sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Rodolfo Komorék o brilhante seminarista

Rodolfo Komorék, o "Padre Santo"
edição de 1972


Em 11 de novembro de 1918, a Alemanha, à qual se aliara a Áustria, capitulava exausta, assinando o armistício. Desta data até fins de dezembro do mesmo ano o Pe. Rodolfo permaneceu na prisão militar italiana de Trento.
Era terminada a guerra que as mães detestam. Por isso, uma vez adquirida a liberdade, "da Itália retornou à sua mãe".
Afora um volume considerável de méritos diante do Senhor, nada trazia; nem dinheiro, nem medalhas, e nem mesmo traumatismos psíquicos, graças a Deus.
Daqueles anos turbulentos de sangue, de incríveis e estafantes fadigas, de perigos, de metralhas, de fumo, de emoções e até de triunfos, não houve para o Pe. Rodolfo maiores lucros do que muita experiência e... uma mochila.
Com ela às costas e um cajado à mão, apareceu em Bielsko para abraçar a mãe e dizer-lhe que, pela misericórdia de Deus, não tinha sido comburido no fogo daquele desumano incêndio de povos barbarizados pela obsessão econômica.
O ano de 1919, passou-o como administrador da paróquia de uma localidade chamada Podwizdow.
Foi quando deu os primeiros passos para se fazer religioso.
Teria visto o mundo em toda a plenitude de sua iniquidade, acrescida pelos horrores e pela malícia que a guerra ensina. Mas, sobretudo, sentia os apelos dos conselhos evangélicos. A generosidade de seu coração para com Deus ansiava pela via mais empenhativa da perfeição e pelo abandono absoluto no serviço do Senhor.
Além disso, queria devotar-se ao sacrifício integral de sua vida e ambicionava levar a luz da fé aos povos incultos. Ser missionário e morrer mártir pelo nome de Jesus!
Naquele mesmo ano endereçou uma solicitação à cúria de Breslau pedindo licença para fazer-se religioso missionário.
Enquanto demoravam as tratativas, foi feito vigário da paróquia de Frysztak, não longe de sua terra natal.
Notabilizou-se logo pela sua dedicação surpreendente em favor das almas a ele confiadas. Vivia somente para Deus, para a Igreja e para os seus paroquianos. Todas as suas rendas, que não eram muitas, acabavam distribuídas aos pobres.
Em 1921 o cardeal Bertram concedeu-lhe a permissão pretendida.
Era, sem dúvida, uma grande perda para o prelado. Uma pérola de sacerdote que tanto honrava o clero de sua arquidiocese.
Tanto que o acessor da cúria, comunicando ao superior eclesiástico imediato do Pe. Rodolfo a decisão do arcebispo, usava dos seguintes termos:
"Sua eminência reverendíssima, Príncipe Bispo Cardeal Bertram, permitiu ao sacerdote de abandonar a diocese... O senhor Bispo notifica, como é seu, dever, mas com sincera dor no coração e com a súplica de que o sacerdote, se a consciência o permite, permaneça na diocese por causa da grande escassez de clero e por causa das relações extremamente delicadas na cura das almas, devido à ocupação checoeslovaca".
A consciência, porém, não o permitiu.
Era mais necessário obedecer a Deus do que aos homens.

            Justamente em 1922, morreu-lhe a mãe. Ele acorreu ao seu leito de agonia e ministrou-lhe os santos sacramentos.
Naquele transe de despedida pediu então à progenitora que lhe deixasse partir também! Iria ser missionário.
Depois de repousar o corpo da virtuosa mãe no cemitério católico de Bielsko, voltou à sua paróquia já dispondo a vida no sentido de realizar definitivamente as suas generosas aspirações.
Coube à Congregação Salesiana a honra de ser escolhida para concretizar o desiderato do Pe. Rodolfo.
E um dia, toda a população de Frysztak correu à estação.
Ia deixá-los aquele fenômeno de dedicação e virtude que era o capelão Komorek.
