Rodolfo Komorék, o "Padre Santo"
edição de 1972
Em 11 de novembro de 1918, a Alemanha, à
qual se aliara a Áustria, capitulava exausta, assinando o armistício. Desta
data até fins de dezembro do mesmo ano o Pe. Rodolfo permaneceu na prisão
militar italiana de Trento.
Era terminada a guerra que as mães detestam.
Por isso, uma vez adquirida a liberdade, "da Itália retornou à sua
mãe".
Afora um volume considerável de méritos
diante do Senhor, nada trazia; nem dinheiro, nem medalhas, e nem mesmo
traumatismos psíquicos, graças a Deus.
Daqueles anos turbulentos de sangue, de
incríveis e estafantes fadigas, de perigos, de metralhas, de fumo, de emoções e
até de triunfos, não houve para o Pe. Rodolfo maiores lucros do que muita
experiência e... uma mochila.
Com ela às costas e um cajado à mão,
apareceu em Bielsko para abraçar a mãe e dizer-lhe que, pela misericórdia de
Deus, não tinha sido comburido no fogo daquele desumano incêndio de povos
barbarizados pela obsessão econômica.
O ano de 1919, passou-o como
administrador da paróquia de uma localidade chamada Podwizdow.
Foi quando deu os primeiros passos para
se fazer religioso.
Teria visto o mundo em toda a plenitude
de sua iniquidade, acrescida pelos horrores e pela malícia que a guerra ensina.
Mas, sobretudo, sentia os apelos dos conselhos evangélicos. A generosidade de
seu coração para com Deus ansiava pela via mais empenhativa da perfeição e pelo
abandono absoluto no serviço do Senhor.
Além disso, queria devotar-se ao
sacrifício integral de sua vida e ambicionava levar a luz da fé aos povos
incultos. Ser missionário e morrer mártir pelo nome de Jesus!
Naquele mesmo ano endereçou uma
solicitação à cúria de Breslau pedindo licença para fazer-se religioso
missionário.
Enquanto demoravam as tratativas, foi
feito vigário da paróquia de Frysztak, não longe de sua terra natal.
Notabilizou-se logo pela sua dedicação
surpreendente em favor das almas a ele confiadas. Vivia somente para Deus, para
a Igreja e para os seus paroquianos. Todas as suas rendas, que não eram muitas,
acabavam distribuídas aos pobres.
Em 1921 o cardeal Bertram concedeu-lhe a
permissão pretendida.
Era, sem dúvida, uma grande perda para o
prelado. Uma pérola de sacerdote que tanto honrava o clero de sua arquidiocese.
Tanto que o acessor da cúria,
comunicando ao superior eclesiástico imediato do Pe. Rodolfo a decisão do
arcebispo, usava dos seguintes termos:
"Sua eminência reverendíssima,
Príncipe Bispo Cardeal Bertram, permitiu ao sacerdote de abandonar a diocese...
O senhor Bispo notifica, como é seu, dever, mas com sincera dor no coração e
com a súplica de que o sacerdote, se a consciência o permite, permaneça na
diocese por causa da grande escassez de clero e por causa das relações
extremamente delicadas na cura das almas, devido à ocupação
checoeslovaca".
A consciência, porém, não o permitiu.
Era mais necessário obedecer a Deus do
que aos homens.
Justamente em 1922, morreu-lhe a
mãe. Ele acorreu ao seu leito de agonia e ministrou-lhe os santos sacramentos.
Naquele transe de despedida pediu então
à progenitora que lhe deixasse partir também! Iria ser missionário.
Depois de repousar o corpo da virtuosa
mãe no cemitério católico de Bielsko, voltou à sua paróquia já dispondo a vida
no sentido de realizar definitivamente as suas generosas aspirações.
Coube à Congregação Salesiana a honra de
ser escolhida para concretizar o desiderato do Pe. Rodolfo.
E um dia, toda a população de Frysztak
correu à estação.
Ia deixá-los aquele fenômeno de
dedicação e virtude que era o capelão Komorek.
