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Padre Júlio Maria, C.SS.R.
As virtudes, 1936.
Começo pela mesma observação preliminar
que fiz na conferência anterior. É livre a quem quer que seja, não obstante a
tríplice e magnífica certeza, histórica, experimental e psicológica, da
divindade de Jesus Cristo, recusá-la. O que, porém, ninguém pôde fazer, porque
isso não permite o senso comum, é aceitar a divindade e recusar o ensino de Jesus
Cristo, que, em síntese, quanto ao seu resultado, se resume nesta alternativa
oferecida a todos os homens: a vida eterna ou a morte eterna.
A vida eterna reduz-se, como bem demonstrado
ficou, a esta tríplice felicidade; plenitude de espírito, plenitude da verdade
no espírito, plenitude do amor no coração, plenitude do gozo no corpo.
Todos os homens, porém, conseguem essa felicidade,
que será a consumação, para cada homem, do seu destino?
O ensino de Jesus Cristo, transmitido à
humanidade pela Igreja, responde negativamente, isto é, que conseguem a vida
eterna os que observam a lei religiosa e perdem-na os que a infringem.
Nada de sensato se pode opôr ao ensino
da Igreja, porquanto trata-se de lei religiosa e sua sanção. Ora todas as leis
- a lei natural, a lei moral, a lei civil, as próprias leis da matéria têm a
sua sanção, que o homem não pode evitar, desde que as infringe. Assim, um homem
pode tomar, se lhe apraz, uma porção de veneno, mas não pode deixar de
envenenar-se. Pode disparar um tiro sobre o seu semelhante, mas não pode evitar
as consequências do ato criminoso. Pode faltar à sua obrigação de cidadão, eximindo-se
ao pagamento de imposto, mas não pode evitar a respectiva pena. Como, pois,
poderia infringir a lei religiosa, sem ficar sujeito à sanção da mesma lei?
Absurdo! A sanção da lei religiosa é proporcional à felicidade perdida. A
felicidade perdida é uma vida eterna. A pena, portanto, não pode deixar de ser
uma morte eterna. Esta morte Jesus Cristo a proclamou e ensinou.
Nem a leviandade dos homens pode
infirmar a palavra de Deus; nem o interesse das paixões pode mudar a natureza
das coisas.
O inferno é uma verdade, não só porque
Jesus Cristo afirmou, como porque tudo o exige, sob pena de tudo ser uma
mentira, uma ilusão. Ele o afirmou, descrevendo-o no Seu Evangelho, como - dores,
lágrimas eternas, gemidos eternos; sendo que esta pena, que é dos sentidos, não
é a maior, porque a maior é a perda de Deus, a privação da vida beatífica.
Antes de prosseguir, devo observar que,
muito de indústria, usa da palavra inferno, não preferindo expressões
equivalentes muito usadas; como por exemplo, a eternidade, dores, etc...
A razão é que a palavra inferno vai se
tornando, entre nós, uma palavra ridícula, como que significando apenas um
espantalho para crianças ou um terror para néscios. Até da pregação - oh que tristeza!
- com a palavra, que se teme, desagrade aos ouvintes, vai desaparecendo o
ensino que se teme incorra nas zombarias dos incrédulos. É assim que sermões e sermões,
homilias e homilias, conferências e conferências se fazem; e o inferno fica
escondido para se não ofenderem os melindres da época.
Não admira, pois, que o traço da
fisionomia brasileira que devo apontar-vos hoje, seja este – o nenhum temor do
inferno.
Uma multidão, de homens vive, ou não, acreditando
teoricamente no inferno, ou crendo, mas procedendo de tal maneira que,
praticamente é como se o inferno não existisse.
Os capitalistas, por exemplo, expressão genética
em que podem ser compreendidos todos os ricos, os proprietários, todos os
homens opulentos pelo dinheiro ou por bens equivalentes, esses entendem que a filantropia
basta para salvar o homem e que, se ela reveste a forma de esmola aos pobres,
então o réu está garantido.
Nem a filantropia, simples madrasta,
incapaz de substituir a mãe verdadeira que é a caridade; nem esmola, grande
meio de obter graças e favores de Deus basta ao homem para evitar o inferno. A
filantropia tem belas obras, e muito para admirar, sem dúvida, são os seus
hospitais, os seus asilos, as suas escolas. Mas ela, sem dúvida, não dá ao
homem a perdão dos seus pecados graves. A esmola é um sinal de predestinação
naquele que tem verdadeiramente o amor dos pobres, dos órfãos, dos desvalidos,
dos abandonados; mas a esmola não é um sacramente não tem a virtude de operar a
justificação do pecador. Entender-se o contrário é uma ilusão perigosa, que bem
se verifica neste fenômeno de atualidade brasileira - a vida sem oração.