Caminhava perfilando na plataforma sua figura magra e bondosa, despedindo-se. Levava no coração comprimido todo o reconhecimento dos seus paroquianos, e nas costas, a velha mochila, por toda bagagem; companheiro de suas caminhadas desde os tempos da guarnição de Cracóvia, das marchas de Roziatow e das prisões de Trento.
Quantas recordações!

VI

Os salesianos da Polônia possuíam em Oswiecim o seu único seminário menor. Um belo dia de 1922, o porteiro foi atender ao chamado da campainha e deu com um sacerdote alto magro, que trazia nas costas uma mochila e nos modos uma extraordinária humildade. Era o nosso Pe. Rodolfo. Vinha pedir refúgio na Casa do Senhor, pois é muito melhor um dia apenas na Casa de Deus, do que mil junto aos tabernáculos dos pecadores.
Naqueles dias, a comunidade religiosa, que de ordinário tem pouco assunto, comentava o caso realmente singular, mas sobretudo edificante. E se perguntava com curiosidade: quem é o Padre da Mochila?
Ali esteve ele algumas semanas como postulante, juntando-se aos demais candidatos ao Noviciado daquele ano. Fez com eles o retiro inicial e no dia 8 de agosto partiram todos para Klecza Dolna.
Era por trem a viagem até Wadowvice; e o restante, 5 quilômetros, a pé. O Pe. Rodolfo, com um mísero chapéu, sotaina surrada, velhas botas, caminhou fervoroso este pedaço árduo, carregando no dorso a sua inseparável mochila.
Desde 1919 o Noviciado passara de Cracóvia para aquela localidade.
Era Klecza Dolna uma propriedade de nobre cooperador salesiano o conde Wysocki de Wielka Polanka, do qual fora arrendada pelos salesianos tanto para manter os aspirantes de Oswiecim quanto para sede e sustento do noviciado. Estava numa posição panorâmica invejável. Sobre risonhas colinas subcarpáticas, crespas de bosques amenos e pontilhadas de esbeltas coníferas. Havia aí uma vila, com um jardim bonito e outra modesta residência, vizinha a dois estábulos. Edifícios todos usados durante a guerra; primeiro para escola de equitação e depois como presídio para os prisioneiros russos.
Quando para lá foi transferido o Noviciado, de um estábulo engendrou-se o teatro. E como a carestia provocada pela guerra se sentia terrivelmente em suas conseqüências, não houve dinheiro para comprar tábuas. O palco foi construído com vime e argila. A platéia servia habitualmente de refeitório.
O país atravessava uma crise dolorosa; depois da guerra russo-polaca e o conflito mundial, estava exausto. Realmente grande parte da colheita da propriedade era requisitada pelo exército, e mal se conseguia salvar o estritamente necessário e indispensável para a manutenção dos noviços e do pessoal da lavoura.
A água era baldeada para tinas nos ombros dos noviços que a iam haurir num poço distante 300 metros.
Não havia luz elétrica. A iluminação era feita com lampiões de querosene, e por serem poucos se transportavam de ambiente em ambiente, seguindo a comunidade.
Apesar de tudo, naquele ano de 1922 as estreitezas tinham diminuído. A paz do mundo, embora precária, era uma realidade. E os terrenos mal-amanhados durante a guerra, agora bem mais cuidados, começavam a produzir ubertosamente.
A província salesiana, porém, crescia de maneira espetacular na Polônia e suas finanças não permitiam despesas no melhoramento dos edifícios os quais eram além disso apenas alugados. Até que em 1924 o Noviciado foi construído definitivamente perto de Varsóvia.
Eram 57 os noviços naquele ano. Vinte e nove clérigos, vinte e três coadjutores, e um sacerdote: o Padre Rodolfo. Ele tinha 32 anos. Era já maduro, experimentado. Tinha feito a sua vida pública. Mostrava-se porém de tal modo generoso que sem dificuldade enquadrou-se imediatamente na vida regular entre colegas muito jovens, com os quais irmanou-se fervorosamente pela afinidade do ideal comum.
