Porque é que sou católico
por Jean Guiraud, redator chefe de "La Croix"
Edição de 1930
Ligam os católicos importância capital
à questão escolar, porque, continuadora e colaboradora da família, tem a escola
capital importância na formação das jovens gerações de hoje que serão a França
de amanhã e em suas mãos hão de enfeixar os destinos políticos e religiosos do país.
Enquanto detentores do poder, esforçaram-se por manter na escola a estreita
união da educação e da instrução, e o próprio princípio dessa união eram Deus e
a Sua moral, ensinados na escola pública como na escola livre. Logo que se apoderaram
do mando supremo, os irredutíveis inimigos da Igreja, os maçons anticlericais,
fizeram votar as "leis leigas" de 1881-1882, que tornam leigo o
ensino primário, isto é, lhe tiram todo caráter religioso: e depois essa laicizarão
foi prosseguindo, por miúdo, com lógica rigorosa e tenacidade inexorável: laicizarão
do pessoal em 1886, laicizarão dos livros e das bibliotecas escolares.
Gabavam-se, pela maior parte, os autores
dessas leis anticlericais de manter na escola pública o culto da pátria, à míngua
do culto de Deus. Perigosa ilusão: não tardou que os ultrapassassem aqueles
mesmos a quem haviam atiçado contra o catolicismo. A maior parte dos professores
leigos acabaram recusando-se a ensinar esses vagos deveres para com Deus que os
programas relembravam ainda como derradeiro vestígio dessa religião natural,
julgada indispensável ao homem ou pelo menos à juventude, no momento em que se
lhe despertam as paixões. Para substituir a moral religiosa do Decálogo,
recorreram a todas aquelas que se sucedem no mundo leigo com a rapidez das
modas, e nessa avalanche de morais que se fundem como o gelo em dia sereno as jovens
gerações, quando não pediram à Igreja antídoto às doutrinas leigas, resvalaram
céleres no mais completo amoralismo. Uma vez desencadeados, quiseram os instintos
satisfazer-se a todo transe, de todas as maneiras. Daí essa ardente sede de
gozo, manifestada antes da guerra, e que os padecimentos da guerra não fizeram
senão exasperar. Contida pela necessidade, expandiu-se à rédea solta, mal se
alcançou a vitória, com uma violência e um cinismo espantoso. Multiplicação de
centros de diversões e de orgia, cinemas, dancings,
music-halls, cabarés, modas cada vez
mais indecentes que assemelham as nossas "garçonnes" de cabelos curtos a efebos viciados e os nossos rapazolas
de cabeleira, cinturinha, peito arqueado e ancas desmesuradas, as raparigas à
cata de aventuras; sports e tratamentos higiênicos, que as mais das vezes não
passam de exibições de nudezas para a excitação dos sentidos, promiscuidade dos
jovens, chegando muitas vezes à mancebia do quarto mobiliado, no mundo operário,
aos flirts e adultérios elegantes, na alta roda e, em todas as classes sociais,
ao divórcio e ao drama passional.
Esses prazeres malsãs são procurados a todo custo; daí o furor que impele aos ganhos excessivos todas as classes sociais; daí o ódio, cada vez mais encarniçado, daquele que não tem nada àquele que tem tudo, daquele que tem menos àquele que tem mais. Não haja dúvidas; aí, muito mais do que na miséria, é que é mister procurar a razão de ser dessa agravação da luta de classes que tamanho poder empresta ao socialismo sob a sua forma mais violenta, o comunismo.
A Revolução social está dando a última
de mão nessa corja de apaches de
quinze anos que cada vez mais atravancam os tribunais, nesses motins periódicos
como o dos últimos dias, no qual foram presos sobretudo rapazinhos de quinze a
vinte anos, e que são os grandes artífices do "Grand Sair". Sodoma
e Gomorra estão elas próprias preparando o fogo que as vai devorar... se não
tiverem mão nelas.
Quando os católicos denunciavam,
trinta anos faz, o ensino pernicioso da Escola leiga, eram taxados de fanáticos
por essa burguesia oportunista e cética, dada à leitura de "Le Temps", e, ao mesmo tempo, de
alarmistas por esses amáveis liberais, inimigos de qualquer demasia, que ler
assiduamente "Les Débats" e
nem sempre têm - infelizmente! - essas iras vigorosas "que deve dar o
vicio às almas virtuosas".
Desvendam-se-lhes hoje em dia os
olhos e nada mais cômico do que a estupefação de Le Temps, ao tomar conhecimento desses manuais escolares que os
bispos há já vinte anos denunciaram que nós, depois disso, não cessamos de
combater. Descobre no de Hesse e Gleyse que a moral é uma moda, que os
seus preceitos são mutáveis como os costumes, o que muito que sobressalta,
porque se não há nada de sólido: Aonde iremos parar! Não é lá muito cedo para
darem por isso, mas em todo o caso, antes tarde que nunca! Não é, pois de admirar
se na escola leiga denunciamos o melhor instrumento da Revolução social.
