que se encontram já contaminados pelo mal.
Quantas vezes uma criança julga mais corretamente um visitante do que os próprios familiares, embora estes sejam adultos. A inocência permite-lhes descobrir um defeito que aos menos inocentes passa despercebidos.
Os adultos que renunciaram à prática da virtude têm muitas vezes receio da inocência, não pelo temor de a contagiar, mas sim porque se sentem inconscientemente condenados pelos inocentes.
Quando o Salvador disse, na Última Ceia "um de vós está prestes a atraiçoar-me", todos perguntaram: "Sou eu?" Perante a inocência, ninguém está seguro da sua virtude.
Uma sociedade que necessita de cura e regeneração, a maior parte das vezes recebê-las-á das mãos da inocência. O puro pode olhar o impuro sem desprezo. Foi a Inocência Divina que perguntou a uma pecadora: "Onde estão aqueles que te acusam?" Não havia, pois, condenação nas palavras de Aquele que era a Retidão personificada; assim, também as asas do inocente abrigam compaixão, remédio e perdão.
(Excertos do livro: Paz de Espírito, do Arcebispo Fulton J. Sheen)
PS: Grifos meus