Nem quis saber de nenhuma distinção que lhe pudesse advir por motivo de sua investidura sacerdotal, e defendia-se de toda obsequiosidade mesmo da parte dos seus jovens companheiros.
Resignou-se a aceitar uma cela de pano para dormir, e até gostou, pois podia fazer inobservado as suas penitências noturnas.
Deram-lhe ainda um lugar à mesa, junto dos superiores, embora preferisse a convivência com os noviços também no refeitório. Quanto ao mais envidava todos os esforços para ser e parecer um noviço qualquer.
O Noviciado que é uma iniciação à vida religiosa, tem o aspecto muito acentuado de uma família. A paternidade reside nos superiores e mais propriamente é representada pelo Mestre dos Noviços, que dirige os iniciados na via estreita dos três votos de pobreza, castidade e obediência, que professarão ao término daquele ano de prova.
Reza-se muito. Trabalha-se um pouco e se estuda o espírito da Congregação, para embeber-se dele. Os serviços domésticos são feitos pelos próprios noviços, como um exercício de humilde laboriosidade.
Ao Pe. Rodolfo, como sacerdote que era, foi-lhe designado o ofício de sacristão. Desempenhou com carinho e precisão esse delicado encargo. Como depôs uma testemunha ocular, exortava seus jovens colegas a ter em grande consideração o serviço da capela. E explicava a eles a passagem do Salmo 25: "O Senhor amou o decoro de sua
casa e o lugar onde habita a sua glória".
É que para o prestimoso sacristão também se podia aplicar outro passo do livro santo: "O zelo da casa do Senhor apoderou-se de mim".
Varria pessoalmente, lavava o pavimento, ornava os altares com um sentido espontâneo de nobre exatidão.
Sentia-se muito feliz por estar sempre junto de seu Deus encerrado no Tabernáculo por nosso amor. De boa vontade ajudava pessoalmente às Missas dos sacerdotes que chegavam atrasados, embora pudesse para isso chamar um outro noviço.
Já desde então manifestou-se extremamente serviçal para com todos. Terminava seu trabalho na capela e corria em auxílio de seus jovens companheiros. Lavava os pratos, panelas, banheiros, carregava carvão e água e não tolerava fardo algum nos ombros dos outros; transferia-o com irresistível insistência e naturalidade para os seus.
O irmão coadjutor Rouba, que hoje trabalha no Peru, nos conta este episódio de sabor franciscano: 
"Numa tarde buscávamos água em enormes caldeirões e eu fazia parelha com um outro coadjutor de uns 60 anos, e muito bom; eis senão quando cruzamos com o Padre Rodolfo o qual se empenhava em convencer um de nós dois em ceder-lhe a asa do caldeirão cheio de água. Porém, por muito tempo, nem eu nem Filak (que assim se chamava o meu companheiro) não acedemos ao pedido do Pe. Rodolfo. Enfim a constância do sacerdote logrou persuadir Filak e carregou comigo o precioso e pesado líquido.
O Padre e o Sr. Filak ficaram muito contentes e gozavam; eu porém, não. Porque não me parecia bem que o Padre carregasse. Dava impressão de termos, nós coadjutores, faltado ao respeito devido à veste sacerdotal. E esta cena se repetia várias vezes durante o ano com outros e em distintas circunstâncias" .
Era gentil com todos, sem nada de afetação. Não houve um noviço que não lhe tivesse sido devedor de algum auxílio. Aquela admirável solicitude era uma verdadeira perseguição da bondade.
Certa vez um noviço caminhando à noite pelo dormitório tropeçou nos pés do Pe. Rodolfo que afloravam para fora da cela no chão. Estranho! Doutra feita, no rigor do inverno, saiu outro numa excursão noturna à cata de mais um cobertor para proteger-lhe a pele enrijecida.