Há um verso de Vitor Hugo, em relação à
perturbação que causaria no equilíbrio do mundo físico a supressão de um só
ninho da floresta; e diz que maior seria a perturbação que traria ao mundo
moral a supressão de uma só oração, feita por lábios, humildes, mas que tantas
vezes é a causa determinante das maiores misericórdias, para o homem e para os
povos. Não; não me objeteis contra a oração o que vós, incrédulos, chamais as
leis inflexíveis da natureza. Não há leis inflexíveis ou invariáveis; todas
obedecem a Ele, que, aliás ab eterno,
antes mesmo da criação do mundo, ouviu a nossa súplica e pode ter disposto, se
assim lhe aprouve, todas as coisas de modo a ser satisfeita a nossa oração.
A oração, fiquem sabendo tantos, entre
nós, que a desprezam, não é só essa lei de equilíbrio a que acabo de
referir-me; é também uma lei universal; a criança pede a sua mãe, o fraco pede
ao forte, o pobre pede ao rico, o homem pede a Deus.
Bela, porque é o reconhecimento da nossa
indigência, a oração, além disso, é onipotente para obter certos favores de
Deus, sucedendo que, mesmo entre os homens, quanto mais fraco é um ser, mais
poderosa é a sua súplica, não se podendo supôr que haja um só homem capaz dê não
ouvir a súplica de uma criança.
A vida sem oração explica em parte o
nenhum temor do inferno, como, por seu turno, este nenhum temor tem uma causa fácil
de averiguar-se - a ignorância do catolicismo, do que ele ensina, do que se
deve crer, em relação ao inferno.
Trata-se de uma verdade que pode ser
provada com todos os gêneros de provas; e, numa vasta exposição, darei o
testemunho da história, da filosofia da história, da critica histórica, da
psicologia, da metafísica, da moral, do direito natural, do direito criminal,
dos atributos de Deus e da economia da redenção.
Da história deduzo que a crença no
inferno é universal, não só dos povos cristãos, mas de todos os povos antigos e
modernos, judeus ou gentios, bárbaros ou civilizados; sendo certo que o inferno
de que nos fala S. Paulo era também afirmado por Cícero, Platão; que a morte
eterna de que nos fala Cristianismo era também reconhecida pelo paganismo.
Da filosofia da história deduzo que um fenômeno
universal supõe uma causa universal, isto é, o inverno universalmente
acreditado, não pode deixar de ser uma revelação de Deus.
Da critica histórica deduzo que não
podia a própria humanidade ser quem inventasse o inferno, porque o homem, cheio
de vícios e paixões, não seria capaz de inventar semelhante castigo para si
próprio.
Da psicologia, isto é, da analise da alma
humana deduz o que o sentimento do inferno está profundamente gravado na nossa
natureza, e tanto, que dele diz o celebre teólogo: "é um diamante negro engastado
nas profundezas do coração humano”.
Da metafísica deduzo a necessidade de
uma conclusão eterna para o destino do homem, porque todas as coisas estão
compreendidas entre dois termos: o principio e a conclusão, ambos eternos, porque
se o principio não fosse eterno não seria princípio; e conclusão eterna, porque
se não fosse eterna não seria conclusão.
Da moral deduzo que, da mesma sorte que
duas linhas paralelas, por mais que se prolonguem, não se podem encontrar,
assim também o bem e o mal não podem chegar a mesma conclusão: deve chegar à
vida eterna, o outro deve chegar à morte eterna.
Do direito natural deduzo que, sendo o
homem livre; o próprio Deus, respeitando essa liberdade, não pode conduzir ao
céu o homem que recusa a vida.