Caminhava perfilando na plataforma sua
figura magra e bondosa, despedindo-se. Levava no coração comprimido todo o
reconhecimento dos seus paroquianos, e nas costas, a velha mochila, por toda
bagagem; companheiro de suas caminhadas desde os tempos da guarnição de
Cracóvia, das marchas de Roziatow e das prisões de Trento.
Quantas recordações!
Quantas recordações!
VI
Os salesianos da Polônia possuíam em
Oswiecim o seu único seminário menor. Um belo dia de 1922, o porteiro foi
atender ao chamado da campainha e deu com um sacerdote alto magro, que trazia
nas costas uma mochila e nos modos uma extraordinária humildade. Era o nosso
Pe. Rodolfo. Vinha pedir refúgio na Casa do Senhor, pois é muito melhor um dia
apenas na Casa de Deus, do que mil junto aos tabernáculos dos pecadores.
Naqueles dias, a comunidade religiosa,
que de ordinário tem pouco assunto, comentava o caso realmente singular, mas
sobretudo edificante. E se perguntava com curiosidade: quem é o Padre da
Mochila?
Ali esteve ele algumas semanas como
postulante, juntando-se aos demais candidatos ao Noviciado daquele ano. Fez com
eles o retiro inicial e no dia 8 de agosto partiram todos para Klecza Dolna.
Era por trem a viagem até Wadowvice; e o
restante, 5 quilômetros, a pé. O Pe. Rodolfo, com um mísero chapéu, sotaina
surrada, velhas botas, caminhou fervoroso este pedaço árduo, carregando no
dorso a sua inseparável mochila.
Desde 1919 o Noviciado passara de
Cracóvia para aquela localidade.
Era Klecza Dolna uma propriedade de
nobre cooperador salesiano o conde Wysocki de Wielka Polanka, do qual fora
arrendada pelos salesianos tanto para manter os aspirantes de Oswiecim quanto
para sede e sustento do noviciado. Estava numa posição panorâmica invejável.
Sobre risonhas colinas subcarpáticas, crespas de bosques amenos e pontilhadas
de esbeltas coníferas. Havia aí uma vila, com um jardim bonito e outra modesta
residência, vizinha a dois estábulos. Edifícios todos usados durante a guerra;
primeiro para escola de equitação e depois como presídio para os prisioneiros
russos.
Quando para lá foi transferido o
Noviciado, de um estábulo engendrou-se o teatro. E como a carestia provocada pela
guerra se sentia terrivelmente em suas conseqüências, não houve dinheiro para
comprar tábuas. O palco foi construído com vime e argila. A platéia servia
habitualmente de refeitório.
O país atravessava uma crise dolorosa;
depois da guerra russo-polaca e o conflito mundial, estava exausto. Realmente
grande parte da colheita da propriedade era requisitada pelo exército, e mal se
conseguia salvar o estritamente necessário e indispensável para a manutenção
dos noviços e do pessoal da lavoura.
A água era baldeada para tinas nos
ombros dos noviços que a iam haurir num poço distante 300 metros.
Não havia luz elétrica. A iluminação era
feita com lampiões de querosene, e por serem poucos se transportavam de
ambiente em ambiente, seguindo a comunidade.
Apesar de tudo, naquele ano de 1922 as
estreitezas tinham diminuído. A paz do mundo, embora precária, era uma
realidade. E os terrenos mal-amanhados durante a guerra, agora bem mais
cuidados, começavam a produzir ubertosamente.
A província salesiana, porém, crescia de
maneira espetacular na Polônia e suas finanças não permitiam despesas no
melhoramento dos edifícios os quais eram além disso apenas alugados. Até que em
1924 o Noviciado foi construído definitivamente perto de Varsóvia.
Eram 57 os noviços naquele ano. Vinte e
nove clérigos, vinte e três coadjutores, e um sacerdote: o Padre Rodolfo. Ele
tinha 32 anos. Era já maduro, experimentado. Tinha feito a sua vida pública.
