sábado, 9 de março de 2013

OS CATÓLICOS E A QUESTÃO ESCOLAR

Porque é que sou católico
por Jean Guiraud, redator chefe de "La Croix"
Edição de 1930


            Ligam os católicos importância capital à questão escolar, porque, continuadora e colaboradora da família, tem a escola capital importância na formação das jovens gerações de hoje que serão a França de amanhã e em suas mãos hão de enfeixar os destinos políticos e religiosos do país. Enquanto detentores do poder, esforçaram-se por manter na escola a estreita união da educação e da instrução, e o próprio princípio dessa união eram Deus e a Sua moral, ensinados na escola pública como na escola livre. Logo que se apoderaram do mando supremo, os irredutíveis inimigos da Igreja, os maçons anticlericais, fizeram votar as "leis leigas" de 1881-1882, que tornam leigo o ensino primário, isto é, lhe tiram todo caráter religioso: e depois essa laicizarão foi prosseguindo, por miúdo, com lógica rigorosa e tenacidade inexorável: laicizarão do pessoal em 1886, laicizarão dos livros e das bibliotecas escolares.
            Gabavam-se, pela maior parte, os autores dessas leis anticlericais de manter na escola pública o culto da pátria, à míngua do culto de Deus. Perigosa ilusão: não tardou que os ultrapassassem aqueles mesmos a quem haviam atiçado contra o catolicismo. A maior parte dos professores leigos acabaram recusando-se a ensinar esses vagos deveres para com Deus que os programas relembravam ainda como derradeiro vestígio dessa religião natural, julgada indispensável ao homem ou pelo menos à juventude, no momento em que se lhe despertam as paixões. Para substituir a moral religiosa do Decálogo, recorreram a todas aquelas que se sucedem no mundo leigo com a rapidez das modas, e nessa avalanche de morais que se fundem como o gelo em dia sereno as jovens gerações, quando não pediram à Igreja antídoto às doutrinas leigas, resvalaram céleres no mais completo amoralismo. Uma vez desencadeados, quiseram os instintos satisfazer-se a todo transe, de todas as maneiras. Daí essa ardente sede de gozo, manifestada antes da guerra, e que os padecimentos da guerra não fizeram senão exasperar. Contida pela necessidade, expandiu-se à rédea solta, mal se alcançou a vitória, com uma violência e um cinismo espantoso. Multiplicação de centros de diversões e de orgia, cinemas, dancings, music-halls, cabarés, modas cada vez mais indecentes que assemelham as nossas "garçonnes" de cabelos curtos a efebos viciados e os nossos rapazolas de cabeleira, cinturinha, peito arqueado e ancas desmesuradas, as raparigas à cata de aventuras; sports e tratamentos higiênicos, que as mais das vezes não passam de exibições de nudezas para a excitação dos sentidos, promiscuidade dos jovens, chegando muitas vezes à mancebia do quarto mobiliado, no mundo operário, aos flirts e adultérios elegantes, na alta roda e, em todas as classes sociais, ao divórcio e ao drama passional.

Esses prazeres malsãs são procurados a todo custo; daí o furor que impele aos ganhos excessivos todas as classes sociais; daí o ódio, cada vez mais encarniçado, daquele que não tem nada àquele que tem tudo, daquele que tem menos àquele que tem mais. Não haja dúvidas; aí, muito mais do que na miséria, é que é mister procurar a razão de ser dessa agravação da luta de classes que tamanho poder empresta ao socialismo sob a sua forma mais violenta, o comunismo.
            A Revolução social está dando a última de mão nessa corja de apaches de quinze anos que cada vez mais atravancam os tribunais, nesses motins periódicos como o dos últimos dias, no qual foram presos sobretudo rapazinhos de quinze a vinte anos, e que são os grandes artífices do "Grand Sair". Sodoma e Gomorra estão elas próprias preparando o fogo que as vai devorar... se não tiverem mão nelas.
            Quando os católicos denunciavam, trinta anos faz, o ensino pernicioso da Escola leiga, eram taxados de fanáticos por essa burguesia oportunista e cética, dada à leitura de "Le Temps", e, ao mesmo tempo, de alarmistas por esses amáveis liberais, inimigos de qualquer demasia, que ler assiduamente "Les Débats" e nem sempre têm - infelizmente! - essas iras vigorosas "que deve dar o vicio às almas virtuosas".
