sábado, 10 de abril de 2010

Bom uso da língua

Bom uso da língua


"Ouvi, filhos, as regras que vos dou sobre a moderação da língua:
 aquele que as guardar não perecerá pelos lábios,
 nem cairá em ações criminosas"
(Ecli., 23,7)

Parece ter querido o Criador proteger a língua de modo especial. Com efeito, está melhor defendida que qualquer outro membro, por exemplo, os olhos e os ouvidos. Resguardam-na os lábios e os dentes, que, à guisa de muralhas a circundam e conservam. Não parece isto advertir-nos, que também, nós devemos dar atenção e vigilância toda especial a nossa língua? Sim, jovem cristã, é de grande importância, que te acostumes desde a tua mocidade ao domínio da língua.

1º) A língua não dominada facilmente causa grande mal

O bom uso da língua pode transformá-la em instrumento de graças.

No ano de 1263 retirou-se o corpo de Santo Antônio de Pádua do sepulcro, a fim de o transportar para a nova igreja, edificada em sua honra. Ao se abrir o sarcófago, os membros caíram aos pedaços, a carne já se havia transformado em pó e cinza. Mas, o queixo, os cabelos e os dentes estavam ainda conservados, e sobretudo a língua de todo incorrupta e com a sua cor natural.

O Santo Cardeal Boaventura, que de Roma fora a Pádua por ocasião dessa festividade, tomou em suas mãos com grande respeito esse língua, beijou-a e disse entusiasmado: "Ó língua, que em todo o tempo louvaste ao Senhor e ensinaste os demais a louvá-Lo, agora se torna a todos manifesto, quanto és apreciada de Deus".

Tinha razão São Boaventura de exaltar a língua de Santo Antônio, pois ela havia sido um excelente instrumento da graça, por meio da qual inúmeras almas foram conquistadas para o céu.

- Sim, a língua pode fazer muito bem. Aqui dirige a um pobre desconfortado algumas palavras de estímulo, e um suave conforto desce ao coração do mísero e o leva a suportar o peso da vida com ânimo forte.  Aí, a língua de um orador fala a milhares de ouvintes e os arrebata. Suas palavras são como centelhas que incendeia os corações. Fala, e eles choram; fala e os revoluciona internamente; fala, e eles se enchem de esperança e júbilo...

Mas, a língua que tanto bem pode fazer, acha-se também em condições de causar grande mal.

O apóstolo São Tiago escreve: "A língua é realmente um pequeno órgão, mas gloria-se de grandes coisas. Vede como um pouco de fogo devasta uma grande floresta! Também a língua é um fogo, um mundo de iniqüidade". (Tg 3,5-6).

E como são graves as palavras que se lêem no livro do Eclesiástico (cap. 28): "As chicotadas produzem vergões, mas os golpes da língua quebram os ossos... Faze uma porta e fechadura diante da tua boca: Funde o teu ouro e a tua prata e faze com isso uma balança para pesares as tuas palavras e um freio bem ajustado para a tua boca".

Pode-se afirmar que, nem a peste, nem a guerra, nem a espada, produzem tanto mal como pequeno órgão que se chama língua.

Quando surge uma epidemia numa cidade ou povoação, vai-se alastrando sinistramente casa por casa; aqui arranca dos braços da mãe uma querida criança; mas adiante atira ao leito de morte um robusto pai de família; assim é grande a dor e a desgraça que vai causando a moléstia fatal.

A guerra sangrenta, devasta o campo de batalha semeando a morte dos soldados, filhos que eram a esperança e seriam o amparo dos pais, jovens que, pouco antes, haviam constituído uma família feliz; a gente sente-se possuída de uma dolorosa tristeza, á vista da desgraça que o flagelo acarreta.

No entanto, o mal que faz a língua, não é de certo modo, ainda maior?