Lá fora 25 graus abaixo de zero. Passando junto à cela do Pe. Rodolfo percebe no pavimento um pedaço de coberta. E já prelibava a quentura da lã achada quando, forcejando por apanhá-la, viu que estava presa pelo corpo do sacerdote que sobre ela dormia no chão.
Numa noite de tempestade alguém entra no modesto cubículo do sacerdote noviço para fechar-lhe a janela, e dá com ele dormindo no duro assoalho.
Os que varriam o dormitório se encabulavam com o leito do Pe. Rodolfo sempre bem estendido sem o mínimo indício de ter sido usado.
Tudo isso chegou aos ouvidos do Padre Mestre o qual proibiu terminantemente tanto rigor. Mas por fim, a instâncias do fervoroso noviço que havia seis anos castigava daquele modo o seu corpo penitente, o superior concedeu licença para prosseguir na mortificação, porém uma só vez por semana. Nos outros dias dormisse no leito. E assim foi executado pelo obediente noviço, que não obstante, santamente ardiloso, dormia sim no leito, mas retirava as palhas que serviam de colchão e repousava os membros magros sobre as tábuas nuas.
Tinha um travesseiro de penas. Trocou por um de palha cujo dono era um irmão coadjutor que não fez dificuldades...
Afirma São Francisco de Sales que quando Deus convida alguém para a santidade exímia, a primeira inspiração que lhe dá é de ser obediente. Justamente aí se manifestava com esplendor a virtude do Pe. Rodolfo. Ele já viera de certa idade para a Congregação, mas por obediência declinava de toda exceção ao regulamento. Amoldou-se edificantemente àquele viver diverso. O Pe. Mestre aconselhava aos noviços movimentarem-se e divertirem-se nas horas de recreio. Era de ver então o Pe. Rodolfo de temperamento frontalmente oposto ou ao menos alheio a todo esporte, brincando de "barra", agitando-se pelo pátio... Corria canhestramente e com suas enormes botinas pisava desastrado nos colegas e ia com freqüência ao chão irresistivelmente atraído pelo solo pátrio... Se julgava ter machucado alguém, pedia perdão, de mãos postas, compungido e penalizado. Se gargalhavam de seu maldestrismo, sorria também.
Em suas atividades, recebia às vezes observações dos superiores. Aceitava-as com sincera humildade, olhos baixos e mãos juntas. Um grupo de noviços conversava com o Padre Mestre. De repente desponta de uma porta o Pe. Rodolfo levando com fadiga uma cesta de lixo e passa apressadamente para evitar ser observado. O superior o detém perguntando: quem lhe deu permissão para ocupar-se nesses trabalhos? Deixe imediatamente esta cesta e vá para o recreio. O obediente sacerdote não disse uma palavra. Depôs o fardo no chão e se foi com tranqüilidade.
Como abominava o conforto durante o inverno rígido, dispensava as luvas. E os dedos das mãos se lhe inchavam doridamente.
No fim do dia quando todos se retiravam para o repouso, como era sacristão, tinha que sair por último da capela após as orações da noite. Aproveitava então para prolongar seus atos ardentes de adoração ao Santíssimo. Depois, fechava as portas, tirava as botinas e caminhava descalço sobre a neve para o pavilhão do dormitório distante cerca de trezentos metros.
Alguém lhe observou que semelhante penitência era prejudicial à saúde. Uma vez respondeu que era para esquentar os pés que assim fazia. Outra vez fez esta consideração que não se compreende senão com grande espírito de fé sobrenatural: "Melhor! respondeu. Assim vou mais depressa para junto de Deus".
O certo é que posteriormente contraiu uma inflamação nos pés. Foi quando o Padre Mestre, estando de partida para a Itália, proibiu-lhe sair ao pátio para evitar movimentos nocivos à cura. Tomava refeição na enfermaria. Era visto abrir o pão longitudinalmente e encunhar nele fina fatia de outro pão para que pensassem estivesse ele se alimentando com gostoso sanduiche...
