Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
3. - Amor do Próximo
Quem é o meu próximo?
- À luz da razão, diz Longhaye, o
meu próximo são homens, homens iguais a mim, inferiores a mim, desiguais entre
si.
1.°- O meu próximo são homens com quem tenho de viver. - Tenho atenções
com eles para que eles as tenham comigo, respeito-os para que eles me
respeitem, suporto as suas faltas para que eles suportem as minhas, ajudo-os para
que eles me ajudem. Há aqui uma solidariedade, uma harmonia puramente natural e
habilmente mantida.
2.°- O meu próximo são homens iguais a mim. - Perante eles é justo que
eu me mantenha no meu lugar, que defenda os meus direitos e exija o que me é
devido; por mim, também lhes não regateio o que lhes pertence.
Há aqui uma vida de equilíbrio
sustentada pelo egoísmo e por interesses mútuos.
3.°- O meu próximo são homens inferiores a mim. - Aprecio-os
relativamente à minha pessoa e às minhas funções. Considero-os inferiores a
mim, portanto, devo sacrificá-los a mim em vez de me sacrificar por eles. Há
aqui amor próprio, puro egoísmo - razão de todas as ofensas para com o próximo.
4.°- O meu próximo são homens desiguais entre si. - São homens desiguais
no espírito, no caráter, naturezas simpáticas ou antipáticas à minha. Em
virtude disto tenho preferências: escolho, atraio, repito; tenho, pois, amigos,
indiferentes e adversários, e, talvez possa dizer, inimigos.
À luz da fé, de uma fé viva, atual,
presente, diz ainda Longhaye, eu vejo o meu próximo de uma maneira muito
diferente.
O meu próximo são todos os homens:
1.°- Meus irmãos em Jesus Cristo. Foi este irmão mais velho que nos
adquiriu o título e a qualidade real de filhos de Deus para conosco, diz São João,
somos chamados e somos realmente filhos de Deus.
2.°- Jesus Cristo em pessoa. Sim, todos os cristãos, sem distinção, são
realmente e praticamente Jesus Cristo em pessoa. Isto não é uma piedosa crença,
é uma verdade pura, escrita pela mão divina. Tudo o que fizestes a um dos meus
irmãos mais humilde a mim o fizestes. O que não fizestes a um dos mais pequenos,
foi o mesmo que recusá-lo a mim.(Mat. XXV, 40, 45).
I
- Natureza do amor do próximo
1 - Essência do amor do próximo
Esta identidade moral - meus irmãos
e Jesus Cristo - constitui a essência da minha caridade. A caridade para com o
próximo é uma virtude sobrenatural e teologal, porque o homem pode e deve ser
objeto de um amor teologal isto é, divino. O amor com que nós amamos o próximo,
diz Santo Tomás, é da mesma espécie daquele com que amamos a Deus, porque o homem
é uma realidade divina, isto é, pela graça, é membro do corpo místico de
Cristo, é um outro Jesus Cristo.
2
- Princípio do amor do próximo
O
princípio teologal da caridade para com próximo é o Espírito Santo. - Para
amar como convém uma realidade divina é preciso uma potência divina. É Cristo,
a realidade que a caridade ama no próximo. E qual é a potência divina para
amar? É o Espírito Santo. Deus, diz São Paulo, derrama o Seu Espírito nos
nossos corações afim de que nós amemos sobre todas as coisas e ao próximo como
a nós mesmos. (Rom. V, 5).
A caridade em nós é uma coisa criada,
ama qualidade divina na nossa alma, mas, na sua origem, é a Caridade incriada.
Entre o Espírito Santo e a alma justa não há qualquer substância intermediária.
A caridade é um dom, o Espírito Santo é o doador. Mas aqui o doador e dom nem estão
separados nem são separáveis. “Da mesma maneira que o corpo não tem outro
principio de vida que o espírito que o anima; do mesmo modo o coração humano não
tira a sua vida, isto é, o seu amor senão do Espírito que está nele.”