Mostrava-se porém de tal modo generoso que sem dificuldade enquadrou-se
imediatamente na vida regular entre colegas muito jovens, com os quais
irmanou-se fervorosamente pela afinidade do ideal comum.
Nem quis saber de nenhuma distinção que
lhe pudesse advir por motivo de sua investidura sacerdotal, e defendia-se de
toda obsequiosidade mesmo da parte dos seus jovens companheiros.
Resignou-se a aceitar uma cela de pano
para dormir, e até gostou, pois podia fazer inobservado as suas penitências
noturnas.
Deram-lhe ainda um lugar à mesa, junto
dos superiores, embora preferisse a convivência com os noviços também no
refeitório. Quanto ao mais envidava todos os esforços para ser e parecer um
noviço qualquer.
O Noviciado que é uma iniciação à vida
religiosa, tem o aspecto muito acentuado de uma família. A paternidade reside
nos superiores e mais propriamente é representada pelo Mestre dos Noviços, que
dirige os iniciados na via estreita dos três votos de pobreza, castidade e
obediência, que professarão ao término daquele ano de prova.
Reza-se muito. Trabalha-se um pouco e se
estuda o espírito da Congregação, para embeber-se dele. Os serviços domésticos
são feitos pelos próprios noviços, como um exercício de humilde laboriosidade.
Ao Pe. Rodolfo, como sacerdote que era,
foi-lhe designado o ofício de sacristão. Desempenhou com carinho e precisão
esse delicado encargo. Como depôs uma testemunha ocular, exortava seus jovens
colegas a ter em grande consideração o serviço da capela. E explicava a eles a
passagem do Salmo 25: "O Senhor amou o decoro de sua
casa e o lugar onde habita a sua glória".
casa e o lugar onde habita a sua glória".
É que para o prestimoso sacristão também
se podia aplicar outro passo do livro santo: "O zelo da casa do Senhor
apoderou-se de mim".
Varria pessoalmente, lavava o pavimento,
ornava os altares com um sentido espontâneo de nobre exatidão.
Sentia-se muito feliz por estar sempre
junto de seu Deus encerrado no Tabernáculo por nosso amor. De boa vontade
ajudava pessoalmente às Missas dos sacerdotes que chegavam atrasados, embora
pudesse para isso chamar um outro noviço.
Já desde então manifestou-se
extremamente serviçal para com todos. Terminava seu trabalho na capela e corria
em auxílio de seus jovens companheiros. Lavava os pratos, panelas, banheiros, carregava
carvão e água e não tolerava fardo algum nos ombros dos outros; transferia-o
com irresistível insistência e naturalidade para os seus.
O irmão coadjutor Rouba, que hoje
trabalha no Peru, nos conta este episódio de sabor franciscano:
"Numa tarde buscávamos água em
enormes caldeirões e eu fazia parelha com um outro coadjutor de uns 60 anos, e
muito bom; eis senão quando cruzamos com o Padre Rodolfo o qual se empenhava em
convencer um de nós dois em ceder-lhe a asa do caldeirão cheio de água. Porém,
por muito tempo, nem eu nem Filak (que assim se chamava o meu companheiro) não
acedemos ao pedido do Pe. Rodolfo. Enfim a constância do sacerdote logrou
persuadir Filak e carregou comigo o precioso e pesado líquido.
O Padre e o Sr. Filak ficaram muito
contentes e gozavam; eu porém, não. Porque não me parecia bem que o Padre
carregasse. Dava impressão de termos, nós coadjutores, faltado ao respeito
devido à veste sacerdotal. E esta cena se repetia várias vezes durante o ano
com outros e em distintas circunstâncias" .
Era gentil com todos, sem nada de
afetação. Não houve um noviço que não lhe tivesse sido devedor de algum auxílio.
Aquela admirável solicitude era uma verdadeira perseguição da bondade.
Certa vez um noviço caminhando à noite
pelo dormitório tropeçou nos pés do Pe. Rodolfo que afloravam para fora da cela
no chão. Estranho! Doutra feita, no rigor do inverno, saiu outro numa excursão
noturna à cata de mais um cobertor para proteger-lhe a pele enrijecida.