Já era o mês de maio quando o inverno se tinha passado. Em homenagem à Virgem fizeram uma sessão literária no parque da propriedade e o Padre Rodolfo negou-se a comparecer, pois não tinha permissão do Pe. Mestre ausente.
Varrendo a capela, levava o lixo até à porta e pedia à bondade de algum colega o favor de jogá-lo em lugar recuado no pátio que lhe fora vedado atravessar.
Felizmente depois de quase um mês, volta o Pe. Mestre e o desliga da proibição. Assim todos ficaram sabendo que entre outras coisas, o Padre Rodolfo tomava literalmente, a sério as determinações dos superiores.
Era de uma devoção máscula, observa um de seus companheiros de noviciado. Bem fundada, longe de todo artifício ou exaltação.
Dispensado das poucas aulas que se ministravam no Noviciado salesiano, passava todo aquele tempo diante do Tabernáculo. De joelhos, geralmente sobre o pavimento frio, com as mãos juntas e os dedos entrelaçados, corpo ereto. Sentado não se apoiava no espaldar da cadeira. Quando orava em comunidade era visto fazer decidido uma inclinação de cabeça aos nomes de Jesus e de Maria.
Seu espírito, afirma outro companheiro, nos parecia sempre unido a Deus. Nunca o viram inquieto ou perturbado; mas todos frisam sua atitude de sólida tranquilidade. Já o consideravam muitíssimo, e em certas circunstâncias o apelidavam latinamente "sanctus".
Admiravam-lhe todos o desapego sem limite e a abnegação extrema.
Ficou célebre uma visita que recebeu então dos parentes. Levou para o parlatório agulha, linha e botão. Era um estratagema para não ser chocante a mortificação que fazia dos seus olhos.
Enquanto conversavam, cosia a batina, agradecendo no íntimo do coração a Deus por se ter inventado no mundo a profissão de alfaiate...
Pelo carnaval vinha à sobremesa doces com fartura. Ele tomava uma bala e controlava-a na boca por todo o tempo, para não dar impressão de se estar mortificando. Terminada a refeição corria a libertar-se daquele gosto por demais agradável e acariciador ao paladar. Fora das refeições nunca foi visto tomar alguma coisa.
Em determinados recreios havia círculos de conversação espiritual e o Pe. Rodolfo era então muito procurado pelos jovens noviços. E lhes narrava episódios edificantes sobre a Santíssima Virgem. Queria sentir-se porém igual a todos os demais e recusava, passeando em grupo, colocar-se no centro como superior, embora o Padre Mestre o tivesse designado como assistente dos noviços.
Num domingo, falava do trabalho espiritual das paróquias, das dificuldades que encontrava no apostolado e as várias peripécias de suas experiências no ministério sagrado. Pensando depois, sentiu-se culpado de vaidade e no dia seguinte pediu humildemente perdão aos ouvintes pois tinha falado demais de si mesmo no dia anterior. (...)
Durante o ano de Noviciado o Pe. Rodolfo desenvolveu também o ministério sacerdotal. Atendia como confessor ao pessoal de serviço da propriedade em número de trinta indivíduos. Desde as cinco horas da manhã se colocava no confessionário.
Depois também alguns noviços passaram a se confessar com ele e manifestavam sua admiração percebendo a desproporção entre a austeridade pessoal do Pe. Rodolfo e a bondade extraordinária que usava no tribunal da penitência.
Dava conselhos breves e práticos e todos se persuadiram que era um ótimo confessor, ainda mais que já o tinham como um santo.
Celebrava quotidianamente a santa Missa num altar lateral e todos podiam observar sua compostura concentrada e simples e seu latim tudescamente duro.
De vez em quando lhe tocava por turno a explicação do santo Evangelho. Era tranquilo, diz um contemporâneo, objetivo e sem sombra de retórica.