            Desvendam-se-lhes hoje em dia os olhos e nada mais cômico do que a estupefação de Le Temps, ao tomar conhecimento desses manuais escolares que os bispos há já vinte anos denunciaram que nós, depois disso, não cessamos de combater. Descobre no de Hesse e Gleyse que a moral é uma moda, que os seus preceitos são mutáveis como os costumes, o que muito que sobressalta, porque se não há nada de sólido: Aonde iremos parar! Não é lá muito cedo para darem por isso, mas em todo o caso, antes tarde que nunca! Não é, pois de admirar se na escola leiga denunciamos o melhor instrumento da Revolução social. Segundo o famoso mote, queriam transformá-la em machina que de filhos de crentes fizesse ateus. Ninguém suspeitava que esses próprios ateus seriam também muitas vezes revolucionários e anarquistas, pois a fórmula do laicalismo integral não esqueçamos nós que é a seguinte: "Nem Deus nem Amo!"
            Os professores socialistas e comunistas esses não a esquecem. Grupados em numerosos e importantes sindicatos constituem a maioria do corpo docente primário, porquanto, sobre cerca de cento e trinta e cinco mil membros que o compõem, oitenta mil pelo menos se acham filiados ao Sindicato nacional, sob a direção de Olay que por sua vez aderiu à C. O. T. socialista, e quinze mil pertencem aos sindicatos unitários filiados a C. O. T. U. Comunista.
            Não se contentam tais sindicatos com tratar em pé de igualdade o ministro da Instrução pública e respectivos funcionários, inspetores de academia e inspetores primários, no respeitante a questões profissionais e pedagógicas. Têm ainda a pretensão de inculcar a seus alunos a moral socialista ou proletária, isto é a substituição total da noção de humanidade à noção de pátria - e por isso proscrevem todo livro que ainda fale das glórias militares da França, - a substituição das guerras de defesa nacional pela luta de classes. Já em certas escolas, professores e professoras comunistas vão pregando a liberdade da maternidade que se pode, segundo eles, refusar, por meio de práticas abortivas, quer seja o indivíduo casado, quer não, ou aceitar, sem o menor vexame, fora do casamento. Pois não se viu condenar um tribunal certa professora comunista que havia preconizado o aborto, descrevendo-lhe as práticas? E não se declararam todos os professores socialistas e comunistas do Pinistère - isto é a grande maioria do professorado público primário desse departamento - solidários com um dos seus colegas comunista que havia publicamente blasfemado contra a pátria, preconizando a deserção e o ódio aos chefes? Para, com liberdade absoluta, desenvolver em aula tais doutrinas, declaram eles que a escola, de direito, lhes pertence e que não deve ser nem confessional, nem comunal, nem nacional, mas sindical, pertencer aos sindicatos aos quais se acham seus mestres filiados, e deles, tão somente, receber as suas senhas, instruções, livros e doutrinas.       Assim, depois de terem invadido cada vez mais a escola com a cumplicidade dos pontífices oficiais da leiguice, querem os mestres oficiais do socialismo açambarcá-las para eles próprios e fazer delas para as gerações futuras o seminário da Revolução.
            É exatamente esse o papel que representa a escola na terra dos Soviets.
            Outro tanto nos sucederá a nós se o ensino leigo e revolucionário continuar a desenvolver-se sob as vistas complacentes da Maçonaria e da sua filial a Liga do Ensino, as quais todos os nossos ministros, têm estado, de cinquenta anos para cá, mais ou menos escravizados.
            Ora, quantos se dizem leigos, quer sejam liberais, quer radicais, republicanos da esquerda ou oportunistas, são incapazes de opôr um dique à enchente revolucionária que vai dominando a escola pública porque foram justamente eles os que, preconizando um ensino praticamente ateu, escancararam portas ao socialismo e ao comunismo, os quais, aliás muito bem sabem recordar-lhes isso quando convém. Somente pode fazê-lo o catolicismo por sua doutrina, diametralmente oposta ao socialismo por ela condenado, e porque baseia os direitos da sociedade e do indivíduo na rocha inabalável da moral divina. Entre o socialismo e o catolicismo forçoso é escolher, e, consoante à escolha que se fizer, ou cairemos sem demora nas orgias e atrocidades revolucionárias ou daremos à França e a sociedade os princípios de ordem de sadia liberdade e de religião que lhes são absolutamente necessários.