Lá fora 25 graus abaixo de zero.
Passando junto à cela do Pe. Rodolfo percebe no pavimento um pedaço de coberta.
E já prelibava a quentura da lã achada quando, forcejando por apanhá-la, viu
que estava presa pelo corpo do sacerdote que sobre ela dormia no chão.
Numa noite de tempestade alguém entra no
modesto cubículo do sacerdote noviço para fechar-lhe a janela, e dá com ele
dormindo no duro assoalho.
Os que varriam o dormitório se
encabulavam com o leito do Pe. Rodolfo sempre bem estendido sem o mínimo
indício de ter sido usado.
Tudo isso chegou aos ouvidos do Padre
Mestre o qual proibiu terminantemente tanto rigor. Mas por fim, a instâncias do
fervoroso noviço que havia seis anos castigava daquele modo o seu corpo
penitente, o superior concedeu licença para prosseguir na mortificação, porém
uma só vez por semana. Nos outros dias dormisse no leito. E assim foi executado
pelo obediente noviço, que não obstante, santamente ardiloso, dormia sim no
leito, mas retirava as palhas que serviam de colchão e repousava os membros
magros sobre as tábuas nuas.
Tinha um travesseiro de penas. Trocou
por um de palha cujo dono era um irmão coadjutor que não fez dificuldades...
Afirma São Francisco de Sales que quando
Deus convida alguém para a santidade exímia, a primeira inspiração que lhe dá é
de ser obediente. Justamente aí se manifestava com esplendor a virtude do Pe.
Rodolfo. Ele já viera de certa idade para a Congregação, mas por obediência
declinava de toda exceção ao regulamento. Amoldou-se edificantemente àquele
viver diverso. O Pe. Mestre aconselhava aos noviços movimentarem-se e divertirem-se
nas horas de recreio. Era de ver então o Pe. Rodolfo de temperamento
frontalmente oposto ou ao menos alheio a todo esporte, brincando de
"barra", agitando-se pelo pátio... Corria canhestramente e com suas
enormes botinas pisava desastrado nos colegas e ia com freqüência ao chão
irresistivelmente atraído pelo solo pátrio... Se julgava ter machucado alguém,
pedia perdão, de mãos postas, compungido e penalizado. Se gargalhavam de seu
maldestrismo, sorria também.
Em suas atividades, recebia às vezes
observações dos superiores. Aceitava-as com sincera humildade, olhos baixos e
mãos juntas. Um grupo de noviços conversava com o Padre Mestre. De repente
desponta de uma porta o Pe. Rodolfo levando com fadiga uma cesta de lixo e
passa apressadamente para evitar ser observado. O superior o detém perguntando:
quem lhe deu permissão para ocupar-se nesses trabalhos? Deixe imediatamente
esta cesta e vá para o recreio. O obediente sacerdote não disse uma palavra.
Depôs o fardo no chão e se foi com tranqüilidade.
Como abominava o conforto durante o
inverno rígido, dispensava as luvas. E os dedos das mãos se lhe inchavam
doridamente.
No fim do dia quando todos se retiravam
para o repouso, como era sacristão, tinha que sair por último da capela após as
orações da noite. Aproveitava então para prolongar seus atos ardentes de
adoração ao Santíssimo. Depois, fechava as portas, tirava as botinas e
caminhava descalço sobre a neve para o pavilhão do dormitório distante cerca de
trezentos metros.
Alguém lhe observou que semelhante penitência
era prejudicial à saúde. Uma vez respondeu que era para esquentar os pés que
assim fazia. Outra vez fez esta consideração que não se compreende senão com
grande espírito de fé sobrenatural: "Melhor! respondeu. Assim vou mais
depressa para junto de Deus".
O certo é que posteriormente contraiu
uma inflamação nos pés. Foi quando o Padre Mestre, estando de partida para a
Itália, proibiu-lhe sair ao pátio para evitar movimentos nocivos à cura. Tomava
refeição na enfermaria. Era visto abrir o pão longitudinalmente e encunhar nele
fina fatia de outro pão para que pensassem estivesse ele se alimentando com
gostoso sanduiche...