Em tudo ele pôs a nota do perfeito e muitas vezes do extraordinário. Determinara realmente em seu coração definitivas ascensões. De forma que tendo seu noviciado começado oficialmente três meses depois dos outros, em 1.º de novembro de 1923, pôde ele ajoelhar-se diante do altar de Deus para proferir com consciência e resoluta firmeza a fórmula da profissão religiosa, vinculando-se ainda mais com o Senhor, no estado de perfeição. Foi quando o Pe. Mestre disse aos néo-professos numa conversa familiar: Um dia sereis chamados a depôr na causa de beatificação do Pe. Rodolfo.
E este capítulo encerra uma primeira safra dos seus depoimentos.
Há na província de Varsóvia uma cidade que tem esse nome quase inarticulável: Przemisl.
Os superiores destinaram para lá o Pe. Rodolfo em qualidade de Vice-Pároco e ele, sem mais tardança, apanhou a mochila e partiu.
Naquele ano de 1923, junto à escola de música, se estava terminando a bela igreja em estilo gótico destinada a ser a sede da paróquia que o bispo havia confiado aos Salesianos.
Contava cerca de 15.000 almas, traumatizadas pela guerra. A cidade tinha sido uma fortaleza austríaca.
O novo capelão pôs-se logo ao trabalho, pois tem muita coisa que fazer quem tem a Deus para servir.
Levantava-se muito cedo; às 4 horas. Abria a igreja, preparava os paramentos, badalava o Angelus e se punha no confessionário com o terço na mão. E parecia inútil, pois estava vazio o sacro recinto. Mas era a hora em que tornavam do serviço noturno os ferroviários, os operários na maioria socialistas que zombavam das coisas da religião. Passando diante da igreja que viam sempre aberta àquela hora, "que bela presa para os ladrões" pensariam.
Um dia alguns entraram.
Ah! Um padre no confessionário!
E muitos deles que praticavam a fé à moda de Nicodemos, isto é, no escuro, por medo de serem ridicularizados, aproveitaram da madrugada penumbrosa para se confessarem. Pouco a pouco espalhou-se a notícia daquela oportunidade. E ali, sob a arcada obscura de seu confessionário, quantas madrugadas o Pe. Rodolfo não clareou na noite angustiosa das almas sem luz!
Não seria certamente o melhor sistema de ser cristão. Entretanto o bom sacerdote começava por destruir outros pecados para depois demolir também o respeito humano. E mostrava-se inexoravelmente pontual, bem sentindo que a graça de Deus nas almas compensava regiamente o sacrifício de seu repouso roubado ao descambar
da aurora.
Com seu ardoroso zelo fez bem depressa o monopólio do encargo mais duro do sagrado ministério: as comissões.
Nunca foi notado aborrecido no trato com os seus paroquianos. Um deles depõe que chamado para atender confissão, a qualquer hora, prestava-se solícito. Ajoelhava-se diante do altar de Maria Auxiliadora e orava alguns minutos. Dirigia-se ao confessionário e aí ajoelhava-se novamente em prece. Atendia no santo tribunal com grande paciência e sabia despertar em todos um sentimento de viva esperança. Por isso seus penitentes eram uma multidão.
Tanto desvelo havia de ser sancionado, até prodigiosamente pelo beneplácito de Deus. "Um dia, narra a senhora Wejtaszek, pessoa fidedigna, minha mãe voltou da igreja chorando e asseverava que o Pe. Rodolfo tinha lido na sua consciência. E repetia para todos: confessei-me com um santo.
Acessível e compreensivo, não confundia porém a bondade com a fraqueza. Certa vez em que percebeu num batizado a madrinha indecentemente vestida recusou ministrar o sacramento até que ela não providenciasse um traje mais digno do templo de Deus e da sagrada cerimônia. E bem sabia que aquela senhora era a condessa C...
Apesar do trabalho ininterrupto dentro da igreja, arranjava tempo ainda para visitar todos os doentes da paróquia, cujos nomes trazia numa caderneta com o endereço.