            A espera do dia em que na escola pública se há de sustar a lepra socialística e comunista pelo restabelecimento do ensino religioso e supressão dos sindicatos revolucionários do corpo docente querem os católicos, pelo ensino livre, preservar dela os próprios filhos e os de toda família sensata e honesta; mas para isso reclamam a verdadeira liberdade de ensino, não a que consiste apenas em uma família mas a que é uma realidade porque dispõe de todos os meios de se exercer. Ora, essa última não existe, porquanto, ao passo que a escola pública recebe cada ano, do orçamento, isto é dos contribuintes, católicos ou não, mais de dois bilhões para o seu funcionamento, à escola livre se recusa a mínima subvenção oficial. Donde se segue que há escolas públicas em toda a parte e escolas livres apenas nos lugares em que os católicos dispõem de recursos para criá-las e assegurar aos professores um ordenado conveniente. Com a atual carestia da vida e depois de todas as confiscações legais com que os encarniçados adversários da Igreja a têm empobrecido, vão-se tornando essas escolas cada vez mais raras e a liberdade de ensino perece de inanição, de fome, sem que necessário seja suprimi-la por uma lei. Tende assim a estabelecer-se, em favor da escola pública, hoje em dia atéia e amanhã revolucionária, um monopólio de fato que passará a monopólio legal quando instituída for a Escola única.
            No seu interesse como também no do país, e da sociedade inteira, não podem conformar-se com isso os católicos e pedem com instância cada vez mais forte - não como um favor mas como um direito - a repartição entre todas as escolas públicas ou privadas, católicas, protestantes, judaicas ou leigas, de todas as verbas do orçamento destinadas ao ensino, sem gravame: das nossas finanças porque essa reforma suprimindo não poucas escolas sem alunos, repartiria conscientemente as subvenções escolares. Semelhante reforma poria à disposição de cada família a escola que melhor correspondesse ao seu ideal de educação e desde logo desempenharia a escola muito melhor o seu papel que é auxiliar a família e colaborar com ela, nessa plena confiança recíproca que hoje em dia está faltando, e no dia em que a família retomasse o seu contato com a escola, já não seria esta açambarcada pelo socialismo revolucionário.
            A semelhante reforma que tão facilmente se justifica com razões de justiça, liberdade e igualdade, que única poderia, assegurando a cada qual o exercício de seu direito de educação, dar ao conflito escolar que divide tão fundo a França a única solução possível, a solução da liberdade e da igualdade de todas as escolas diante da lei civil e orçamentária, opõem os nossos adversários o sistema mais absoluto e tirânico que nunca se imaginou: a Escola única. Entendem por essas palavras um vasto sistema de instrução e de educação nacionais que educaria gratuitamente todas as crianças de França, guindando-as aos mais altos graus do ensino ou detendo-as a meio do caminho, orientando-as para estudos de toda casta, intelectuais, profissionais, técnicos, literários, científicos, artísticos, unicamente de acordo com uma seleção feita por professores e médicos oficiais, sem que nunca se consultem as famílias sobre a sorte e o futuro de seus filhos. Como em semelhante sistema não poderia caber o ensino livre, a Escola única - digam o que disserem por enquanto alguns dos seus partidários - seria um monopólio absoluto do Estado, até o dia em que ela fosse - como já se vai tornando desde já a Escola primária - o monopólio dos sindicatos socialistas e comunistas, isto é, da Revolução. Nisso, exatamente, é que iria dar a Escola única, pois o seu próprio princípio básico é socialista e até comunista. Ela o é quando exonerando totalmente a família da responsabilidade moral e intelectual dos filhos, estabelece um comunismo de prole que para ser tão completo quanto possível pediria um comunismo de mulheres. Ela o é pela autoridade absoluta que empresta à coletividade do Estado moderno ou do Estado sindicalista sobre o futuro das jovens gerações. Ela o é ainda fazendo desse Estado uma Providência encarregada não somente da educação como do encarreiramento de toda a juventude francesa numa profissão ou ofício. Ela o é finalmente pelas somas exorbitantes que exigia semelhante empreitada e que levariam o Estado a absorver a maior parte das fortunas particulares.
            É, pois, o socialismo integral que aparece por qualquer lado que se tome o sistema da Escola única. Não é assim de admirar que o primeiro país que se lembrou de adotá-la tenha sido precisamente o do bolchevismo da Rússia soviética.
            Assim aparece o verdadeiro caráter da luta que se há de travar entre a Repartição proporcional escolar e a Escola única: Do lado da repartição proporcional, e a defesa de todas as instituições sobre as quais deve repousar uma sociedade sólida: religião, família, liberdade no direito da justiça. Do lado da Escola única é a instauração do socialismo de Estado ou do sindicalismo sobre os escombros da família, da liberdade e até da religião, porquanto esse sistema, açambarcando toda a infância e toda a mocidade seria leigo, como a escola primária pública de hoje.
            Pronunciando-se pela Repartição proporcional escolar contra a Escola única, levanta-se uma vez mais o Catolicismo em defesa da liberdade humana e da família contra o socialismo.