Já era o mês de maio quando o inverno se
tinha passado. Em homenagem à Virgem fizeram uma sessão literária no parque da
propriedade e o Padre Rodolfo negou-se a comparecer, pois não tinha permissão
do Pe. Mestre ausente.
Varrendo a capela, levava o lixo até à
porta e pedia à bondade de algum colega o favor de jogá-lo em lugar recuado no
pátio que lhe fora vedado atravessar.
Felizmente depois de quase um mês, volta
o Pe. Mestre e o desliga da proibição. Assim todos ficaram sabendo que entre
outras coisas, o Padre Rodolfo tomava literalmente, a sério as determinações
dos superiores.
Era de uma devoção máscula, observa um
de seus companheiros de noviciado. Bem fundada, longe de todo artifício ou
exaltação.
Dispensado das poucas aulas que se
ministravam no Noviciado salesiano, passava todo aquele tempo diante do
Tabernáculo. De joelhos, geralmente sobre o pavimento frio, com as mãos juntas
e os dedos entrelaçados, corpo ereto. Sentado não se apoiava no espaldar da
cadeira. Quando orava em comunidade era visto fazer decidido uma inclinação de
cabeça aos nomes de Jesus e de Maria.
Seu espírito, afirma outro companheiro,
nos parecia sempre unido a Deus. Nunca o viram inquieto ou perturbado; mas
todos frisam sua atitude de sólida tranquilidade. Já o consideravam muitíssimo,
e em certas circunstâncias o apelidavam latinamente "sanctus".
Admiravam-lhe todos o desapego sem
limite e a abnegação extrema.
Ficou célebre uma visita que recebeu
então dos parentes. Levou para o parlatório agulha, linha e botão. Era um
estratagema para não ser chocante a mortificação que fazia dos seus olhos.
Enquanto conversavam, cosia a batina,
agradecendo no íntimo do coração a Deus por se ter inventado no mundo a
profissão de alfaiate...
Pelo carnaval vinha à sobremesa doces
com fartura. Ele tomava uma bala e controlava-a na boca por todo o tempo, para
não dar impressão de se estar mortificando. Terminada a refeição corria a
libertar-se daquele gosto por demais agradável e acariciador ao paladar. Fora
das refeições nunca foi visto tomar alguma coisa.
Em determinados recreios havia círculos
de conversação espiritual e o Pe. Rodolfo era então muito procurado pelos
jovens noviços. E lhes narrava episódios edificantes sobre a Santíssima Virgem.
Queria sentir-se porém igual a todos os demais e recusava, passeando em grupo, colocar-se
no centro como superior, embora o Padre Mestre o tivesse designado como
assistente dos noviços.
Num domingo, falava do trabalho
espiritual das paróquias, das dificuldades que encontrava no apostolado e as
várias peripécias de suas experiências no ministério sagrado. Pensando depois, sentiu-se
culpado de vaidade e no dia seguinte pediu humildemente perdão aos ouvintes
pois tinha falado demais de si mesmo no dia anterior. (...)
Durante o ano de Noviciado o Pe. Rodolfo
desenvolveu também o ministério sacerdotal. Atendia como confessor ao pessoal
de serviço da propriedade em número de trinta indivíduos. Desde as cinco horas
da manhã se colocava no confessionário.
Depois também alguns noviços passaram a
se confessar com ele e manifestavam sua admiração percebendo a desproporção
entre a austeridade pessoal do Pe. Rodolfo e a bondade extraordinária que usava
no tribunal da penitência.
Dava conselhos breves e práticos e todos
se persuadiram que era um ótimo confessor, ainda mais que já o tinham como um
santo.
Celebrava quotidianamente a santa Missa
num altar lateral e todos podiam observar sua compostura concentrada e simples
e seu latim tudescamente duro.
De vez em quando lhe tocava por turno a
explicação do santo Evangelho. Era tranquilo, diz um contemporâneo, objetivo e
sem sombra de retórica.