A peste e a guerra são ocasionais e produzem por certo tempo seus efeitos maléficos, ao passo que a língua tem um poder destruidor e atua cada dia, cada hora, cada instante e por toda a parte? Com efeito, não somente num ou noutro campo de batalha, exerce a línhua a sua atividade perniciosa, mas em cada lugar, em cada cidade e em cada aldeia e em todas as camadas sociais; entre a alta sociedade, como também na classe média, nos passatempos dos homens doutos, como nas oficinas dos nossos mestres, especializados e aprendizes.

Ela infunde a desconfiança aos ânimos, prejudica o bom nome das pessoas honradas, destrói o laço das melhores amizades, arruína a felicidade familiar, formenta a desordem e o espírito de revolta na vida da nação e dos cidadãos, desacredita a religião e a moralidade. É incalculável o mal que produz a língua desenfreada. Vigia, pois, a tua língua!

2º) Não fales quando te for necessário calar

Sim, há também tempo em que o silêncio se torna uma necessidade para que o nosso espírito possa encontrar-se com Deus. Claro está que não precisarás observar o silêncio como um trapista ou como um Moltke, (organizador de batalhas); não obstante, deverás dominar a vontade de falar, de maneira justa e razoável. Não sejas, antes de tudo, palradora e tagarela, não deixando nunca às outras pessoas, oportunidade de usar da palavra. Tais paroleiras causam repulsa e ninguém deseja estar com elas.

Essas pessoas soltam palavras ao ar e ninguém dá importância ao que elas dizem, são consideradas irrefletidas. Também os pecados se insinuam facilmente pela loquacidade, pois, diz o Espírito Santo; "No muito falar não faltará pecado, mas o que modera os seus lábios, é prudentíssimo". (Prov., 10,19).

Contudo há de se evitar o mutismo que destoa a convivência social. Cada qual, segundo o seu alcance, de maneira sensata, deve contribuir com a sua parcela para a conversa social, como o exige a consideração que merecem os demais. Em companhia porém, de pessoas mais velhas, ceda-se a elas o uso da palavra.

No que concerne às faltas do teu próximo, não deves falar, mas calar. A todos aplicam-se as palavras do Divino Salvador: "Não julgueis, para não serdes julgados". (Mt 7,1).

Sem motivo graves, nunca se deve falar das faltas e fraquezas dos outros. Guarda só para ti o que rouba a outrem o bom nome e estende sobre os seus desvarios e pecados o manto da caridade cristã; salvo se o bem comum ou a obediência o exigirem, fala a tal respeito.

Que de faltas, infelizmente, não se cometem hoje neste ponto!
Quantos que, por um vezo especial, criticam as fraquezas e os defeitos de uma pessoas ausente!
Não é isto cristão, nem nobre!

Não deves falar, mas calar, quando alguém, em momento de grande excitação e num acesso de cólera, te fizer qualquer reprimenda. Nestas circunstâncias, é mister considerar que toda palavra de esclarecimento e desculpa será inútil é o mesmo que atirar lenhas a uma fogueira, e inflamará ainda mais a ira; nesta situação embaraçosa aconselha-se domínio e equilíbrio. Passará logo a tempestade, sem prejudicar-te.

Se tomarmos uma pedra e a lançarmos contra outra, levantar-se-á um grande fragor, chispas e estilhaços esvoaçarão para todos os lados; se porém, a lançarmos sobre a lã macia já não ouviremos nenhum ruído. O mesmo acontece na nossa vida: um caráter violento não se enquadra com outro do mesmo tipo mas é vencido pela paciência e serenidade.

Conserva-te tranqüila e calada! Aguarda o momento para qualquer explicação.

Deves calar-te e não falar de coisas impuras e ignóbeis. Sabes o que diz o Apóstolo: "Nem sequer se nomeie entre vós ... qualquer impureza ... como convém a santos" (Ef., 5,3).

Como este Apóstolo não seria tomado de santa indignação, se em nossos dias surgisse de improviso numa reunião de moços e ali ouvisse as conversas tais que fazem subir o rubor à faces! Até mesmo na presença de crianças inocentes, se proferem, às vezes, palavras obcenas!

Não deveriam tais libertino sentir pavor daquela terrível "Ai!" que o Divino Salvador pronunciou contra os que escandalizam os pequenos?