3
- Fim do amor do próximo
O fim da caridade é Deus Pai, fim
supremo de todas as coisas e mesmo de Jesus Cristo. Se me tendes amor, diz
Jesus Cristo, deveis alegrar-vos quando vos digo que vou morrer, porque vou
para meu Pai e meu Pai é mais do que eu. (Jo. XIV, 28), “Tudo é para vós, diz São
Paulo e vós sois para Cristo e Cristo para Deus.” (Cor. III, 23).
4
- Mérito do amor para com o próximo
Esta identidade moral - meus irmãos
e Jesus Cristo - dá o mérito à minha caridade. “Mihi fecistis,
a mim o fízestes.”
Como a essência da caridade consiste
nisto, também daqui vem todo o mérito. Se eu amo o meu irmão por si mesmo,
então que ele me recompense! Jesus Cristo não me deve nada.
5
- Excelência do amor do próximo
Que coisa mais excelente e
encantadora pode haver do que ver, saudar, amar e servir a Jesus Cristo, a
Deus, em cada um dos meus irmãos? É um paraíso antecipado!
II
- Motivos do amor do próximo
Porque devemos amar o nosso próximo?
Ouçamos a voz da natureza, a voz de Jesus Cristo, a voz da graça,
1
- A voz da natureza a respeito da nossa origem
Somos todos irmãos. Temos o mesmo
Pai celeste que é Deus. Somos formados dos mesmos elementos: De um corpo tirado
da terra e de uma alma criada à imagem e semelhança de Deus. O mesmo ar nos
vivifica, o mesmo sol nos dá luz e calor, a mesma terra nos sustenta e nos
alimenta.
Somos filhos do primeiro par Adão e
Eva. Formamos, pois, uma grande família, e, por isso, o nosso amor deve ser
fraternal, devemos amar-nos como irmãos.
2 - A voz da natureza a respeito do nosso destino
Todos somos destinados a uma
felicidade perfeita e eterna, no Céu.
Todos os homens devem habitar junto no
mais magnífico dos Pais. São João Evangelista diz: “Eu vi uma grande multidão,
que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas que
estavam em pé diante do trono, à vista do Cordeiro.” Aí se realiza esta palavra
do Salmista : - Ecce quam bonum et quam
jucundum habitare fratres in unum! Que felicidade e alegria viverem todos
os irmãos juntos! Porque não havemos de imitar na terra a vida dos
bem-aventurados no Céu? Quem não quer viver em união com o seu próximo neste
mundo, não pode ir viver com ele na Bem-aventurança eterna.
3
- A voz de Jesus Cristo
Um dia um doutor da Lei perguntou ao
divino Mestre qual era o maior preceito da Lei. E foi-lhe respondido: - Amarás
ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração; eis o primeiro e maior dos mandamentos.
Mas há um segundo mandamento semelhante ao primeiro: - Amarás o teu próximo
como a ti mesmo.
Convém notar que Jesus Cristo faz do
amor do próximo: - 1.º- O preceito por
excelência: Dou-vos um mandamento novo: “Amai-vos uns aos outros assim como
eu vos amei.” – 2.º- O preceito mais
importante: Declara pela boca do Apóstolo São Paulo: - Acima de tudo haja
entre vós a Caridade. (Col. III, 14). - 3.º- O sinal essencial para reconhecer os seus discípulos: reconhecerão
que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros. (Jo. XIII, 35).
4-
A voz da graça
Pela graça somos todos membros do
mesmo corpo de que Jesus Cristo é a cabeça. Unum
corpus sumus in Christo - Formamos um só corpo com Jesus Cristo. Ora
vejamos na ordem natural, o amor terno compassivo que os membros do mesmo corpo
têm uns pelos outros.
Se um dos membros sofre todos os
outros se ressentem e procuram socorrê-lo. Mete-se um espinho num pé. O dorso
curva-se, os olhos procuram-no e a mão trata de arrancá-lo.