Em tudo ele pôs a nota do perfeito e
muitas vezes do extraordinário. Determinara realmente em seu coração
definitivas ascensões. De forma que tendo seu noviciado começado oficialmente
três meses depois dos outros, em 1.º de novembro de 1923, pôde ele ajoelhar-se
diante do altar de Deus para proferir com consciência e resoluta firmeza a
fórmula da profissão religiosa, vinculando-se ainda mais com o Senhor, no
estado de perfeição. Foi quando o Pe. Mestre disse aos néo-professos numa
conversa familiar: Um dia sereis chamados a depôr na causa de beatificação do
Pe. Rodolfo.
E este capítulo encerra uma primeira
safra dos seus depoimentos.
Há na província de Varsóvia uma cidade
que tem esse nome quase inarticulável: Przemisl.
Os superiores destinaram para lá o Pe.
Rodolfo em qualidade de Vice-Pároco e ele, sem mais tardança, apanhou a mochila
e partiu.
Naquele ano de 1923, junto à escola de
música, se estava terminando a bela igreja em estilo gótico destinada a ser a
sede da paróquia que o bispo havia confiado aos Salesianos.
Contava cerca de 15.000 almas,
traumatizadas pela guerra. A cidade tinha sido uma fortaleza austríaca.
O novo capelão pôs-se logo ao trabalho,
pois tem muita coisa que fazer quem tem a Deus para servir.
Levantava-se muito cedo; às 4 horas.
Abria a igreja, preparava os paramentos, badalava o Angelus e se punha no confessionário com o terço na mão. E parecia
inútil, pois estava vazio o sacro recinto. Mas era a hora em que tornavam do
serviço noturno os ferroviários, os operários na maioria socialistas que
zombavam das coisas da religião. Passando diante da igreja que viam sempre aberta
àquela hora, "que bela presa para os ladrões" pensariam.
Um dia alguns entraram.
Ah! Um padre no confessionário!
E muitos deles que praticavam a fé à
moda de Nicodemos, isto é, no escuro, por medo de serem ridicularizados,
aproveitaram da madrugada penumbrosa para se confessarem. Pouco a pouco
espalhou-se a notícia daquela oportunidade. E ali, sob a arcada obscura de seu
confessionário, quantas madrugadas o Pe. Rodolfo não clareou na noite
angustiosa das almas sem luz!
Não seria certamente o melhor sistema de
ser cristão. Entretanto o bom sacerdote começava por destruir outros pecados
para depois demolir também o respeito humano. E mostrava-se inexoravelmente pontual,
bem sentindo que a graça de Deus nas almas compensava regiamente o sacrifício
de seu repouso roubado ao descambar
da aurora.
da aurora.
Com seu ardoroso zelo fez bem depressa o
monopólio do encargo mais duro do sagrado ministério: as comissões.
Nunca foi notado aborrecido no trato com
os seus paroquianos. Um deles depõe que chamado para atender confissão, a
qualquer hora, prestava-se solícito. Ajoelhava-se diante do altar de Maria
Auxiliadora e orava alguns minutos. Dirigia-se ao confessionário e aí
ajoelhava-se novamente em prece. Atendia no santo tribunal com grande paciência
e sabia despertar em todos um sentimento de viva esperança. Por isso seus
penitentes eram uma multidão.
Tanto desvelo havia de ser sancionado,
até prodigiosamente pelo beneplácito de Deus. "Um dia, narra a senhora
Wejtaszek, pessoa fidedigna, minha mãe voltou da igreja chorando e asseverava
que o Pe. Rodolfo tinha lido na sua consciência. E repetia para todos:
confessei-me com um santo.
Acessível e compreensivo, não confundia
porém a bondade com a fraqueza. Certa vez em que percebeu num batizado a
madrinha indecentemente vestida recusou ministrar o sacramento até que ela não
providenciasse um traje mais digno do templo de Deus e da sagrada cerimônia. E
bem sabia que aquela senhora era a condessa C...
Apesar do trabalho ininterrupto dentro
da igreja, arranjava tempo ainda para visitar todos os doentes da paróquia,
cujos nomes trazia numa caderneta com o endereço.
