sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Respeito humano

Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950

8. - Respeito humano

Que é o respeito humano?

É a vergonha daquele que não se atreve a manifestar os seus sentimentos religiosos e piedosos, porque com isso é escarnecido, insultado, perseguido.

I - Natureza do respeito humano
           
O respeito humano é o respeito pelas coisas humanas colocado acima do respeito pelas coisas de Deus; é a estima pelo homem preferida à estima por Deus.
O respeito divino coloca-nos na presença de Deus a quem devemos conhecer, amar e servir porque é nosso Criador, Senhor, Juiz e Remunerador.-  O respeito humano é a negação de tudo isto. Transfere sacrilegamente para o homem os direitos e a honra que são reservados a Deus. O homem é considerado como senhor e juiz, e, por isso, toda a vida exterior é para lhe agradar.

II - Aspectos diversos do respeito humano

O respeito humano reveste tantas formas quantos são os nossos deveres.

1.º Omissão do bem. - O respeito humano impede a prática sincera e fiel da nossa fé, fechamos a boca quando é preciso falar, e paralisa os nossos esforços quando é preciso agir.
Sabemos que a santa Missa é uma fonte de graças desde que assistamos a ela com edificação; todavia, na assistência à missa não estamos com a devida atenção e fervor, porque não queremos dar nas vistas com a nossa devoção.
Encontramos na comunhão uma grande força contra os inimigos da nossa salvação, um ódio ao pecado, um zelo ardente para o bem, uma garante de perseverança; todavia, não nos aproximamos muitas vezes deste banquete divino, porque tememos que nos censurem.
Queremos fazer progressos na piedade e na virtude; mas para isso é preciso frequentar a confissão a fim de alcançarmos o perdão das nossas faltas, recebermos conselhos úteis e uma direção salutar; todavia, não nos confessamos com frequência porque tememos que escarneçam de nós.

2.º Corrupção do bem. - O respeito humano infecciona tudo, mesmo o bem. Para que as nossas ações boas sejam meritórias devem ser feitas com intenção de agradar a Deus. Ora o respeito humano inclina-nos e decide-nos a praticar o bem para agradar às criaturas. Portanto, o respeito humano tira o caráter sobrenatural às nossas ações. Dá preferência do homem a Deus.

3.º Prática do mal. - O homem levado pelo respeito humano chega mesmo a praticar o mal para agradar os maus. Um companheiro aproxima-se de nós, convida-nos para os bailes, para reuniões profanas, para lugares perigosos e deixamo-nos arrastar pelo maldito companheiro até à boca do inferno e não temos coragem de lhe dizer secamente: não quero vai tu só.

4.º Jactância do mal. - O respeito humano faz mesmo com que o homem se glorie com o mel que fez e até mesmo se glorie com faltas que não cometeu.

5.º O respeito humano é um mal universal. - Um outro caráter do respeito humano é a sua universalidade. Por exemplo, o mentiroso, o voluptuoso, o colérico, têm estas paixões próprias: inimigos da verdade, da castidade, da mansidão; mas, no campo do respeito humano são inacessíveis a qualquer virtude. O respeito humano não apresenta o aspecto de um defeito particular, torna-se o foco de todos os vícios. Escravo do respeito humano, o homem é capaz de transgredir todos os mandamentos de Deus e da Igreja, faltar a todos os deveres e praticar todo o mal.

III - Motivos do respeito humano

1.º O mundo tem horror à verdade e ao bem - O mundo tem horror à verdade e ao bem e aos que representem estas coisas.
O ideal do mundo é o mal. Ora o mal é a negação do bem.
Moisés, que suportou tantas fadigas no governo de seiscentos mil homens a ouvir as suas queixas e a apaziguar as suas discórdias, quando esperava do seu povo louvores e agradecimentos, ouve da boca de um pastor estas amargas palavras: és néscio e doido em tomares sobre ti tantos negócios!
Vati, esposa de Assuero, a qual devendo ser louvada pela compostura e modéstia, porque recusou fazer, alarde da sua formosura perante a multidão dos convidados, tiveram-na unicamente por cabeçuda e teimosa.
Como queremos que os maus nos não tenham aversão se as nossas ações são uma repreensão contínua ao seu mau viver? Com a nossa piedade confundimos a sua falta de religião, com a nossa honestidade a sua dissolução, com a nossa caridade a sua avareza. Miram-se em nós como em espelhos e vêem esses infelizes todas as suas fealdades. Que admira, pois, que nos desprezem, que nos escarneçam e maltratem, semelhantes ao camelo que, em vendo água clara e nela a sua enorme fealdade, revolve-a com os pés até turvá-la completamente.
“Os ímpios abominam os que andam pelo caminho reto.” (Prov, XXIX, 27).
Assim como somos naturalmente levados a desculpar nos outros aquelas faltas que reconhecemos em nós mesmos, assim também, infelizmente, nos sentimos inclinados a desaprovar, ou, pelo menos, a desprezar nos outros as virtudes que não temos força de praticar.
Eis aqui a verdadeira razão pela qual os maus murmuram das pessoas virtuosas.

2.º O mundo quer perder as almas- O mundo sorri sarcasticamente e escarnece dos que têm religião e piedade porque ele quer prender e matar como outrora. Ele diz e faz como os irmãos de José: “Que quer este sonhador? E concluíram? Lancemo-lo numa cisterna.”
O cristão não deve temer o opróbrio dos homens. Nolite timere opprobriun hominum. Um cristão deve manifestar que há nas suas convicções uma força maior do que todas as paixões dos adversários.