Segundo o famoso mote, queriam transformá-la em machina que de filhos de
crentes fizesse ateus. Ninguém suspeitava que esses próprios ateus seriam também
muitas vezes revolucionários e anarquistas, pois a fórmula do laicalismo
integral não esqueçamos nós que é a seguinte: "Nem Deus nem Amo!"
Os professores socialistas e comunistas
esses não a esquecem. Grupados em numerosos e importantes sindicatos constituem
a maioria do corpo docente primário, porquanto, sobre cerca de cento e trinta e
cinco mil membros que o compõem, oitenta mil pelo menos se acham filiados ao
Sindicato nacional, sob a direção de Olay que por sua vez aderiu à C. O. T.
socialista, e quinze mil pertencem aos sindicatos unitários filiados a C. O. T.
U. Comunista.
Não se contentam tais sindicatos com
tratar em pé de igualdade o ministro da Instrução pública e respectivos funcionários,
inspetores de academia e inspetores primários, no respeitante a questões profissionais
e pedagógicas. Têm ainda a pretensão de inculcar a seus alunos a moral
socialista ou proletária, isto é a substituição total da noção de humanidade à
noção de pátria - e por isso proscrevem todo livro que ainda fale das glórias militares
da França, - a substituição das guerras de defesa nacional pela luta de
classes. Já em certas escolas, professores e professoras comunistas vão pregando
a liberdade da maternidade que se pode, segundo eles, refusar, por meio de práticas
abortivas, quer seja o indivíduo casado, quer não, ou aceitar, sem o menor
vexame, fora do casamento. Pois não se viu condenar um tribunal certa
professora comunista que havia preconizado o aborto, descrevendo-lhe as práticas?
E não se declararam todos os professores socialistas e comunistas do Pinistère - isto é a grande maioria do professorado
público primário desse departamento - solidários com um dos seus colegas
comunista que havia publicamente blasfemado contra a pátria, preconizando a
deserção e o ódio aos chefes? Para, com liberdade absoluta, desenvolver em aula
tais doutrinas, declaram eles que a escola, de direito, lhes pertence e que não
deve ser nem confessional, nem comunal, nem nacional, mas sindical, pertencer
aos sindicatos aos quais se acham seus mestres filiados, e deles, tão somente, receber
as suas senhas, instruções, livros e doutrinas. Assim, depois de terem invadido cada vez mais a escola com a
cumplicidade dos pontífices oficiais da leiguice, querem os mestres oficiais do
socialismo açambarcá-las para eles próprios e fazer delas para as gerações
futuras o seminário da Revolução.
É exatamente esse o papel que representa
a escola na terra dos Soviets.
Outro tanto nos sucederá a nós se o
ensino leigo e revolucionário continuar a desenvolver-se sob as vistas complacentes
da Maçonaria e da sua filial a Liga do Ensino, as quais todos os nossos ministros,
têm estado, de cinquenta anos para cá, mais ou menos escravizados.
Ora, quantos se dizem leigos, quer
sejam liberais, quer radicais, republicanos da esquerda ou oportunistas, são incapazes
de opôr um dique à enchente revolucionária que vai dominando a escola pública
porque foram justamente eles os que, preconizando um ensino praticamente ateu,
escancararam portas ao socialismo e ao comunismo, os quais, aliás muito bem
sabem recordar-lhes isso quando convém. Somente pode fazê-lo o catolicismo por
sua doutrina, diametralmente oposta ao socialismo por ela condenado, e porque
baseia os direitos da sociedade e do indivíduo na rocha inabalável da moral
divina. Entre o socialismo e o catolicismo forçoso é escolher, e, consoante à escolha
que se fizer, ou cairemos sem demora nas orgias e atrocidades revolucionárias
ou daremos à França e a sociedade os princípios de ordem de sadia liberdade e
de religião que lhes são absolutamente necessários.
