Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950
I - Como devemos ir ao encontro da
Fé
Jó perguntava um dia: Per quam viam spargitur lux? Em que
condições, se derrama a luz da fé nas nossas almas? Como se deve ir ao encontro
da fé?
- A fé exige a recepção do sacramento do batismo
Deus dá-nos a fé desde o batismo, diz o
Concílio de Trento e por isso se chama Sacramento da Fé. Efetivamente, no
batismo ao mesmo tempo que nos dá a graça santificante, dá-nos a faculdade de
crer ou a virtude da fé. Enquanto o batizado não chega ao uso da razão não pode
usar desta faculdade, não pode pôr em prática a sua fé. Esta atividade só se
produz na idade da razão sob a influência da graça e da instrução religiosa.
Dá-se o mesmo com o sentido da vista, nas crianças recém-nascidos; enquanto os
olhos se lhe não abram: a criança, verá, sob a influência da luz, os objetos
que estão ao alcance da sua vista.
- A fé é uma doutrina, é preciso estudá-la
Devemos estudá-la, aprendê-la bem, tanto
no seu motivo e nas suas provas.
- Objeto da fé. A fé abrange tudo o que
Deus disse para se crer e a santa Igreja ensina da parte de Deus. Compreende
verdades, que se devem acreditar, preceitos que se devem praticar e conselhos
que é conveniente seguir. O apóstolo São Paulo chama aos cristãos de seu tempo
- iluminai, iluminados nas verdades da fé. Os cristãos de hoje devem ter noções
nítidas da fé.
- Motivo da fé. O motivo da fé diz o
Concílio do Vaticano, é a própria autoridade de Deus. Todo o ato de fé pode
reduzir-se aos seguintes termos: Eu creio porque Deus o revelou e porque Deus é
a verdade soberana não pode enganar-Se nem enganar-nos
- Provas da Fé. A fé era tão intensa nos
Apóstolos que narrando a vida de Jesus Cristo podiam acrescentar: “Estas
palavras ouvi-as dos seus próprios lábios! Porque não acredito eu em Cristo
como os seus contemporâneos?” Os argumentos que eles tiveram conservam a mesma
força provativa, e há vinte séculos que se vêm juntando novos argumentos.
- A fé é uma virtude, exige uma vida pura
Devemos purificar o nosso espírito da
soberba, e o nosso coração da impureza.
- Soberba. - A soberba é um vício de tal
ordem que se assemelha em muito ao álcool, porque tolda a inteligência
impedindo-a de reconhecer a verdade. Um espírito soberbo é um espírito rebelde,
isto é disposto a não crer. Como poderá alguém receber o Espírito de Jesus se
está cheio do seu próprio espírito? Além disto, a fé é um dom de Deus, diz o
Apóstolo São Paulo; ora está escrito que Deus resiste aos soberbos e que só dá
a Sua graça aos humildes.
- Impureza. - A fé é incompatível com a
impureza; porque o coração impuro perde o amor à verdade e ao bem. Assim o
afirmam os santos. “É impossível ter uma vida impura, diz São João Crisóstomo,
e não vacilar na fé.” “Quando alguém começa a entregar-se ao pecado da luxúria,
diz Santo Ambrósio, começa a perder a fé. - Os próprios incrédulos confirmam
esta doutrina. Quando Bourget um douto incrédulo do século XVIII, chamado por
D'Alembert, a melhor cabeça da Academia, se preparava para a conversão, disse
ao padre Berthonie que o ajudasse na obra da sua conversão: “Meu padre, eu era
incrédulo porque era um homem corrompido. Remediemos o mal depressa: preciso
mais de curar o meu coração do que o meu espírito: confesse-me.
Uma boa confissão é para a inteligência
o que a operação da catarata é para os olhos do cego. Ela restitui num instante
a luz da fé. Não é isto um fato que se verifica todos os dias? Perde-se a fé à
medida que se afasta da santidade da vida. Com razão dizia Henry Lasserre: “a
impiedade é um crime do coração antes de ser um crime da inteligência”.
“Diz o ímpio no seu coração: não há Deus”.
Não é necessário talento, nem sabedoria para fazer um incrédulo, basta muita
soberba e maldade de costumes. “Bem-aventurados, pois os limpos do coração, porque
eles verão a Deus.”
- A fé é uma graça, exige a oração
A
fé, como diz São Paulo, é um dom de Deus, uma graça. Ora o meio normal para
alcançar a graça é a oração. - Devemos pois, pedir instantemente a fé, ou o
aumento da fé. Eu creio Senhor, mas fazei que eu creia com mais firmeza.
II- Como a fé vem ao nosso encontro
A fé vem ao nosso encontro por diversos
caminhos.
- Pela criação. - A primeira impressão da fé vem-nos do lado da terra. É a voz da natureza criada que nos fala de Deus. Por quem foste criada? Por um ser mais poderoso que eu é que tudo foi criado, porque o operário é sempre mais poderoso que a sua obra. - Para que foste criada? A natureza responde da mesma maneira: para que nas obras reconheçais artista. “Nós vemos a Deus na natureza como num espelho, diz São Paulo, e assim as coisas invisíveis são conhecidas pelas visíveis.”
- Por Jesus Cristo. - Na criação
conhecemos Deus e os Seus principais atributos; na Revelação de Jesus
completa-se o testemunho das criaturas acerca de Deus; na Pessoa de Jesus
vemos Deus presente, falando e operando - Jesus é o supremo testemunho de
Deus. “Nunca ninguém viu Deus: o Unigênito que está no seio do Pai, dá
testemunho de Deus.” (Jo. 1, 18). Jesus Cristo. mesmo o afirma. “Eu
falo-vos daquelas coisas que vi no seio de meu Pai.” (Jo VIII, 28). O Pai
confirma isto mesmo: “Este é o meu Filho muito amado escute-o.” (Mat. XVII,
5). “Quem me vê a mim, diz Jesus Cristo, vê meu Pai”. É necessário
conhecer Jesus Cristo. Este conhecimento é tão necessário à nossa alma,
como o ar e o pão para o corpo; é indispensável ao nosso ministério e ao
nosso apostolado, que consiste em levar Jesus às almas.
- Pela Igreja. - A Igreja é depositária da Doutrina de Jesus Cristo. Depositária única, só a ela foi dito: “Ide e ensinai a toda a criatura”. Depositária infalível, é assistida pelo Espírito Santo, e, por consequência, não se engana nem pode enganar. É pelos ouvidos abertos à voz da Igreja que a fé entra nas nossas almas - fides ex auditu.
- Pela família. - A fé vem-nos da família a que pertencemos. Nascemos numa atmosfera impregnada de religião e de piedade. Por isso, podemos dizer com Jó: Desde a infância a piedade cresceu comigo.
- Pela sociedade. - Vivemos numa
sociedade onde Jesus Cristo é conhecido, amado, servido e respeitado.
Participamos dos benefícios da civilização cristã e, por consequência, do
Beneficio da fé.