Do direito criminal deduzo que muito
especiosa lê a objeção que opõe, contra o inferno, a suposta crueldade de punir
eternamente aos passageiros como os pecados, porquanto a própria criminologia
humana nos ensina que a pena se mede, não pelo tempo gasto na perpetração do
delito, mas pela intenção do delinquente. É certo que o adultério, o roubo, o
homicídio e, em geral, todos os crimes cometem-se em poucos instantes;
entretanto a sociedade os pune com muitos anos de prisão, havendo mesmo casos
de galés perpétuas, de exílio e de morte civil. Ora, que é que isto mostra? Mostra
que, se a própria sociedade existisse eternamente, ela puniria eternamente
certos homens. O que a sociedade não pode fazer, fá-lo Deus, que conhece toda a
malícia da intenção e dá-lhe, quando é justo, a pena do inferno, infinita na
duração, porque na eternidade não há tempo, mas finita na intensidade, porque será
proporcionada à malicia da intenção do homem impenitente; e só deste é que se
trata, isto é, do homem que no uso de sua liberdade, recusa, pela reparação de
seu pecado, a salvação que a todos Deus oferece.
Dos atributos de Deus deduzo que a
veracidade, a onipotência, a justiça e a providência de Deus exigem o inferno;
a veracidade, porque Deus o revelou em todos os tempos; a justiça, porque sem o
inferno o bem e o mal teriam a mesma conclusão; a onipotência, porque sem o
inferno Deus não poderia punir eternamente, podendo recompensar eternamente a
providência divina, porque, sem ela, sem reparação ficariam todas as
desigualdades e dotes e iniquidades humanas.
Eis todos os atributos de Deus exigindo
o inferno; e ainda há, não poucos, que aleguem contra o inferno o amor de Deus,
como se o amor de Deus pudesse anular todos os outros atributos de Deus e como
se o inferno não fosse a recusa do próprio amor.
Chego ao que chamo prova decisiva,
definitiva, irrecusável, da existência do inferno. Esta prova é a economia da
redenção.
Que é a redenção? É o mistério de um
Deus que se fez homem para salvar o homem. Salvá-la de que? - dos meios
temporais, das enfermidades, das dores, da pobreza, da morte física? Não,
porque todas estas causas continuam.
Logo Jesus Cristo nos veio salvar do
Inferno, como Ele próprio declarou; é certo que Jesus Cristo, sendo Deus, Sua
morte é um sacrifício infinito. Ora, um sacrifício infinito, dado como um
remédio ao homem para salvar-se, supõe um mal infinito, o inferno. Só o inferno
explica a Paixão e a Morte de Jesus Cristo, que supre o que nos falta, mas não
nos dispensa de um ato imprescindível aos seres livres: a reparação de seus
pecados.
Eis o ensino que a Igreja dá a todos os
homens, mas para o qual eu chamo hoje principalmente a atenção dos
capitalistas, observando-lhes: não é a riqueza uma coisa má em si, mas ela é
das que, mal aplicadas, mais afastam do céu. Não basta a esmola para que coisa
tão perigosa se transforme em meio de salvação.
Há só um meio de tirar à riqueza todo o
mal. Porque esse meio não só diviniza a esmola, mas leva o homem à pratica de
todas as virtudes, inclusive a necessária confissão dos seus pecados.
O meio a que me refiro é a Caridade,
que, amor de Deus, não se deve confundir nem com a filantropia, nem com a
compaixão natural pelos pobres.
Ouvi o apóstolo S. Paulo: "A mais
excelente das virtudes é a caridade. Ela é o resumo de toda a lei. Ela é o laço
da perfeição. Ela é tal, que se eu falasse a língua dos homens e dos anjos, mas
não tivesse a caridade, eu não seria mais do que um bronze soando.” Se eu
possuísse o dom de profecia e se eu penetrasse todos os mistérios, e se eu
possuísse toda a ciência, e se eu tivesse uma fé capaz de transportar
montanhas, se não tivesse caridade - eu nada seria. E se (ouvi capitalistas)...
se eu distribuísse pelos pobres todos os meus bens... sem a caridade isso não
me aproveitaria! Para que, pergunto, dizer muitas coisas da caridade, depois de
citar esta sublima explosão do apóstolo?
A caridade, direi apenas, é mais que
filantrópica; é mais do que a compaixão natural: é o amor de Deus.
É a ultima, a mais alta, a mais divina das
virtudes.
Não só a caridade é a consumação de
todas as obras de Deus: a criação, a encarnação, a redenção; ela é também a
rainha do tempo e da eternidade. Do tempo, porque ela cumpre toda a lei cristã,
encerra todos preceitos em um preceito universal, prevalece sobre os dons mais
sublimes e as virtudes mais excelentes. Da eternidade – porque ela sobrevive às
coisas do tempo, e, quando já a fé tiver desaparecido na visão, quando a
esperança tiver já desaparecido na posse, ela – a Caridade – terá no céu todas
as suas delícias e todos os seus esplendores.