Depois que lhes administrava os sacramentos não os abandonava. Tornava a eles com assiduidade. Prestava-nos pequenos serviços, arrumava a cama, trocava-os de posição no leito e acomodava-lhes as almofadas. Se a doença fosse contagiosa era ainda mais serviçal, sem medo algum de contrair a enfermidade.
Com grande interesse e piedade realizava as funções fúnebres dos que faleciam em toda a paróquia e acompanhava os mortos até o cemitério distante uma hora a pé. Na volta dispensava toda oferta de condução, ainda mesmo que chovesse. O seu sacrifício no serviço de Deus havia de ser integral.
Continuava a dormir no chão. O superior porem o dissuadiu desta penitência, convencendo-o de que suas energias pertenciam agora à Congregação que delas tinha necessidade. Obedeceu. Mas vez em que lhe varreram o quarto, encontrando os lençóis pedaços de madeira com que mortificava seus membros durante o breve sono que geralmente medeava entre as 11 horas da noite e o clarão da aurora.
Também não se defendia do frio. O duro inverno passava-o com as roupas de verão. Não usava luvas e continuava com as mãos inchadas de frieiras. Chamavam-no "Padre gelado", de tal maneira era impressionante o desprezo que tinha para com seu corpo transido pela temperatura abaixo de zero.
Quiseram-lhe oferecer um agasalho de peliça. Ele não aceitou alegando que já possuía um em casa dos parentes e mandou-o buscar. Quando chegou, deu-o a outrem que lhe parecia mais necessitado.
Observaram todos como celebrava com suma piedade a santa Missa.
A ação de graças era prolongada e edificante. Punha-se de joelhos no pavimento do presbitério. Em seguida voltava ao confessionário. Terminadas as confissões, se já fosse hora de atender no escritório, dispensava o café.
Encarregada da ornamentação dos altares era a senhora Glembecka. Ela observava como o Pe. Rodolfo, no silêncio das horas quentes do dia, pegava da chave do coro e lá permanecia por longo tempo. Uma vez não resistiu à curiosidade e foi espiar o que podia fazer naquele lugar o virtuoso Vice-pároco. Encontrou-o prostrado no chão, adorando escondido, colado a terra, com profunda humildade, o seu Senhor Sacramentado.
Era espantosamente parco nas refeições. E se servia geralmente daquilo que aos outros não apetecia. Os doces que casualmente recebia de presente, não era ele quem os comia.
Mostrava-se em todo tempo e lugar recatadíssimo. Certa vez em que ia entrando num coche em função do sacro ministério para com os doentes, deu com uma senhora que lá se achava acomodada. Sem muita hesitação passou sem demora a fazer companhia ao cocheiro.
Nunca se ouviu de seus lábios uma só palavra de crítica aos colegas de apostolado. Falava escassamente. Nos poucos momentos de recreio após as refeições, se discorria com eles, tomava por assunto quase sempre a caridade fraterna.
É que no centro de suas conversações estava o amor de Deus e do próximo.
Era muito gentil, afirmavam-no seus companheiros de fadigas apostólicas. Pedia perdão a todos que julgava, na sua delicadeza, ter magoado ainda que minimamente. E o fazia não só aos padres, mas também aos próprios meninos da casa salesiano anexa.
Não era, pois, de admirar que se tenha tornado estimadíssimo tanto dos confrades como de todos os paroquianos.
Mas um dia, numa sessão do Conselho Provincial, foi examinado um pedido assinado pelo Pe. Rodolfo. Suplicava ele a graça de partir missionário.
E viram os ponderados membros do Conselho que não faltava ao candidato nem zelo nem piedade nem espírito de sacrifício.
Antes parecia modelo de todos estes dotes imprescindíveis aos corsários de Cristo! Era um facho! Que rombo de luz não poderia acender na treva mais espessa das terras infiéis.
Deferido!