Finalmente, não deves falar, mas calar-te, em tudo quanto possa abalar a fé do teu próximo. No que tange a fé, pode a má língua causar muito mal: se escarnecer das funções religiosas ou dos costumes piedosos; se galhofar da doutrina e da religião; se expuser mentiras históricas, já milhares de vezes refutadas, pode facilmente destruir a fé dos corações simples e empanar-lhes a felicidade e a alegria espiritual que a fé lhes destina na alma. É assim que começa para muitos o caminho da perdição.

3º) Não deverás, porém, calar-te quando for preciso falar

Não podes calar-te, quando, em tua presença a honra de Deus e a sua causa são atacadas com insolência. Albano Stolz, narra um fato a esse respeito.

Numa casa de veraneio da Alemanha, um dos hóspedes, no decorrer da refeição, alardeava a sua incredulidade, zombando de tudo quanto se relacionava com a religião e principalmente falando de Deus de maneira desdenhosa a blasfema. Ninguém concordava com o insolente, mas ninguém tampouco sentia coragem de o rebater.

Levantou-se então, um menino de seis anos ou menos, encaminhou-se para o incrédulo zombeteiro, e qual anjo enfurecido disse-lhe, erguendo o dedo em atitude de o ameaçar: "Não se fala assim de Deus!"

Ficaram todos profundamente comovidos com a aparição do menino, e um senhor mais idoso repetiu com lágrimas nos olhos: "Deveras! Não se fala assim de Deus. Tens razão menino!" Que motivo de confusão e vergonha não causa o exemplo desta criança a muitas moças, que não se atrevem a replicar, quando são atacadas a honra de Deus, a divina Pessoa de Jesus Cristo, Maria Mãe de Deus, ou qualquer verdade da nossa santa fé. Não pertenças ao número destas almas vis e covardes,

Não discutas sobre assuntos religiosos em lugares impróprios ou em ocasião importuna, em regra, não trará isto nenhum, benefício. Quando, porém, em tua presença se injuria a Deus, ou a Igreja, não poderás quedar-te insensível, antes deverás rebater a ofensa com uma palavra emérgica. Se não estiveres em condição de o fazer, procura evitar quanto possível tais pessoas.

Nunca deverás calar, quando em tua presença se fala injustamente de pessoas ausentes. Neste caso toma o partido da pessoa criticada, dize uma palavra em sua defesa ou justificação. Lembra-te, pelo menos, que é vil e descaridoso discorrer sem necessidade sobre faltas alheias. Lembra-te as palavras do Divino Salvador: "O que quereis que vos façam os homens, fazei vós também a eles" (Luc 6,31).

É um dever que te impõe a caridade, que não permaneças indiferente, quando chegar ao teu conhecimento que alguma das tuas irmãs ou das tuas amigas começam desviar-se do bom caminho. Quantas jovens que não se preservariam de extravios se tivesse uma verdadeira amiga que oportuna e carinhosamente a avissasse!

Quando tomares conhecimento de que alguma de tuas colegas estão se encaminhando por vias perigosas e fatais, sê verdadeira amiga, estenda-lhe a mão. Reza alguns duas principalmente por essa colega, recomenda-a, antes de tudo, ao seu Anjo da Guarda, admoesta-a de maneira prudente, caridosa e séria, de modo que perceba que tens intenções boas.

Se o aviso não produzir efeito imediato, não percas a confiança, continua a rezar, ainda mais por ela e a dizer-lhe, de quando em vez, uma boa palavra. Assim poderás, talvez, arredá-la do caminho do pecado.

Lembra-te destas palavras: aprende a dominar a língua, aprende a falar e calar oportunamente.

"Ouvi, filhos, as regras que vos dou sobre a moderação da língua: aquele que as guardar não perecerá pelos lábios, nem cairá em ações criminosas" (Ecli., 23,7)

(Excertos do livro: Donzela cristã, do Pe. Matias de Bremscheid)

PS: Grifos meus