A Mãe segundo a vontade de Deus ou Deveres da Mãe Cristã para com os seus filhos,
do célebre Padre J. Berthier, M.S
Edição de 1927
II- As preferências
Já acima o dissemos, e convém
insistir neste ponto: a mãe deve amar todos os filhos sem exceção. Não são eles
todos uma porção de si própria? Não os trouxe todos no seu seio, e não os
alimentou com o seu leite? Concentrar num só, ou em alguns, todas as afeições,
e ter pelos outros uma espécie de indiferença, ou mesmo de aversão, seria ir de
encontro, não só contra natureza, mas contra a lei de Deus; seria perdê-los a
todos, a uns por excesso, e a outros por deficiência de amor materno. As preferências
injustas são efetivamente tão funestas aos filhos preferidos, como aos que o
não são.
A criança, que se sente objeto da predileção
de seus pais, torna-se orgulhosa e altiva; acaba por desprezar seus irmãos,
enchesse de fatuidade e de egoísmo; numa palavra é uma criança estragada, isto
é, perdida, como diz Mgr. Dupanloup na sua obra Da Educação, que teremos
ocasião de citar muitas vezes.
Os que se vêm privados injustamente
das carícias e dos favores, que seus pais prodigalizam com tanta profusão aos
outros seus irmãos, tornam-se tímidos, tristes e desconfiados, desde a mais
terna mocidade. Não podendo desenvolver-se por seu espírito, ficam sempre
enterradas as suas faculdades naturais debaixo dum frio silêncio. Não podendo
amar a mãe, que os não ama, o seu coração torna-se duro e insensível. Mais
tarde a inveja cria profundas raízes na sua alma; são cheios de ciúme e muitas
vezes de ódio contra os que lhe preferiram: inveja e ódio que produzem muitas
vezes as mais funestas divisões nas famílias, e não acabam senão com a vida.
Qual foi a origem das guerras de Esaú contra Jacob, senão a predileção que
Rebeca, sua mãe, tinha por Jacob?
Ninguém ignora esta história, que é
contada pelos livros santos: Jacob amava José acima de todos os outros filhos,
porque o tivera na sua velhice, e também, sem dúvida, por causa das suas
admiráveis qualidades e da sua inocência. Em testemunho da ternura e da estima
singular que tinha por essa criança, havia-lhe dado um vestido de diversas
cores. Vendo essa predileção de seu pai por José, conceberam os seus irmãos
tamanho ódio contra ele, que não podiam falar-lhe sem azedume. Um dia, enquanto
guardavam os rebanhos, vêem chegar José, enviado pelo Pai, para os vigiar. — «Vamos,
dizem uns para os outros, excitados por seu amor invejoso, matêmo-lo, e
deitêmo-lo a esta cisterna.» Por conselho de Ruben o mais velho, desistem
disso, mas apenas José chega, despem-no, metem-no dentro da cisterna, e
vendem-no depois por vinte peças de prata a mercadores ismaelitas. Ah! quantas
lágrimas não custou ao pobre pai a predileção que tinha pelo filho! Rasgou as
roupas, cobriu-se dum cilício, e não cessou de chorar, dizendo na amargura da
sua alma: «Um animal cruel devorou José!» Em vão todos os outros filhos se
reuniram para enxugar as suas lágrimas... ele não quis receber consolações.
Ó mãe! quanto vos não virá a custar
essa ternura cega que dedicas a alguns dos teus filhos, e que recusas aos
outros! As preferências injustas, que semeiam a divisão entre os irmãos, fazem
também a desgraça dos pais. Lisonjeia, acaricia o teu filho, diz o Espírito
Santo, e ele se fará temível. Esta criança, único objeto do amor de sua mãe,
não tardará a persuadir-se de que tem direito a todas as distinções, com que a
lisonjeiam. O orgulho e o egoísmo, que as preferências desenvolvem nela,
torná-la-ão arrogante, dura e insubmissa para com seus próprios pais.
E as outras crianças, irritadas pela
indiferença ou pelos desdéns que uma mãe lhes testemunha, que consolação darão
a quem os trata tão injustamente? Em vez duma ternura filial, não terão para
com ela, senão desconfiança e aversão. Se não podem afastar-se dela, pelo menos
procurarão subtrair-se à sua direção e à sua autoridade. Chegarão até a odiar
aquela que se não pode maldizer, nem odiar, sem se tornar objeto do ódio, o da
maldição divina.
Insensatas são as mulheres cristãs,
que só têm carícias e elogios para um filho favorito, talvez sob o pretexto de
que ele é a esperança da família, ou para uma filha, porque mostra mais
inteligência, amabilidade e graças exteriores que suas irmãs, não mostrando ter
afeição aos outros seus filhos, nem tendo para eles senão palavras de desprezo
ou de injúria, já em família, já diante dos estranhos. Enquanto que os filhos
dum segundo matrimônio absorvem toda a ternura de sua mãe, os seus primogênitos
são tristemente abandonados, e o pobre órfão não encontra senão uma madrasta
naquela que deveria ter para com ele todo o amor e todos os cuidados duma mãe!
E que diremos das mulheres que ousam despojar injustamente alguns de seus filhos
dos bens que lhes pertencem, para enriquecer os outros, ou desprezar gravemente
a educação de alguns, para tornar mais brilhante a do filho preferido?...
Sem dúvida que, as que nos lêem,
estão isentas do semelhante cegueira, mas talvez sintam no seu interior mais
ternura por um filho, cujo caráter mais lhes agrada, e talvez desejassem
dar-lhe provas de particular afeição. Que se acautelem contra esta tendência do
coração, e não façam nunca exteriormente coisa que pareça preferência injusta.
Se alguns filhos são menos hábeis ou mais feios que outros, é por ventura por
culpa deles? Seria, pois, cruel torná-los ainda mais infelizes, desprezando
quem já está privado dos dons da natureza. Escutem agora esta observação sábia
dum ilustre prelado: «Muitas vezes nos assustamos sem razão dos defeitos da
primeira infância: sob uma casca muito grosseira há às vezes um tronco vivo e
cheio de seiva, que dará excelentes frutos; como também uma superfície lisa
pode esconder um fundo enganador... É preciso sobretudo desconfiar do que se
chama lindos meninos. Não digo que nos devemos prevenir contra eles, mas é bom
saber que raro dão o que prometem.» (1)
(1)
Mgr. Dupanloup.