A espera do dia em que na escola pública
se há de sustar a lepra socialística e comunista pelo restabelecimento do
ensino religioso e supressão dos sindicatos revolucionários do corpo docente
querem os católicos, pelo ensino livre, preservar dela os próprios filhos e os
de toda família sensata e honesta; mas para isso reclamam a verdadeira
liberdade de ensino, não a que consiste apenas em uma família mas a que é uma
realidade porque dispõe de todos os meios de se exercer. Ora, essa última não
existe, porquanto, ao passo que a escola pública recebe cada ano, do orçamento,
isto é dos contribuintes, católicos ou não, mais de dois bilhões para o seu funcionamento,
à escola livre se recusa a mínima subvenção oficial. Donde se segue que há escolas
públicas em toda a parte e escolas livres apenas nos lugares em que os católicos
dispõem de recursos para criá-las e assegurar aos professores um ordenado
conveniente. Com a atual carestia da vida e depois de todas as confiscações
legais com que os encarniçados adversários da Igreja a têm empobrecido, vão-se
tornando essas escolas cada vez mais raras e a liberdade de ensino perece de
inanição, de fome, sem que necessário seja suprimi-la por uma lei. Tende assim
a estabelecer-se, em favor da escola pública, hoje em dia atéia e amanhã
revolucionária, um monopólio de fato que passará a monopólio legal quando
instituída for a Escola única.
No seu interesse como também no do
país, e da sociedade inteira, não podem conformar-se com isso os católicos e pedem
com instância cada vez mais forte - não como um favor mas como um direito - a
repartição entre todas as escolas públicas ou privadas, católicas,
protestantes, judaicas ou leigas, de todas as verbas do orçamento destinadas ao
ensino, sem gravame: das nossas finanças porque essa reforma suprimindo não
poucas escolas sem alunos, repartiria conscientemente as subvenções escolares.
Semelhante reforma poria à disposição de cada família a escola que melhor
correspondesse ao seu ideal de educação e desde logo desempenharia a escola muito
melhor o seu papel que é auxiliar a família e colaborar com ela, nessa plena
confiança recíproca que hoje em dia está faltando, e no dia em que a família
retomasse o seu contato com a escola, já não seria esta açambarcada pelo
socialismo revolucionário.
A semelhante reforma que tão facilmente
se justifica com razões de justiça, liberdade e igualdade, que única poderia,
assegurando a cada qual o exercício de seu direito de educação, dar ao conflito
escolar que divide tão fundo a França a única solução possível, a solução da liberdade
e da igualdade de todas as escolas diante da lei civil e orçamentária, opõem os
nossos adversários o sistema mais absoluto e tirânico que nunca se imaginou: a
Escola única. Entendem por essas palavras um vasto sistema de instrução e de
educação nacionais que educaria gratuitamente todas as crianças de França,
guindando-as aos mais altos graus do ensino ou detendo-as a meio do caminho,
orientando-as para estudos de toda casta, intelectuais, profissionais,
técnicos, literários, científicos, artísticos, unicamente de acordo com uma
seleção feita por professores e médicos oficiais, sem que nunca se consultem as
famílias sobre a sorte e o futuro de seus filhos. Como em semelhante sistema
não poderia caber o ensino livre, a Escola única - digam o que disserem por
enquanto alguns dos seus partidários - seria um monopólio absoluto do Estado,
até o dia em que ela fosse - como já se vai tornando desde já a Escola primária
- o monopólio dos sindicatos socialistas e comunistas, isto é, da Revolução. Nisso, exatamente, é que iria dar a
Escola única, pois o seu próprio princípio básico é socialista e até comunista.
Ela o é quando exonerando totalmente a família da responsabilidade moral e intelectual
dos filhos, estabelece um comunismo de prole que para ser tão completo quanto possível
pediria um comunismo de mulheres. Ela o é pela autoridade absoluta que empresta
à coletividade do Estado moderno ou do Estado sindicalista sobre o futuro das
jovens gerações. Ela o é ainda fazendo desse Estado uma Providência encarregada
não somente da educação como do encarreiramento de toda a juventude francesa
numa profissão ou ofício. Ela o é finalmente pelas somas exorbitantes que
exigia semelhante empreitada e que levariam o Estado a absorver a maior parte
das fortunas particulares.
É, pois, o socialismo integral que
aparece por qualquer lado que se tome o sistema da Escola única. Não é assim de
admirar que o primeiro país que se lembrou de adotá-la tenha sido precisamente o
do bolchevismo da Rússia soviética.
Assim aparece o verdadeiro caráter
da luta que se há de travar entre a Repartição proporcional escolar e a Escola única:
Do lado da repartição proporcional, e a defesa de todas as instituições sobre
as quais deve repousar uma sociedade sólida: religião, família, liberdade no direito
da justiça. Do lado da Escola única é a instauração do socialismo de Estado ou
do sindicalismo sobre os escombros da família, da liberdade e até da religião,
porquanto esse sistema, açambarcando toda a infância e toda a mocidade seria leigo,
como a escola primária pública de hoje.
Pronunciando-se pela Repartição
proporcional escolar contra a Escola única, levanta-se uma vez mais o
Catolicismo em defesa da liberdade humana e da família contra o socialismo.