Depois que lhes administrava os
sacramentos não os abandonava. Tornava a eles com assiduidade. Prestava-nos
pequenos serviços, arrumava a cama, trocava-os de posição no leito e acomodava-lhes
as almofadas. Se a doença fosse contagiosa era ainda mais serviçal, sem medo
algum de contrair a enfermidade.
Com grande interesse e piedade realizava
as funções fúnebres dos que faleciam em toda a paróquia e acompanhava os mortos
até o cemitério distante uma hora a pé. Na volta dispensava toda oferta de
condução, ainda mesmo que chovesse. O seu sacrifício no serviço de Deus havia
de ser integral.
Continuava a dormir no chão. O superior
porem o dissuadiu desta penitência, convencendo-o de que suas energias
pertenciam agora à Congregação que delas tinha necessidade. Obedeceu. Mas vez
em que lhe varreram o quarto, encontrando os lençóis pedaços de madeira com que
mortificava seus membros durante o breve sono que geralmente medeava entre as
11 horas da noite e o clarão da aurora.
Também não se defendia do frio. O duro
inverno passava-o com as roupas de verão. Não usava luvas e continuava com as
mãos inchadas de frieiras. Chamavam-no "Padre gelado", de tal maneira
era impressionante o desprezo que tinha para com seu corpo transido pela
temperatura abaixo de zero.
Quiseram-lhe oferecer um agasalho de
peliça. Ele não aceitou alegando que já possuía um em casa dos parentes e
mandou-o buscar. Quando chegou, deu-o a outrem que lhe parecia mais
necessitado.
Observaram todos como celebrava com suma
piedade a santa Missa.
A ação de graças era prolongada e
edificante. Punha-se de joelhos no pavimento do presbitério. Em seguida voltava
ao confessionário. Terminadas as confissões, se já fosse hora de atender no
escritório, dispensava o café.
Encarregada da ornamentação dos altares
era a senhora Glembecka. Ela observava como o Pe. Rodolfo, no silêncio das
horas quentes do dia, pegava da chave do coro e lá permanecia por longo tempo.
Uma vez não resistiu à curiosidade e foi espiar o que podia fazer naquele lugar
o virtuoso Vice-pároco. Encontrou-o prostrado no chão, adorando escondido,
colado a terra, com profunda humildade, o seu Senhor Sacramentado.
Era espantosamente parco nas refeições.
E se servia geralmente daquilo que aos outros não apetecia. Os doces que casualmente
recebia de presente, não era ele quem os comia.
Mostrava-se em todo tempo e lugar
recatadíssimo. Certa vez em que ia entrando num coche em função do sacro
ministério para com os doentes, deu com uma senhora que lá se achava acomodada.
Sem muita hesitação passou sem demora a fazer companhia ao cocheiro.
Nunca se ouviu de seus lábios uma só
palavra de crítica aos colegas de apostolado. Falava escassamente. Nos poucos
momentos de recreio após as refeições, se discorria com eles, tomava por assunto
quase sempre a caridade fraterna.
É que no centro de suas conversações
estava o amor de Deus e do próximo.
Era muito gentil, afirmavam-no seus
companheiros de fadigas apostólicas. Pedia perdão a todos que julgava, na sua
delicadeza, ter magoado ainda que minimamente. E o fazia não só aos padres, mas
também aos próprios meninos da casa salesiano anexa.
Não era, pois, de admirar que se tenha
tornado estimadíssimo tanto dos confrades como de todos os paroquianos.
Mas um dia, numa sessão do Conselho Provincial,
foi examinado um pedido assinado pelo Pe. Rodolfo. Suplicava ele a graça de
partir missionário.
E viram os ponderados membros do
Conselho que não faltava ao candidato nem zelo nem piedade nem espírito de
sacrifício.
Antes parecia modelo de todos estes
dotes imprescindíveis aos corsários de Cristo! Era um facho! Que rombo de luz
não poderia acender na treva mais espessa das terras infiéis.
Deferido!