IV - Gravidade do respeito humano

Consideremos a gravidade do respeito humana em si mesmo e nas suas consequências.

1 - O respeito humano é a preferência do homem a Deus

O respeito humano é a ruína da ordem e da perfeição, porque desvia o nosso pensamento, a nossa atenção de Deus para as criaturas. A razão e a fé dizem: Deus é o fim e o motivo de todos os nossos atos. O respeito humano diz: só devemos ter consideração pelo homem, pelos seus gostos, pelas suas opiniões, pelos seus caprichos.

2 - O respeito humano é uma fraqueza

O padre Ventura afirmava energicamente: “Ocultar os sentimentos da verdadeira fé, envergonhar-se de cumprir publicamente os preceitos, não é senão uma fraqueza, a maior de todas as fraquezas. É por isso que se encontra comumente nas almas pequenas.”

3- O respeito humano é uma fraqueza vergonhosa

Deus deu-nos um guia seguro, um juiz infalível das nossas ações, é a consciência que nos ilumina e dirige em todos os nossos passos, nos louva ou censura conforme praticamos bem ou o mal.
O escravo do respeito humano segue uma luz, obedece a uma outra regra. A sua luz e a sua regra é a opinião e o capricho de alguns homens.

4 - O respeito humano é uma fraqueza muito prejudicial à salvação

O respeito humano inutiliza os meios tão poderosos e eficazes de que Deus se serve para nos atrair a Si. Convida-nos pela sua graça a uma vida mais regular e mais santa e nós mesmos temos bons desejos de abraçar esta vida. Porque resistimos às solicitações da graça? É o respeito humano que impede a ação da graça e asfixia a nossa boa vontade.

5 - O respeito humano é uma traição

Devemos edificar uns aos outros. O que tem mais luz, mais virtude, deve irradiar estes bens em volta de si. Nosso Senhor Jesus Cristo diz: “Vós sois a luz e o sal da terra: luz que deve combater as trevas; sal que deve impedir a corrupção.” Ora o respeito humano contraria, destrói esta disposição de Deus, impede que a luz irradie, apaga-a, corrompe o sal; ajuda as trevas e o mal a espalharem-se por toda a parte.

6 - O respeito humano é a abdicação da personalidade humana

Deus determinou que o homem se conduzisse pela sua consciência esclarecida pela lei divina, é nisto que está toda a sua dignidade de homem. Ora o homem que se deixa arrastar pelo respeito humano não pensa, não fala, não opera por si mesmo, segundo a sua consciência, torna-se escravo dos outros, pensa, fala e faz como eles. Pode conceber-se alguma coisa mais destruidor da dignidade ou personalidade humana? Não.

7 - O respeito humano é a abdicação da dignidade de cristão

Um cristão pode dizer com São Paulo: “Eu vivo, mas verdadeiramente não sou eu já que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim, é Jesus Cristo que pensa, fala e opera em mim.” Ora o cristão possuído do respeito humano é um discípulo indigno, tem o nome de cristão e não se deixa conduzir por Jesus Cristo: Poderá dizer: eu vivo, mas não sou eu que vivo, é o tal companheiro insensato, todo ele é que vive em mim. Eu abdiquei da minha alma para substituí-la por uma alma desvairada, estúpida.

8 - O respeito humano é uma escravidão vergonhosa

Se alguém quisesse fazer-nos uma observação sobre qualquer dos nossos defeitos dir-lhe-íamos: Não se meta onde não é chamado. Porém atacam as nossas virtudes e boas qualidades e temos a baixeza de nos envergonhar de as defender.

9 - O respeito humano é uma apostasia infame.

“Foi o respeito humano que fez morrer o Filho de Deus. Pilatos teria sido inabalável às instâncias e gritos dos Judeus que pediam a morte de Jesus por estar convencido da inocência do Salvador, e da injustiça deles, mas apenas o ameaçaram com César, toda a sua firmeza não pôde vencer o temor de desagradar a César. Ó respeito humano, exclama alguém, em quantos corações tens dado a morte a Cristo, e em quantos não O tens deixado nascer! Deixamos de ser de Deus ou receamos ser d'Ele, pelo temor do juízo dos homens”. Quem quiser ser amigo deste mundo perverso declara-se por isso mesmo inimigo de Deus.

10 - O respeito humano é causa de condenação eterna

1.º Condenação dos homens. - Ozanam, quem aconselhavam um dia uma prudência muito tímida nas manifestações da sua fé, respondia: “Não, eu não ganharei nada em dissimular as minhas convicções; não adquiro a confiança daqueles que me conhecem e perderei a da juventude que me considera; isto é, não obterei a estima dos maus e perderei a dos bons”.
O cristão fraco, tímido, engane-se nos seus cálculos, e acaba inevitavelmente por ver recusar o que tem sido objeto de todos os seus sacrifícios, o respeito dos outros. Aquele que falta aos juramentos de fidelidade a Deus não pode oferecer nenhuma garantia na confiança dos homens.

2.º Condenação de Deus. - No dia de juízo a sentença pronunciada sobre nós dependerá da maneira como tivermos compreendido o respeito humano e o respeito divino. “Eu confessarei, diante de meu Pai, aquele que me confessar diante dos homens, diz Jesus, e envergonhar-me-ei diante de meu Pai, daquele que se tiver envergonhado de mim diante dos homens”.
Jesus abomina, condena o mau cristão que recusou reconhecer a Sua soberania. 

Continuará...